quinta-feira, 27 de abril de 2023



26/04/2023 - 16h16min
Fabrício Carpinejar

Ainda é cedo

Visita no Rio Grande do Sul é como estacionamento. Você passa a pagar o excedente depois de três horas. Gostamos de visitas que não demoram muito. Visitas breves e inesquecíveis. Visitas que não enjoam. Visitas que criam saudade. 

Gaúcho é um bicho esquisito em seu acolhimento. Almoço é almoço, jantar é jantar. Um não pode invadir o outro quando recebe alguém em casa. Visita no Rio Grande do Sul é como estacionamento. Você passa a pagar o excedente depois de três horas.

A alegria anfitriã logo se converte em rabugice: quando a pessoa irá embora? Não sei do que temos medo. Talvez receio ancestral de invasão de nossos latifúndios, de que a visita comece a morar conosco e faça um puxadinho se a tratarmos excessivamente bem.

A recepção é escandalosamente afetuosa, a visita é rainha dos nossos olhares no início do papo, mas o nosso comportamento muda e se torna reativo com a permanência por mais de um turno. O sentimento com o amigo ali conosco é realmente confuso. Você quer até certo ponto, e não quer mais depois. Se ele parte cedo, ficamos ofendidos. Parece desdém, desprezo, indiferença. Parece que não apreciou ter vindo.

Se ele retarda a sua saída até de madrugada, ficamos preocupados. Será que virou hóspede? Será que terei que providenciar roupa de cama e arrumar o colchão no chão?

Eu descobri tal metamorfose de nosso temperamento com as observações da amiga e psicanalista Diana Corso. Veja se ela não está coberta de razão. Chega um momento em que você precisa dormir para trabalhar cedo e não sabe como se despedir, porque nada mais depende de seu controle. É o convidado que precisa sair, não você, a casa é sua.

As conversas não têm a mesma profundidade nem igual animação. O tom de voz vai diminuindo do grito para o bocejo.

Você larga o ponto fixo do sofá, a exclusividade da atenção, inventa de responder de pé a qualquer questionamento, deslocando-se entre os aposentos, movimentando-se como se estivesse repentinamente sozinho. Arruma as coisas, lava e guarda a louça, com a esperança de que a visita se toque. Apenas assente com o rosto, não se mostrando mais polêmico e enérgico como antes.

Até recorre a superstições familiares e coloca a vassoura de cabeça para baixo atrás da porta. A visita não dá sinal de entender. Então, você a critica mentalmente, roga pragas para ela, concluindo que é folgada, que é abusada, que é sem noção, que nunca mais a chamará de volta.

Quando finalmente a visita percebe o fim do expediente amistoso, o término da sua paciência, e se dirige à saída recolhendo os pertences nos ganchos da entrada, quando finalmente a visita professa as palavras mágicas tão aguardadas — “já está tarde!” — em vez de somente concordar, você se culpa por ter pensado mal dela e reage de modo oposto ao que deseja dizendo:

— Ainda é cedo! Agora levará mais uma hora para ter uma nova chance de despedida.

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