sexta-feira, 31 de maio de 2019


Antônio Hohlfeldt Teatro - Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/teatro/2019/05/686156-por-que-o-premio-camoes-foi-para-chico-buarque.html)
Edição impressa de 31/05/2019. 
Alterada em 30/05 às 22h54min 

Por que o Prêmio Camões foi para Chico Buarque 

A convite do Ministério da Cidadania, tive a oportunidade de participar, há duas semanas, do júri do Prêmio Camões que, anualmente, premia um escritor de expressão portuguesa de Portugal, Brasil ou dos países de expressão portuguesa de África e/ou Ásia. Por um acordo tácito, este ano era dedicado a um autor brasileiro. O escolhido, como o leitor mais bem informado já sabe, foi Chico Buarque de Hollanda. Por que Chico? Por que um músico? Por que um homem de esquerda num governo conservador? 

Quanto à última pergunta, nada a dizer além do fato de que, ao ser escolhido, ninguém me disse como votar, até porque, em caso contrário, eu declinaria do convite. É bom lembrar que o prêmio é dado pelos Estados português e brasileiro, que rateiam a quantia de cem mil euros, e pelas demais nações de expressão portuguesa de África e de Ásia que, porém, não possuem o ônus deste pagamento, por motivos óbvios. 

O governo, bem se sabe, é uma realidade transitória, ao contrário do Estado. Algumas outras questões básicas: o prêmio destaca um escritor pelo conjunto de sua obra, ou seja, não se espera a premiação a um jovem. Mais que isso, ao envolver países diversos, deve-se levar em conta a possibilidade de circulação e de reconhecimento deste escritor entre todos os que promovem o prêmio. 

Por fim, no caso específico, países como Brasil, Portugal ou jovens nações africanas, em que a aquisição e/ou leitura de um livro não é hábito cotidiano, a música pode servir como excelente veículo de difusão da poesia, por exemplo. Isto já foi destacado, há muitos anos, pelo professor e crítico (e poeta, excelente, diga-se de passagem) Affonso Romano de SantAnna, no livro Poesia sobre poesia, provavelmente de maneira pioneira, ao mostrar a importância da música popular brasileira na difusão da poesia. 

Este foi um aspecto importante que eu, em especial, destaquei quanto à contribuição de Chico Buarque para a literatura brasileira. Tire-se a composição musical do verso de Chico, ainda fica a poesia. Leia-se Construção, por exemplo, composição rimada em proparoxítonas!!! Mas Chico escreveu poesia (em música), textos dramáticos (para os quais também escreveu as trilhas sonoras) e romances. 

Não gosto tanto dos romances, mas quero aqui dar atenção à sua dramaturgia. Desde o fato de, jovem estudante universitário, ter feito a trilha sonora de Morte e vida Severina, a partir dos versos de João Cabral, sua proximidade com o teatrão só aumentou. Roda viva foi o seu texto de estreia, em 1965. Saiu em livro em 1968 (editora Sabiá). Provocou espancamentos de seu elenco, inclusive em Porto Alegre, mas sobreviveu. 

É um texto ingênuo sobre a máquina triturante do show business sobre um jovem cantor (profético?), mas significativo. Calabar foi proibido um dia antes da estreia. Levou à falência do produtor Fernando Torres, marido da atriz Fernanda Montenegro. Discutia a falsa posição de se considerar Calabar como traidor. Tinha a colaboração do moçambicano Ruy Guerra. Depois, veio Gota dágua, com a colaboração de Paulo Pontes. Bibi Ferreira estreou o trabalho, atualizando a tragédia de Medeia, transportada para uma favela carioca. 

O clássico grego se tornava popular e abrasileirado. Sobrevive até hoje, envolvendo a sobrevivência de um compositor de samba popular. Ópera do malandro (1978) atualizava o John Gay de 1728 que havia inspirado o Bertolt Brecht de 1928 (duzentos anos mais 50 anos, tudo números redondos). 

De novo o abrasileiramento natural, que redunda numa profunda tradução do espírito brasileiro. Com Naum Alves de Souza, Buarque assinou Suburbano coração, a história de uma empregada doméstica que, por meio do rádio, conhece um caminhoneiro. 

