terça-feira, 14 de agosto de 2018

O processo de coaching pode ser perigoso | Não Me Iluda!

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Abaixo, compartilho com vocês o primeiro capítulo do livro “Não Me Iluda!”, lançado em 2017. Boa leitura!
Minha carreira pública começou com o trabalho de coaching. Fui o primeiro autor brasileiro a escrever um livro de casos reais de processos de coaching de vida. Naveguei em uma espécie de onda que surgiu em torno desta profissão e, durante muito tempo, minhas palestras e entrevistas na imprensa eram focadas em explicar as funções de um coach, as técnicas e os resultados esperados.
Mas, assim como pude ver todo o crescimento deste mercado, infelizmente também pude acompanhar o rumo que tomou. As formações que inicialmente eram de muitas horas e exigiam estágio comprovado, através de entrevistas com os clientes, passaram a ser de poucas horas, sem nenhum tipo de avaliação. Na verdade, a formação de coaching nunca foi longa, pois a ideia original, acredito, nunca foi criar uma onda de novos profissionais, e sim de novas ferramentas. Mesmo assim, vivenciei uma época em que haviam poucas escolas de formação, e estas eram realmente muito mais sérias. Os professores assistiam às sessões de coaching dos alunos, haviam provas no final sobre as teorias e as ferramentas e, principalmente, era necessário comprovar horas de atendimento qualificado (com aprovação do cliente) para poder sair se intitulando coach.
Não havia a falsa promessa de que tínhamos encontrado a profissão que mudaria o mundo e nos deixaria ricos
Não havia a falsa promessa de que tínhamos encontrado a profissão que mudaria o mundo e nos deixaria ricos. O foco era no cliente, e não no ego do coach, como uma espécie de super-homem dos tempos modernos. Surgiram no mercado dezenas de especificações de coach. Nada contra alguma pessoa em específico, mas confesso que me chama a atenção quando vejo coach para emagrecimento, coach para grávidas, coach sexual, coach para idosos. Uma hora vai surgir o coach para leitores de livros, prepare-se! A própria expressão “coach de vida” (que por muitos anos utilizei) agora já questiono. Fica uma confusão para o cliente.
Um dos momentos que me marcou foi quando descobri que existia o “coach dos coaches”. O mercado ruiu. Toda e qualquer pessoa, independente de sua formação e experiência, estava virando coach. A profissão não é regulamentada, e isso permitiu que muitas pessoas, sem a menor habilidade interpessoal, se tornassem especialistas em ajudar os outros. E, por fim, havia ficado mais fácil ganhar dinheiro dando formação de coaching do que atuando como tal.
Havia ficado mais fácil ganhar dinheiro dando formação de coaching do que atuando como tal.
Como pode alguém dar formação nesta área sem, ao menos, ter feito alguns atendimentos? Graças ao meu empenho e à séria dedicação ao assunto, eu sou um coach com agenda lotada e clientes em fila de espera. Mesmo assim, não me sinto capacitado para ensinar aos outros como devem atender. Isto é muito mais profundo do que ajudar um cliente, isoladamente, a resolver ou aprimorar alguma questão pessoal. Pelo menos deveria ser.
Estive em eventos com centenas de pessoas batendo palmas, pulando das cadeiras, dando gritos de guerra. Corriam sobre as brasas e se abraçavam falando frases, quase mantras, dos seus superpoderes para mudar a vida dos outros. Mas o que me chamava a atenção era o fato de que ali naquele grupo poucos, pouquíssimos, haviam conseguido arrumar as suas próprias vidas. Mais raros ainda eram aqueles que possuíam um histórico de clientes que tivessem completado com sucesso o processo de coaching.
Hoje, olhando para trás, penso que um dos motivos do sucesso do meu primeiro livro (O Encantador de Pessoas, 2013) foi justamente porque não segui a linha de escrever um livro para dizer como as pessoas deveriam viver, e sim compartilhei diversos casos reais de clientes que se dedicaram, profundamente, a realizar uma mudança em suas vidas. Na época era, e ainda é, raro ver coaches falando dos seus atendimentos. A maioria quer apenas dar as receitas e as fórmulas para a vida abundante em tudo aquilo que todos nós desejamos.
