segunda-feira, 27 de maio de 2024


27/05/2024 - 06h00min
Juliana Bublitz

Discurso anti-Estado, do "povo pelo povo", é uma armadilha na catástrofe climática do RS

Vivemos um momento-limite, em que o voluntariado já não aguenta mais; o povo, sozinho, não vai conseguir vencer tudo. As forças do Estado foram e continuam sendo fundamentais para superarmos a tragédia.

Assim que a água subiu, levando vidas e memórias, cobrindo áreas extensas, inclusive zonas urbanas populosas nunca antes atingidas, duas frases viralizaram no mundo virtual e na vida real: “civil salva civil” e “o povo pelo povo”. 

O heroísmo, a dedicação e a força dos voluntários foram e continuam sendo imensos. Sem o apoio dessas pessoas, em sua maioria gente anônima movida por um desejo genuíno de ajudar, a tragédia que vivemos seria, com toda a certeza, muito pior. Infinitas vezes maior. 

Só que, por trás das frases lacradoras que fazem tanto sucesso nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, há uma armadilha retórica - e palavras têm força.

Quando alguém estufa o peito para gritar, em uma live ou seja onde for, “civil salva civil”, está, de certa forma, dizendo que o Estado não só é desnecessário (“o povo cuida do povo”) como é melhor que fique longe e não atrapalhe. 

É um discurso fácil, tão sedutor quanto falacioso. E é o mesmo por trás das tantas fake news que disseminam a ideia de insurgência, com ataques recorrentes às instituições, alçando o “cidadão comum” à categoria de único digno de confiança.

A presença do Estado, especialmente em uma catástrofe, é essencial. Que fique entendido: o Estado é, também, o brigadiano, a médica, o assistente social, a merendeira, o professor, o servidor público pago para exatamente isso: prestar serviço a todos nós.  

Estado também são os governos e os políticos eleitos. Eles falharam?  Sim, muitos deles, e estão sendo cobrados por isso - basta ver o caso da prefeitura de Porto Alegre, enredada nas falhas de manutenção do sistema de proteção contra enchentes. 

Podemos, por isso, prescindir do Estado? Não, ao contrário. Vivemos um momento-limite, em que o voluntariado já não aguenta mais, não pode mais. Os abrigos estão começando a perder braços, porque os apoiadores também têm de retomar sua vida, seu trabalho. O povo, sozinho, não vai conseguir vencer todos os desafios pela frente. O Estado precisa e deve fazer a sua parte. Agora, mais do que nunca.

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