Quer coisa mais brasileira que isso? Nós, do júri, consideramos que o prêmio Camões deve destacar quem é capaz de recriar a língua e redimensionar a cultura. Alguém tem dúvida que Chico Buarque fez exatamente isso e mereceu o prêmio? - 

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/teatro/2019/05/686156-por-que-o-premio-camoes-foi-para-chico-buarque.html)


Marco A. Birnfeld 
Espaço Vital - Edição impressa de 31/05/2019. - Alterada em 31/05 às 03h00min 

Algo de podre ou algo normal? 

Numa paródia daquela famosa frase de Hamlet afirmando que "há algo podre no reino da Dinamarca", conta-se em meios forenses que "também há algo de errado no reino da OAB". 

Um exemplo negativo: um advogado condenado criminalmente, neste mês de maio, pelo Tribunal de Justiça (TJ-RS) escapou ileso no julgamento feito por seus pares. Denunciado por corrupção ativa e lavagem de dinheiro, o profissional da advocacia teve também desencadeado contra si, em 2012, processo ético-disciplinar para apurar a sua responsabilidade pessoal e profissional. Pilhas e gavetas após, e seis anos e um mês depois, o TED da OAB reconheceu a prescrição da possibilidade da punição ética desse advogado. O que houve no caminho? É normal isso? (Proc. nº 306794/2012). 

O cidadão Claudio Lamachia Logo após o final de seu mandato presidencial no Conselho Federal da OAB, o gaúcho Claudio Lamachia deu, nos primeiros dias de 2019, exemplos do necessário exercício da cidadania. Desconsiderado pela Latam e pela Gol em dois momentos diferentes em 2018 (o primeiro em 22 de novembro; o segundo em 21 de dezembro) o notório advogado acionou-as judicialmente, pedindo iguais reparações financeiras (R$ 8 mil). Mas ganhou menos do que a metade - exatos 48,75%. 

Com a Latam, Lamachia fez acordo: aceitou receber R$ 3,8 mil. A empresa ainda pediu uma tolerância de 25 dias úteis para o pagamento. Contra a Gol, ele obteve sentença de procedência: R$ 4 mil - mas ainda não há trânsito em julgado. (Procs. nºs 001/1.19.0004305-0 e 001/1.19.0010896-9). Ineditismo condominial O morador que estiver com as mensalidades do condomínio em atraso não pode ser impedido de usar as áreas comuns do prédio, como piscina, churrasqueiras, brinquedoteca, salão de festas, ou elevadores. 

O caso julgado na terça-feira (28/5) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é oriundo de São Paulo e envolve uma inadimplência de R$ 290 mil e as dificuldades da condômina: seu cônjuge foi vítima de latrocínio. Ao dar provimento ao recurso de uma proprietária de apartamento que estava impedida de usar as áreas comuns do condomínio, a 4ª Turma considerou inválida a regra do regulamento interno que impedia o uso das áreas comuns. 

O acórdão ainda não está disponível, mas o ministro Luis Felipe Salomão destacou o ineditismo da questão. E aplicou a regra do parágrafo 1º do artigo 1.336 do Código Civil de 2002: "Ele é claro quanto às penalidades a que está sujeito o condômino inadimplente, e entre elas não está a proibição de utilização das áreas comuns". (REsp nº 1699022). 

Os cidadãos Alberto e Gabriela O advogado Alberto Praetzel Nunes e a médica Gabriela Scholler Trindade, ambos porto-alegrenses e namorados, pretendiam passar o aniversário dela em Florianópolis, em 22 de fevereiro passado. Uma não solucionada pane numa aeronave da Azul determinou o cancelamento do voo. 

O ricochete foi pior, sujeitando o jovem casal a uma viagem por via rodoviária à capital catarinense. O que era para ser um voo de 45 minutos transformou-se num percurso, em terra firme, de sete horas, madrugada a dentro. A Azul ficou revel. A indenização a cada um dos desconsiderados passageiros será de R$ 3,5 mil. Ainda não há trânsito em julgado. A empresa recorre para pagar menos. Os passageiros buscam majoração. (Proc. nº 9010469-26.2019.8.21.0001). 

Chás de bancos etc. 

