sexta-feira, 15 de dezembro de 2017



15 DE DEZEMBRO DE 2017

DAVID COIMBRA

Mulheres de burca

Tem algo que me incomoda aqui, neste dente da Península Arábica. É a maneira como as mulheres são tratadas. Não que tenha testemunhado qualquer agressão ou ofensa a uma mulher, nada disso. Os árabes são muito educados e discretos. É que elas vivem em um mundo distinto e claramente inferior. Essa é uma civilização de valores masculinos. É como se, em toda parte, estivéssemos no quartel.

Isso produz uma sensação estranha. Porque, quando você discrimina um grupo, você se discrimina também. Você se põe à parte daquele grupo. É como o chefe tentando se integrar com os subalternos. Todo mundo ri das piadas dele, todo mundo tenta agradar-lhe, mas ele desconfia que, quando não está por perto, é alvo das piadas do departamento.

E ele está certo.

Há quem argumente que as mulheres islâmicas não se importam com isso. É o relativismo cultural - estou olhando para a cultura muçulmana com um olhar ocidental, donde o meu estranhamento. Talvez, não sei, precisaria conhecer mais profundamente mulheres muçulmanas para ter certeza do que penso a respeito delas, mas essa situação me lembra, um pouco, o discurso da servidão voluntária de Éttienne de la Boétie.

A submissão é mais cômoda do que a liberdade. Dá bem menos trabalho.

Há que se ressaltar, também, que os Emirados Árabes são bastante liberais, em relação a outros países da Península. Uma mulher ocidental pode andar por qualquer lugar, vestida da forma que bem entender, que não será reprimida. Mas, para as locais, há assentos diferentes nos ônibus, acessos diferentes em certos espaços públicos e até salas de orações diferentes. Além, é claro, da obrigatoriedade de usar aquelas roupas.

Nem tudo é burca, bem sei. A burca, na verdade, é aquela que cobre o rosto e deixa apenas os olhos expostos. Tem ainda o chador, o hijab etc. Mas vou generalizar e chamar todos aqueles vestidos de burca, para você entender melhor. Ocorre que há muitos tipos de burca, mesmo que sejam todas pretas. E, incrível!, já estou reconhecendo as variações.

Você não vai acreditar, mas é possível distinguir uma mulher rica de uma pobre pela burca que usa, por Alá. Outra: muitas dessas mulheres, podendo expor tão somente minúsculos pedaços do corpo, conseguem ser lindas e até sensuais. Rosto bem maquiado, mãos tatuadas e sapatos de salto alto bastam para que chamem a atenção de quem as vê.

No dia do jogo contra o Pachuca, eu e o Peninha caminhávamos por uma rua de Al Ain e uma mulher de burca surgiu a uns 10 metros de distância. Era uma burca feita de um tecido leve. Seda, talvez. Sei lá. Sei que permitia que víssemos os contornos do seu corpo e ela era magra e longilínea. Calçava sandálias prateadas de salto alto. Caminhava com graça.

- Olha lá, Peninha - mostrei.

Ele olhou. E então um pé de vento veio do golfo pérsico e soprou o vestido negro que ela usava e ela se virou para nós e, talvez para proteger os lábios da poeira, talvez por pudor, puxou o lenço que trazia enrolado no pescoço e cobriu delicadamente a face.

- Oh... - gemeu o Peninha.

- Oh... - concordei. Os ardis de toda mulher.

DAVID COIMBRA

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