OPINIÃO
Rajada de tiros no pé
Tem sido desastrosa, para o país e para o próprio governo, a sequência de entrevistas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrando-se hesitante quanto à responsabilidade fiscal e repetitivo nos ataques ao Banco Central (BC), personificados no chefe da autarquia, Roberto Campos Neto. É uma rajada de tiros no pé. Fica difícil entender a razão da reiteração de Lula, uma vez que o resultado visível é um impulso ainda maior na alta do dólar, junto à piora das expectativas econômicas. As consequências são o oposto do que o presidente diz querer. Ganham apenas os especuladores e os rentistas, que o governo costuma condenar.
Ao continuar a ser evasivo sobre revisão de despesas, após a constatação de que o ajuste das contas públicas apenas via elevação das receitas se esgotou, Lula intensifica a desconfiança quanto ao cumprimento do novo arcabouço fiscal. Isso significa, à frente, inflação maior, juro mantido em patamar alto e desaceleração da atividade econômica. É um cenário ruim para o Brasil e para os brasileiros e, ao fim, para a popularidade do governo.
O presidente da República também deveria perceber que, ao tratar a interrupção do ciclo de corte da Selic como uma maquinação pessoal de Campos Neto, pretensamente motivada por razões políticas e ideológicas, acaba minando a credibilidade do futuro presidente do BC - que o próprio Lula indicará - na condução da política monetária. Ao agir dessa forma, fortalece o temor de que escolherá alguém influenciável pelas pressões do Planalto. No limite, isso significa ser permissivo com a inflação e disposto a baixar o juro à força, situação que ajudou a produzir a recessão de 2015 e 2016.
O ambiente externo não é favorável, em especial devido às dúvidas sobre o corte de juro nos Estados Unidos. Ocorre que, se a sinalização interna contribui para azedar ainda mais o humor, há logicamente uma maior aversão ao risco. É natural que os investidores, percebendo a possibilidade de repetição de erros de um passado recente, montem posições em ativos que se valorizam com a piora dos fundamentos do país. Mostra-se contraproducente tentar manter uma queda de braço com o mercado. O resultado tem sido uma deterioração significativa da moeda brasileira, fator de pressão inflacionária.
O real é uma das divisas que mais perderam valor ante o dólar no ano e a bolsa brasileira está entre as com o pior desempenho no mundo. O aumento das expectativas de inflação diminui a possibilidade de retomada do ciclo de corte da Selic. Desta forma, o próprio governo cria incertezas com o potencial de afetar o crescimento da economia, que até aqui apresenta desempenho positivo, inclusive com números fortes no mercado de trabalho.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá hoje uma reunião com Lula e apresentará opções para o cumprimento do arcabouço fiscal neste ano, no próximo e em 2026. À mesa, estarão alternativas para a revisão de gastos. O melhor para o país seria o presidente deixar de negar o óbvio e estancar a verborragia.
Opinião do leitor
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