08 DE JANEIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
Por que um bom restaurante morre?
O Monte Polino fechou. Eu aqui, a 8,3 mil quilômetros de distância, suspirei de tristeza quando soube. Nos bares e nos restaurantes é construída parte da história das cidades, porque é onde as pessoas se encontram e conversam, se juntam e se separam.
Jantei muitas vezes no Monte Polino. Numa dessas, fui lá com o Paulo Sant?Ana, o Cláudio Brito e o Luiz Zini Pires. Nos acomodamos em torno a uma mesa e fizemos os pedidos. Então, o Sant?Ana olhou para o Brito e avisou, com alguma solenidade:
- Tenho de te perguntar uma coisa, Brito.
Ficamos na expectativa. Após alguns segundos de pausa dramática, ele perguntou:
- Tu pintas o cabelo?
O Cláudio Brito jurou que não, disse que é descendente de índios, que seu cabelo é assim mesmo, acho que citou alguma característica da sua família. O jantar seguiu. Uma hora depois, quando eu já me deliciava com o fettuccine com braciola, o Sant?Ana interrompeu uma conversa sobre amenidades para se dirigir especificamente ao Brito:
- Tenho uma dúvida, Brito. Tu pintas o cabelo?
Estranhei a repetição, mas o Brito, aparentemente, não. Deu outra vez a explicação sobre suas origens e garantiu enfaticamente que não tingia o cabelo.
Mais tarde, antes de pagarmos a conta, o Sant?Ana aproveitou um silêncio e tascou:
- Brito, preciso saber algo: tu pintas o cabelo?
Eu e o Zini nos entreolhamos. Começamos a rir. Mas não o Brito, que, com admirável paciência, repetiu tudo o que havia dito antes. Bem. A noite seguiu seu rumo. Saímos do restaurante e ficamos conversando na calçada, de pé, por mais alguns minutos. Nos despedimos, enfim. Eu e o Zini iríamos para um lado, o Sant?Ana e o Brito para outro. Enquanto nos apartávamos, o Sant?Ana pegou o Brito pelo braço e mandou:
- Uma última coisa. Fala sério. Tu pintas o cabelo?
E se foram os dois, com o Brito observando que tinha ascendência indígena?
Até hoje não sei se era gozação ou atrapalhação mental do Sant?Ana.
Bares e restaurantes são cenários de episódios como esse. São lugares em que histórias acontecem. Por que morrem? A respeito dos bares tenho uma tese: bares são geracionais. Um bar conquista um grupo em determinada época. Quando a época termina, o bar termina também.
Assisti de perto ao fenecimento de um bar histórico de Porto Alegre, o Lilliput da Fernando Gomes. Foi como se estivesse ao pé da cama do moribundo. O primeiro sinal de decadência foi o desaparecimento das mulheres. De repente, elas não iam mais ao bar. Preocupado, sugeri para o gerente, o Atílio Romor:
- Bota sushi e doce no cardápio. Mulheres adoram sushi e doce.
Mas ele não acatou minha ideia e, aos poucos, o Lilliput foi murchando, até desaparecer suavemente. Talvez minha receita para atrair o público feminino não adiantasse de nada, afinal. As novas gerações queriam outros bares. Compreensível. Novas gerações gostam de novidades.
Mas um restaurante, que não vive só da fremência sensual da noite, por que um bom restaurante morre? Vou citar mais dois exemplos: o Steinhaus, restaurante alemão que ficava ali na Paulino Teixeira e servia filés de fazer chorar o bispo, e o Galo, um português que se situava quase na frente do Monte Polino. O bacalhau a Gomes de Sá do Galo era um clássico, uma atração turística da cidade. Por que esses restaurantes se foram? Por que nos abandonaram? Ou, antes, por que foram abandonados? Para mim é um mistério. Mas, mais do que um mistério, uma dor.
DAVID COIMBRA
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