As reclamações de passageiros das empresas aéreas, registradas em todo o ano de 2018, foram 78,64% maior que as queixas de 2017. Segundo o boletim de monitoramento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em 12 meses a plataforma Consumidor.gov.br contabilizou 2.844 reclamações relacionadas a "atrasos, cancelamentos e falta de assistência". Em 2017 tinham sido 1.194. Ou seja: o serviço piorou. Conforme o portal Reclame Aqui, a mais reclamada em 2018 foi a agora finada Avianca, com o ruim índice de apenas 64% das reclamações "resolvidas" ou "conciliadas". Para os lesados restam as opções de "deixar como está", assumindo o prejuízo, e/ou absorvendo os incômodos. Ou - o que poucos fazem - buscando indenizações judiciais, nas quais costumam passar por uma canseira processual preparada por escolados advogados das argentárias empresas. 

A cidadã Juliana Paes A artista Juliana Couto Paes, 40 anos de idade, e seus três filhos menores serão indenizados em R$ 24 mil pela Delta Airlines. A atriz e as crianças entraram com ação indenizatória, no Foro Regional da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, depois de terem ficado por 10 horas, sem assistência, no aeroporto de Atlanta (Geórgia, EUA), à espera de um voo de retorno para o Rio. O valor foi estabelecido em acordo. E - detalhe argentário - a empresa estadunidense pagará em duas parcelas. (Proc. nº 0033896-57.2018.8.19.0209). 

A propósito 

Na conjunção das ações contra as empresas aéreas, a "rádio-corredor" da OAB propaga num conceito em três frases: "Depois que as companhias aéreas se deram conta de que somente elas é que têm aviões, passaram a ditar as regras, a primeira das quais é ganhar tempo em Juízo. A Anac faz de conta que nada tem a ver com isso. E a estagiariocracia do Judiciário chancela". 

A "rádio-corredor" tem toda a razão. 

As terríveis campeãs 

Mas as aéreas não estão no topo das odiadas. Segundo o Proteste, no ranking nacional das empresas mais reclamadas, o destaque negativo fica com as telefônicas, as televisivas, os bancos (claro...) e uma distribuidora de energia elétrica. Pela ordem nacional de má prestação de serviços: Oi, Vivo, Claro, Sky e Net. Na sequência, Banco Itaú, Banco Santander, Banco Bradesco, Tim e Light Rio de Janeiro. 

Juros de 900% ao ano 

A 22ª Câmara do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo condenou a Crefisa a reduzir a taxa de juros contratada em dois empréstimos, que ultrapassaram 900% ao ano. O percentual será reduzido à "taxa média cobrada por instituições financeiras no período do contrato". 

O colegiado viu, na cobrança extorsiva, "indícios de dano social". Os dois julgados lembraram que o artigo 39, IV, do Código do Consumidor, define como prática abusiva "prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços". Que maldade! (Procs. nºs 1001983-72.2018.8.26.0103 e 1001974-13.2018.8.26.0103). 

Ativos do crime 

O Ministério da Justiça, em boa hora, vai fazer vai fazer caixa com o patrimônio da bandidagem. A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas contratou sete leiloeiros para vender 20 mil bens apreendidos de traficantes. Tudo precisa ser liquidado em um ano. Na lista: 33 embarcações, 12 aeronaves, 300 joias, 6.708 veículos, 9.679 eletrônicos, além de uma penca de cabeças de gado e outros itens de menor valor. 

Adiamento salvador 

O Bradesco, o banco credor que faltava, deu na quarta-feira (29/5) o OK e a Construtora Odebrecht conseguiu adiar o vencimento dos juros de sua dívida, previsto para esta sexta-feira. O encrencado grupo teria que desembolsar R$ 800 milhões. O adiamento é uma boa notícia para a Odebrecht. Mas não resolve o terrível buraco financeiro da empresa. - 

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/espaco_vital/2019/05/686733-algo-de-podre-ou-algo-normal.html)


31 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

Agora tenho uma luneta

Comprei uma luneta. É bem pequena, um cilindro de sete dedos de altura. Não que precisasse de uma, mas vi a propaganda em um site de jornal e não resisti. Sou suscetível a publicidade e a conversa de vendedor. Uma fraqueza terrível. É por isso que, quando vou comprar uma roupa, entro na loja e aviso:

- Quero isto e aquilo e quero pagar à vista e em cash e não quero preencher nenhuma ficha e nem mesmo provar coisa alguma!