Não gosto quando vejo promessas do coaching como a única forma de autodesenvolvimento ou, pior ainda, o único caminho para se tornar uma pessoa de sucesso.
Conheci o coaching por volta do ano de 2004, enquanto fazia um curso de pós-graduação em Psicologia na área de Análise Transacional. Uma das professoras era, na época, a maior referência do assunto no Brasil (até porque dava para contar nos dedos o número de profissionais que recebiam este título). Quase não havia livros sobre o assunto, mas me parecia encantador pela sua objetividade. O coaching me foi apresentado como uma ferramenta extra aos trabalhos ligados ao comportamento humano. Anos depois, fiz uma formação específica em uma entidade do Brasil e um curso com outra de Portugal. Não sei se foi porque minhas formações foram anteriores a esta explosão comercial, mas meus estudos do processo de coaching nunca tiveram uma conotação tão forte no aspecto motivacional. Conheci diversas ferramentas ótimas, das quais muitas delas ainda utilizo até hoje. Gosto muito do princípio de que o processo de coaching é fazer perguntas, orientar um plano de ação e trabalhar com foco no presente e futuro. Mas não gosto quando vejo promessas do coaching como a única forma de autodesenvolvimento ou, pior ainda, o único caminho para se tornar uma pessoa de sucesso.
Quando penso na psicologia tradicional, como pode alguém que fez uma formação de 20 horas saber mais do que alguém que estudou por, no mínimo, cinco anos? É assustador ver coaches querendo ocupar lugar de psicólogos, filósofos, historiadores, psiquiatras. Para falar a verdade, hoje acredito que coach nem mesmo deveria ser uma profissão, e sim apenas uma formação complementar. Por exemplo, há pessoas formadas em Administração de Empresas, com ênfase em Marketing. Isto seria mais justo e coerente. Uma formação em alguma área das ciências humanas, com ênfase em Coaching. Mas nada foi regulamentado. Infelizmente, qualquer um pode se dizer um coach.
Para falar a verdade, não precisa nem mesmo de formação. Basta você achar que tem condições para isso. Você pode, por exemplo, resolver dizer que é coach para pais, pois agora você tem filhos, e todos os seus amigos que leem as suas dicas e percepções são agora seus clientes. Sabe o que vai acontecer? Nada. Ninguém pode impedir isto. Mas se você enfeitar um pouco mais, uma coisa vai acontecer: você vai ganhar algum cliente disposto a comprar a sua fórmula de como ser um bom pai ou mãe. Mas isso está longe, muito longe, do que seria realmente o processo de coaching. Na realidade, me enjoa ver as coisas desta forma. Os desesperados questionam pouco. Contratam apenas por alguma imagem que se formou em suas mentes. Se é verdade e se funciona, já é outro aspecto, nem sempre pesquisado.
E, infelizmente, não me parece uma distorção somente no Brasil. Por aqui eu não tenho a menor dúvida e posso dizer com muita propriedade que a profissão de coach seguiu um caminho distorcido. Mas, minha pequena experiência na Europa, seja como estudante, como palestrante ou como pesquisador, mostrou que o coach também começa a ser questionado lá fora. Talvez, a grande diferença é que lá ainda não tenha ocorrido uma explosão de escolas de formação esta promessa de que ser coach é ficar rico, famoso e ainda, de quebra, melhorar a vida de centenas de pessoas, ainda não tenha se consolidado.
Não me iluda! Quando vejo uma chamada do tipo “sou coach e vou mudar o mundo”, traduzo isso de outra forma. Para mim há uma mensagem quase subliminar de uma promessa de uma profissão superpoderosa. Depois de estar anos neste meio, posso afirmar: coach não tem nenhum poder paranormal. Não somos capazes de mudar as pessoas somente porque nós queremos – e não, não temos como mudar o mundo inteiro.
Não há técnica que possa mudar alguém que não esteja disposto a mudar.
