sexta-feira, 27 de janeiro de 2023


27 DE JANEIRO DE 2023
INFORME ESPECIAL

À espera de justiça O Pampa gaúcho desfila na Europa

A comparação com a velocidade do desfecho judicial de casos semelhantes em outros lugares do mundo dá ainda mais razão à revolta de familiares e amigos das vítimas do incêndio da boate Kiss. Os labirintos do sistema processual brasileiro podem explicar a demora para as responsabilizações, mas não há justificativa moral para tanto tempo de impunidade, 10 anos depois da tragédia de Santa Maria.

Um exemplo próximo é o da casa noturna República Cromañón, em Buenos Aires, que pegou fogo na noite de 30 de dezembro de 2004. Foram 194 mortos. Três anos depois saíram as primeiras condenações. Ao todo, foram 28 pessoas responsabilizadas criminalmente, entre os proprietários da danceteria, funcionários, integrantes da banda que tocava no local e agentes públicos. Destes, 14 acabaram presos. O então prefeito da capital argentina, Anibal Ibarra, foi afastado do cargo em um processo político.

Na noite de 20 de fevereiro de 2003, na cidade norte-americana de West Warwick, outro episódio parecido, também com incêndio iniciado por um sinalizador aceso. Cem pessoas morreram na boate The Station. Em maio e setembro de 2006 as sentenças foram conhecidas. Dois irmãos sócios do empreendimento e o agente da banda que se apresentava, que acionou o artefato, foram condenados à prisão.

Na boate Lame Horse, na cidade russa de Perm, novamente as chamas e o sufocamento por gases tóxicos deixaram um grande número de vítimas fatais. O incêndio, na madrugada de 5 de dezembro de 2009, também começou com o uso de pirotecnia, como em Santa Maria, Buenos Aires e West Warwick. Em abril de 2013, poucos mais de três anos depois, nove pessoas estavam condenadas pelas 156 mortes, sendo oito à prisão.

Nos três casos semelhantes, no Exterior, a Justiça foi capaz de dar uma resposta em menos de quatro anos. Aqui, após uma década, o crime segue impune.

Quando a professora de moda Luciana Bulcão, com família de origem bajeense, estagiou em uma conceituada revista do segmento em Madri, não imaginava que um dos seus primeiros desafios seria provar que, sim, o Brasil também tem gaúcho. A moda "gaucha" era diretamente ligada a argentinos e uruguaios na Europa, e foi assim que Luciana voltou decidida a "exportar pampa gaúcho" para as passarelas da Itália e da Espanha.

Durante o mestrado na Unisinos, se aprofundou em design e território. E assim surgiu a marca Dona Rufina, que traz no DNA mais do que peças em lã ovina, mas a missão de perpetuar a arte tecelã da região.

- Descobri que mulheres que trabalharam com isso a vida inteira estavam enterrando lã por que não tinha procura pelo material e pela mão de obra artesanal - conta Luciana.

Além de preservar o ofício tradicional do RS, a marca dá trabalho a mulheres das região das Missões e da Campanha, que fornecem material e peças sustentáveis, com certificado concedido pela organização Friend of The Earth. A partir daí, foi sucesso: a grife participou de desfiles nas concorridas semanas de moda de Milão e Madri e foi capa da revista online da Vogue Itália.

- Ficaram encantados com a lã orgânica, já que o material sintético virou regra nas redes fast fashion - conta.

A empresária segue contratando e capacitando mulheres para produzir peças com autenticidade.

- Amo a moda autoral gaúcha. Transportamos o Pampa através dela - diz a empresária, que enquanto ajuda a preservar um saber ancestral do RS fortalece a economia colaborativa feminina.

CAIO CIGANA INTERINO

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