A ideia é entrar, comprar e sair em cinco minutos, 10 no máximo. Nem sempre consigo, se o vendedor é habilidoso e começa a puxar conversa com aquele seu canto de sereia de promoções imperdíveis e descontos vertiginosos. Então, sabe o que faço? Não faço. Nunca compro roupas. A Marcinha é que compra para mim.

Quanto aos anúncios, fico indefeso, sobretudo se são produtos engenhosos, como a minha lunetinha, que, segundo li, foi feita com tecnologia da Nasa. Uau!

Lembro das facas Ginsu, que apareciam na propaganda cortando sapatos ao meio como se fossem tabletes de manteiga deixados fora da geladeira. Eu via aquilo e pensava: tenho de comprar uma faca Ginsu, para o caso de precisar cortar um sapato. Mas nunca comprei. Preguiça.

Eles também mostravam, na TV, umas meias de mulher tão resistentes que o apresentador do anúncio passava uma faca nelas e nada lhes acontecia. Era como se fosse uma armadura. Praticamente um cinto de castidade. Notável.

Como seria o duelo entre as meias indestrutíveis e as facas Ginsu? Isso nenhum anúncio jamais mostrou.

Quanto à luneta que encomendei, ela faz um objeto que está, digamos, a um quilômetro de distância ficar a palmo e meio do seu nariz. Pelo menos é o que diz o anúncio. Se for verdade, será a glória.

Seria mais feliz se tivesse comprado uma luneta antes. Houve uma época, você sabe muito bem, porque já contei essa história várias vezes, houve uma doce época em que eu tinha uma vizinha pelada. Esse é o sonho de todo homem romântico, e aconteceu comigo: minha vizinha, uma morena jovem e longilínea, graciosa como uma gueparda, gostava de fazer striptease em frente ao espelho, e o fazia com a janela aberta, sempre no mesmo horário. Ela dançava languidamente, enquanto ia tirando a roupa peça por peça, peça por peça, até arrancar a minúscula calcinha num único repelão, TAP!, e quedar-se nua feito a inocência. Eu morava no prédio em frente e assistia ao show do meu quarto. Se tivesse em mãos uma lunetinha, poderia ver até as rugas do joelho dela. Mas não tinha luneta e, assim, fiquei sem rugas de joelho, uma lástima.

Não serei hipócrita, não vou mentir: quero a minha luneta para espionar a vizinhança. Não que espere ver algo extraordinário, como viram o galã James Stewart e a mulher mais meiga da história da humanidade, Grace Kelly, em Janela Indiscreta.

Não.

O que quero é exatamente o contrário. Quero ver a rotina de cada dia, quero ver o que as pessoas estão comendo no jantar, a que programa elas estão assistindo no horário do Jornal Nacional, se jogam paciência no computador, se assistem a filmes antigos deitadas no sofá, se recebem os amigos para um convescote no fim de semana, quem sabe até o título do livro que estão lendo.

Você talvez ache que não passo de um bisbilhoteiro vulgar. E talvez você tenha razão. Mas, em minha defesa, garanto que não quero fofocar nem nada, quero apenas ver a vida acontecendo atrás das paredes, porque ela, a vida, me inspira e interessa. É isso: tanto quanto viver, ver a vida acontecer é, também, uma suave alegria.

DAVID COIMBRA

31 DE MAIO DE 2019
RBS BRASÍLIA

Cadê a confiança?


Por inexperiência ou falta de habilidade, o presidente Jair Bolsonaro flertou com o perigo nos primeiros meses deste ano, alimentando o clima de instabilidade política e a insegurança dos investidores. Dentro do próprio Ministério da Economia, técnicos reconhecem que as pequenas crises promovidas no coração do Palácio do Planalto contribuíram para a estagnação, e o resultado do PIB só reforça essa conclusão. 