Outra coisa que me chama a atenção é quando uma pessoa ensina aquilo que ela mesma nunca investiu tempo e dinheiro para aprender e colocar em prática. Isto não é uma regra, mas uma constatação que sempre me deixa pensativo. Um psicólogo que nunca fez terapia? Um nutricionista que nunca seguiu um plano nutricional? Um cardiologista que nunca investigou seu próprio coração? E como ficam os coaches que nunca fizeram coaching? Embora eu saiba que este tipo de situação ocorre em todas as profissões, me sinto um pouco inquieto quando vejo isso na área comportamental.
Faço terapia há quinze anos e fiz o processo de coaching por duas vezes, com profissionais diferentes. Sei qual é o sentimento quando somos questionados, confrontados, acolhidos, escutados. Aprendi a reconhecer a dificuldade que podemos ter para nos abrirmos a alguém ou até mesmo a ganharmos consciência sobre um assunto ao qual temos resistência. Além de ter tido experiência sendo cliente de coaches e psicólogos, eu também conheci religiões, me relacionei com mestres espirituais e participei de muitos eventos com gurus de assuntos relacionados aos dilemas da vida. E, de prático, tenho somente uma única certeza: não há certezas na vida! Não existe caminho que possa prometer a salvação. Não há técnica que possa mudar alguém que não esteja disposto a mudar. E não existe processo rápido para algum desejo profundo.
Se você, leitor, pretende fazer uma sessão de coaching comigo na esperança de que eu mude a sua vida, lamento lhe informar, mas não vou. Não posso lhe prometer uma nova vida em quinze sessões. Não posso lhe garantir sucesso e felicidade. Não posso sequer lhe prometer que você não questionará se valeu a pena investir seu tempo comigo. O que posso lhe oferecer é a minha atenção, meus estudos e meu desejo de poder lhe ajudar a caminhar. E esta é a promessa mais sincera que posso lhe fazer.
Mas por que disse no título deste capítulo que o processo de coaching pode ser perigoso? Simples: quando a promessa é salvadora, a chance maior é que o consumidor seja aquele que está à espera de ser salvo. E é grande o risco dos coaches se sentirem pessoas superiores e tratarem seus clientes como se estivessem em uma posição inferior.
Coach não é guru.
Coach não sabe todas as respostas.
Coach não é alguém que vai lhe ajudar a caminhar sobre as águas.
Coach é um apoio. Talvez em algum momento um apoio muito importante. Mas um apoio. Um profissional com ferramentas e um olhar para te ajudar a ter consciência da sua própria jornada. O resto é ego, marketing, imagem, projeção, fantasia etc.
Também conheci muitos profissionais extremamente qualificados neste segmento e que estavam tão ou mais incomodados do que eu com o rumo que este mercado tomou. Porém, infelizmente, sempre me pareceram minorias nos meios em que circulei ao longo da jornada de trabalhar com desenvolvimento de pessoas.
Todo processo de mudança que não venha verdadeiramente de dentro costuma não se sustentar. E, pelo menos na minha formação, nunca foi papel do coach moldar o cliente para viver da forma como o profissional acredita que ele deva viver. Percebi muita gente se tornando aquilo que seus coaches queriam que eles se tornassem. Muita gente vibrando na energia motivacional dos seus coaches até o minuto seguinte onde se deparavam com os medos, as frustrações e as decepções da vida real. Muita gente se sentindo segura por causa de uma mensagem, e não pela própria experiência.
Provocado por um amigo, em determinado ponto da minha carreira, resolvi contabilizar o percentual de clientes que haviam encerrado o processo comigo de uma forma assertiva. Utilizei como conceito de que “assertivo" é quando o cliente chega no lugar que ele dizia, no início do processo, que gostaria de chegar. Ao calcular, descobri que apenas 35% dos clientes chegavam a este ponto. Era um número muito mais baixo do que os impressionantes números que este mercado gostava de estampar nas capas de revistas e redes sociais. O estranho é que eu seguia com agenda lotada e clientes em fila de espera. Não exponho o fato para me gabar ou algo do gênero. Minha intenção é simplesmente mostrar que muitos processos podem ser úteis na jornada de qualquer pessoa, sem terem esta associação direta com as metas e os indicadores de performance. Não atingir uma meta nem sempre significa fracassar.
