segunda-feira, 24 de abril de 2023


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16/03/2023 - 08h12min
J. J. Camargo 

As novas gerações estão matando a palavra e o pensamento

Quanto mais pobre a linguagem, mais o instinto selvagem arreganha os dentes. Menos palavras e menos verbos conjugados significam menor capacidade de processar um pensamento. "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor." (Paulo Freire)

O clipe que viralizou na internet mostra uma jovem negra americana, na época de extrema discriminação racial nos EUA, tentando convencer um velho juiz a obter autorização para estudar numa escola de brancos, porque seria o único caminho para alcançar o sonho de ser a primeira mulher engenheira da Nasa. A argumentação e o desfecho são comoventes e inspiradores (procure no TikTok por "O poder do argumento").

Como a construção do argumento depende da riqueza das palavras, mais uma vez fica evidente que quem trabalha com pessoas, e a todo o instante precisa ser persuasivo, depende criticamente dela, a palavra. E o mundo moderno parece, incompreensivelmente, determinado a maltratá-la. Como consequência, neste início de século tem sido observado, pela primeira vez, a chegada de uma geração menos inteligente do que a anterior.

Muitas evidências sugerem que por trás disso está o empobrecimento da linguagem. E como advertiu Christophe Clavé, um crítico francês: "E não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as sutilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos. O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento: incapaz de projeções no tempo".

Estudos têm mostrado que parte da violência do cotidiano decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras.

Menos palavras e menos verbos conjugados significam menor capacidade de processar um pensamento. Como a falta de argumentos lógicos é o caminho mais curto para a agressão, estudos têm mostrado que parte da violência do cotidiano decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras.

Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível. Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece, e o instinto selvagem arreganha os dentes. Se não houver pensamentos elaborados, não haverá raciocínios críticos. E não há pensamento sem palavras.

Os nossos jovens se tornaram exímios digitadores de símbolos e abreviaturas e perderam, com poucas exceções, a capacidade de redigir um texto que exprima emoção. Quem prefere o espetáculo pronto, como o da TV, por exemplo, no máximo poderá admirar o talento criativo do outro, enquanto atrofia, sem perceber, a sua própria criatividade.

Quem for assistir a um filme sobre um livro que o deslumbrou sairá do cinema decepcionado, porque o diretor mais genial não conseguirá transferir integralmente para aridez de uma tela a riqueza da imaginação criativa do leitor.

Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, tornar a linguagem mais objetiva, abolir gêneros, tempos, nuances, tudo o que cria complexidade, são os verdadeiros arquitetos do empobrecimento da mente humana.

Não surpreende que na pobreza do vocabulário até a delicada sutileza do humor tenha mirrado, e as redes sociais tenham se obrigado a criar, veja só, os "orientadores do riso". E que ninguém ponha banca de esperto para rir antes do kkk.

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