De janeiro até agora, dois ministros caíram, militares foram atacados pela ala olavista e o próprio presidente falou em tsunami às vésperas da quebra de sigilo fiscal do filho, o senador Flávio Bolsonaro. As confusões foram tantas, que a oposição - já desmoralizada pelos escândalos do passado - ficou sem papel. Alertado por conselheiros, Bolsonaro reconhece que o melhor é serenar os ânimos e segurar o gosto pelo confronto. A reforma da Previdência é fundamental para destravar o ânimo dos investidores, mas tudo começa pela confiança, pela estabilidade política.

PONTE DO GUAÍBA

Surpreendido pela reportagem que revelou erro no projeto da nova ponte do Guaíba, o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) afirmou à coluna que não haverá aumento de custo da obra e não vê necessidade de refazer o trecho:

- Não há risco de bloqueio, de alagamento ou comprometimento - disse o ministro, lembrando que o projeto foi aprovado pelo Dnit e pela Marinha.

SAÚDE NA JUSTIÇA

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, virou alvo de uma ação inédita. O governo do Piauí entrou na Justiça contra ele em razão da falta de medicamentos na rede pública sob a responsabilidade da União. Maranhão, Sergipe e Pará, por exemplo, entraram com ações contra o ministério. Vale lembrar que os Estados sempre reclamaram da judicialização da saúde.

PRATO PRINCIPAL

O governador Eduardo Leite aproveitará a passagem por Brasília, hoje, para reunião do PSDB e para um almoço com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na pauta, a medida provisória do saneamento e a garantia de que a reforma da Previdência tenha efeitos nos Estados.

Colaborou Silvana Pires - CAROLINA BAHIA

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Um dia você irá entender que voltar para casa e jantar com sua família é uma das melhores coisas da vida

Estamos sempre procurando por algo. Algo melhor, perfeito, maior ou mais luxuoso. O melhor trabalho, roupas da moda, uma casa maior ou um carro melhor. No entanto, a coisa mais preciosa nós já temos. Bem ali, em volta daquela mesa durante o jantar: nossa família.

Planejamos nossos dias tendo em vista o "melhor momento"... A melhor época para ir ao parque, para chamar aquele amigo que não vemos há muito tempo, para cuidar de nós mesmos...

Configuramos nossas vidas em busca de coisas materiais e deixamos tudo para depois, porque ainda não é o momento perfeito, sem saber que o tesouro é o tempo que temos hoje disponível.





image: Phil Whitehouse/Flickr

Porque chegará um momento em que perceberemos que esse tempo já passou, saindo do controle, deixando-nos envolvidos em um desperdício de energia... E para que?

Haverá um dia em que a casa estará toda em ordem, tudo estará no seu lugar. Cada coisa... Mas nem tudo. Não nós, não eles.

O silêncio será ensurdecedor e voltaremos aos jantares, à confusão daqueles momentos, às migalhas de biscoito no chão, ao riso ou às lágrimas por não comer verduras. E tudo isso, ao qual não damos importância hoje, será perdido amanhã.

Aquela mesa posta em torno da qual nos sentamos distraídos, aqueles jantares que não são elegantes, que não incluem "bons pratos", aqueles que às vezes fazemos de pijama. Sim, eles são os que vamos sentir falta.

É claro que não estaremos cansados como agora e teremos outras satisfações provavelmente... Mas essa mesa não será mais a mesma, esses jantares não voltarão. Naquele dia, vamos entender que jantar com a nossa família já significava ter tudo na vida.

Porque aqueles jantares eram ricos, não de comida ou de renda, simplesmente ricos de nós, de nossos filhos, de nossos queridos amigos, dos avós aos domingos, dos tios ou irmãos distantes. Porque quem tem um jantar em família já tem tudo... Todo dia é único, cada café da manhã de pijama e cada jantar, mesmo que seja feito de sobras, é um momento especial.

Porque eles são todos momentos que não vão voltar, que você não sabe quanto tempo eles vão durar... Eles são todos um tempo precioso. Que valem a pena serem vividas.