Além disso, também tive alguns clientes que voltaram ao meu escritório alguns anos depois de terem encerrado seus processos comigo. Muitos deles estavam naquela estatística dos 35%, mas compartilhavam comigo como suas vidas haviam continuado após o término do processo. Alguns deles estavam me procurando apenas por estarem diante de novos desafios, outros porque tinham percebido que as metas alcançadas não foram garantia de felicidade, ou ainda aqueles que tinham pago um preço tão alto para atingir suas metas que agora precisavam de ajuda para ajustarem a vida.
Lembro de um cliente que, anos antes, havia feito o processo comigo focado no seu desenvolvimento profissional e no crescimento da sua empresa. Diversas vezes, eu o conduzi a refletir sobre possíveis perdas e renúncias que poderiam ser necessárias para que seu plano desse certo. Ele estava disposto a encarar tais desafios. Meses depois, nosso trabalho de coaching encerrou diante da possibilidade real de venda do seu negócio. Como todo processo de venda, isso exige muita dedicação e costuma ser algo com alto risco de distração de outros tantos assuntos relevantes. Juntos decidimos que ele havia chegado a um ponto muito importante (e desejado) e que agora precisava de outro tipo de ajuda.
Dois anos depois, ele voltou a me procurar. A empresa ainda não tinha sido vendida, e a negociação seguia em andamento. Mas agora o casamento dele estava de mal a pior. Naquele intervalo de tempo, a dedicação dele ao trabalho tinha sido tão grande que ele havia se afastado demais da parceira. Retomou o processo comigo justamente para tentar encontrar uma forma de equilibrar todos os aspectos da vida.
Coach é um companheiro de viagem, mas não é a viagem em si.
Nenhum cliente que passou pelo meu trabalho se tornou feliz para sempre. Nenhum cliente se tornou um vencedor eterno. E nenhum cliente escapou da trágica realidade de um dia voltar a tropeçar.
Mas são clientes como estes que me fazem refletir o quanto as promessas de certos profissionais do coaching podem ser perigosas. A vida é muito mais ampla e sistêmica. As demandas e as jornadas de tantas pessoas que pude acompanhar me comprovaram que as coisas são muito mais complexas do que ferramentas isoladas. Nada, absolutamente nada, parece-me mais eficaz do que cada um caminhar os próprios passos. Coach é um companheiro de viagem, mas não é a viagem em si.
Também recebi a procura de clientes antigos que não estavam no “grupo dos clientes com final assertivo” e que estavam voltando, pois tinham ficado tão decepcionados consigo mesmos que, naquele momento, estavam dispostos a “tentar" novamente. Todos estes relatos me motivaram a fazer um profundo olhar sobre o ser humano, seus desejos, suas jornadas e onde verdadeiramente o processo de coaching pode atuar.
Aqui do meu lugar, ainda como um coach, convido você a não delegar sua felicidade para nenhum profissional. Não acredite na fórmula mágica. E não caia na ilusão de que os coaches são pessoas de alta performance todos os dias. Aliás, há dias em que dá uma preguiça de ir para o escritório atender! Ops, não poderia dizer isto publicamente. Coaches não sentem preguiça. Há dias em que dá um medo que o cliente não esteja gostando! Ops, não poderia dizer isto também. Coaches não sentem medo. Há dias em que eu não faço a menor ideia do que posso dizer a um cliente! Ops, não poderia dizer isto novamente. Coaches sabem tudo.
Não me iluda!
No meu ponto de vista, o que realmente um bom coach pode lhe prometer? Ferramentas para ampliação de consciência e elaboração de um plano de ação, foco no presente e olhar no futuro, vontade de ver o coachee (nome pelo qual o cliente é chamado) dando seus próprios passos rumo àquilo que deseja, uma boa habilidade de escuta e observação e uma grande capacidade de fazer perguntas que oriente o enfrentamento dos próprios medos e das dúvidas. E as demais promessas? Bem, assim como as promessas que descrevi acima, cabe a você acreditar ou não.
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Este é o primeiro capítulo do livro “Não Me Iluda!”, lançado em 2017 pela Integrare Editora. Ele pode ser encontrado nas principais livrarias do país
1. Saraiva
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