06
de novembro de 2013 | N° 17606
MARTHA
MEDEIROS
Inspecionados
Aqueles
que viajam de avião com alguma frequência já se acostumaram com a situação
humilhante de ter que tirar cintos e sapatos antes do embarque a fim de passar
pelo detector de metais sem provocar desconfianças. Pior ainda que despir-se de
alguns pertences é ter que ficar de pernas e braços abertos no meio do saguão,
diante de estranhos, para que algum agente rastreie nosso corpo a fim de
retirar as dúvidas que ficaram.
A
mesma humilhação acontece nas portas giratórias de bancos, onde temos que abrir
nossas bolsas a fim de provar que não carregamos nada além de carteiras, pentes
e batons, e dá-lhe o vai e volta atrás da faixa até ter a entrada autorizada. Melhorou
a segurança dos bancos? É bem verdade que não há mais saques à mão armada
direto com o gerente. Agora, os marginais mandam aos ares os caixas eletrônicos,
simples assim.
Mesmo
sabendo que existe um motivo justificado para tratar a todos como suspeitos, é desconfortável
passar por essas inspeções. Quando alguém desconfia de nós, automaticamente nos
sentimos como se fôssemos mesmo criaturas do mal.
A
condição de investigado estimula em nós uma autocrítica delirante e nos faz
encontrar razões para sentirmos alívio toda vez que “escapamos”. Percebo isso
quando, no aeroporto, aguardo minha bagagem de mão passar pelo pequeno túnel do
raio X. Por trás da franja de couro negro, vislumbro a bandeja que finalmente
vem ao meu encontro, que bênção.
Porém,
de repente, a esteira dá marcha a ré e o material retorna para dentro da cabine
escura, alguma imagem não ficou bem nítida. Será que descobriram uma arma
enrolada no cashmere? Segundos de alta tensão, começo a suar frio, fico
preparando em silêncio o que direi em minha defesa, e então lá vem a bandeja de
novo, aleluia. Agora é só recolher o que é meu e encontrar logo o portão de
embarque antes que percebam o perigo de eu estar zanzando livremente entre a
multidão.
O ofício
de escrever também estimula investigações minuciosas. Elaboramos a narrativa de
forma a garantir que as palavras traduzam nossos pensamentos com clareza, que
estabeleçam uma conexão verdadeira com quem nos lê, mas há sempre um leitor que
desconfia de que estamos escondendo alguma ideia proibida, que há no texto um
sentido oculto, que estamos traficando um recado para algum destinatário, que há
uma confissão enrolada no cashmere. O escritor é sempre um suspeito nato.
E
assim vamos vivendo em constante estado de defesa, como se fôssemos culpados
simplesmente por aparentar inocência. Fato é: ninguém acredita mais em aparência
e tampouco que ainda haja inocentes. Assim sendo, todos nós somos autopsiados
em vida por gente atrás de provas de que não viemos ao mundo a passeio.
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