"Mesmo que você não esteja mais entre nós, os seus netos saberão quem você era", carta de uma filha para a mãe que foi para o céu


No modelo de família ideal, os pais devem viver o tempo necessário para ver seus netos nascerem e crescerem, embora as coisas nem sempre sejam assim. Às vezes as pessoas morrem cedo demais e não desfrutam da imensa alegria de ver seus filhos começarem um novo ciclo de vida, tornando-se pais e mães. Esta carta foi escrita por uma mulher, para a avó que seus filhos não tiveram tempo de conhecer.



image: Fabrizio Morando/Flickr
"Eu sinto sua falta mãe, eu queria que você estivesse aqui, mas mesmo que meus filhos nunca tenham te conhecido eu prometo que eles vão te conhecer, porque você ainda é a avó deles. Você teria adorado vê-los assim que nascessem, para dar um banho e segurá-los pela mão enquanto caminhavam no parque. Eu teria incomodado você com telefonemas mesmo no meio da noite sem saber o que fazer com a febre ou quando eles não parassem de chorar. Os seus netos teriam inventado apelidos engraçados para você quando começassem a conversar, fazendo você rir com vontade.

Você teria preparado pratos e sobremesas deliciosas para eles, e todos nós estaríamos juntos durante as férias. São tantas as coisas que eu gostaria de ter feito com você, sempre quando imagino minha família completa e feliz, com você junto com a gente. Mas eu farei o meu melhor para ter você de qualquer maneira e deixar meus filhos saberem tudo sobre você. Eu quero que eles saibam que a avó deles era uma mulher extraordinária, a pessoa que me ensinou o que eu sei, que me criou e fez com que eu me tornasse quem eles conhecem, a mãe deles. Quero compartilhar com meus filhos todas as lembranças que tenho de você para que também se tornem deles.


image: damialdetafuentes/Pixabay
Para seus netos, você não será apenas uma foto em um quadro, você terá uma voz, um perfume, eles saberão qual o som que seu riso teve e a verdadeira cor de seus olhos à luz do sol. Eles vão sentir o seu abraço no meu, eu vou criá-los com os mesmos valores que você me deu, e eu vou mostrar a eles a estrela que você é agora para que eles possam conversar com você todas as noites e saber onde seu anjo da guarda vive.

Você ainda está aqui, nunca foi embora, vejo você nos traços de meus filhos, em seus gestos e em seu caráter. Sinto muito a falta de uma mãe em um momento tão especial da minha vida, mas não sinto ressentimento ou tristeza, sei que você nos vê e cuida de nós. Você me visita em sonhos, mesmo que por pouco tempo, mas antes de ir, você vai e faz um carinho nos seus netos, então, no final, nunca seremos realmente separados.

Com amor, sua filha"

O coração de uma mãe nunca se apaga, ele passa de mãe para filha, de modo que os ensinamentos de vida serão sempre transmitidos.
Por que as mães confundem os nomes dos filhos? Existe uma resposta... e é linda!

Quando temos crianças em casa, muitas vezes pode acontecer de chamar uma com o nome do irmão, despertando assim o riso e tornando-se o objeto de brincadeiras. Esses pequenos erros, no entanto, não são preocupantes, não são sintomas de problemas de memória ou consequências da fadiga, são "erros de sistema" normais que o cérebro comete. Isto é afirmado por um estudo coordenado por David Rubin, um neurocientista da Duke University.



A mente humana funciona um pouco como um computador e armazena os nomes de todos aqueles que fazem parte de suas vidas, colocando informações em categorias e grupos sociais. Então, descrevendo os dados como se estivessem em um disco rígido no cérebro, existem pastas chamadas "entes queridos", "irmãos", "amigos", "conhecidos" e assim por diante.

Quando ele tenta lembrar o nome de uma dessas pessoas, pode haver um pequeno "erro" cognitivo, porque naquele momento esse indivíduo é confundido com outro que foi incluído no mesmo grupo. A razão é que, ao contrário de uma máquina, o cérebro humano também inclui um componente emocional.

Em resumo, confundir um nome com outro, quando eles pertencem a pessoas do mesmo grupo social, é apenas devido ao fato de que todos nós os percebemos com o mesmo valor e carinho. Para um pai misturar os nomes de vários filhos significa que não há diferença entre eles e que ele os ama da mesma maneira.

Um aspecto curioso e interessante foi que, em uma amostra de mais de 1700 sujeitos da pesquisa, 42% deles confundiram o nome de um parente com o do animal doméstico. Isso mostra como os amigos de quatro patas são vistos exatamente como membros da família de pleno direito.





30 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

O estupro na avenida

Vi o vídeo do homem que abusa de uma mulher desacordada em uma avenida de Porto Alegre. É chocante por vários motivos, mas há, ali, um ingrediente que me entristece mais do que todos os outros.

Se você não viu o vídeo, e espero que não tenha visto, porque é deprimente e rebaixa a condição humana, se você não viu, conto o que aconteceu: o carro está atravessado na avenida, na madrugada chuvosa. Um homem se aproxima, filmando com o celular e narrando o que vê. Dentro do carro, o motorista dorme profundamente ao volante. No banco do carona está uma mulher nua, também inconsciente. O sujeito que filma a cena mete o braço pela janela do carro e manipula a mulher, e ri-se dela. Embora não apareça, fica claro que ele se masturbou e ejaculou no peito da moça. Um amigo dele vem, abre a porta de trás do carro e diz que vai tirar de lá uma cerveja.

Basicamente, é isso.

Há muitos crimes cometidos nesse caso. Estupro, omissão de socorro e roubo, pelo menos. Mas há algo além: é a motivação dos dois homens que registraram a cena e a espalharam por WhatsApp.

Por que eles fizeram aquilo?

Por que a mulher sofreu abuso?

Não havia nada de sensual nela. Estava nua, é certo, mas não era algo bonito de se ver. Talvez em outra circunstância, acordada e composta, ela seja atraente, mas, naquela situação, tratava-se apenas do corpo de um ser humano fora de si. Podia ser um cadáver. E, quando o homem a toca, não o faz como se sentisse desejo. Não é com volúpia. Ele não está sentindo prazer. Parece que quer apenas mostrar, a quem assistirá ao vídeo, que ele fez porque pode fazer. Quer dizer: ele está deixando claro que "se aproveitou" da situação de vulnerabilidade do casal. Ele "levou vantagem". Ele "ganhou".

Isso é que é terrível.

Nas estradas brasileiras, às vezes, ocorre algo de mesma natureza: um caminhão bate com outro, ou tomba, e a carga se espalha pelo chão. Então, pessoas que moram na vizinhança atacam o caminhão como se fossem cães. Eles pilham a carga rapidamente e, não raro, tiram até o relógio e a carteira do motorista ferido, agonizante ou morto.

Como o homem que abusou da mulher desmaiada na avenida de Porto Alegre, eles não pensam em ajudar, eles não demonstram nenhuma solidariedade ou empatia: eles só querem "se aproveitar", "levar vantagem", "ganhar".

É a tragédia contemporânea brasileira. Isso não se dá por falta de dinheiro nem por falta de educação. Isso se dá porque é a cultura do Brasil. O outro, para o brasileiro, não é visto como alguém com quem se compartilha a vida em sociedade; o outro é visto como alguém de quem se pode tirar algo. Desenvolveu-se, no Brasil, a ideia de que o sistema é injusto e de que o indivíduo, por esperteza ou por oportunismo, tem o "direito" de corrigir essa injustiça. Isso começa nos pátios das casas de beira de estrada e segue reto para Brasília.

O homem que abusou da mulher que dormia filmou sua ação para mostrar como ele é ladino, como ele é superior em sua malandragem tipicamente brasileira. Tristemente brasileira. Triste, triste Brasil.

DAVID COIMBRA


30 DE MAIO DE 2019
O PRAZER DAS PALAVRAS

Tchê

VERSÕES POPULARES para a origem das palavras, embora falsas, são muito mais interessantes do que a história verdadeira

Aos poucos, sem aviso, uma nuvem sinistra e invisível acabou tomando conta do debate político e científico desta década: a força persuasiva dos fatos virou pó de traque diante do apelo à emoção e às crenças pessoais. Para uma assustadora maioria, a opinião vale muito mais que as evidências - seja sobre o efeito das vacinas, a forma do globo terrestre ou o número de participantes desta ou daquela manifestação. Nas redes sociais, então, corre solto o princípio nada cartesiano do "Acredito, logo tenho razão" - e danem-se os pesquisadores, os cientistas, os especialistas, com seus trabalhos inúteis e dispendiosos...

Essa atitude, porém, não é novidade no mundo das palavras, que sempre se prestou às interpretações mais estapafúrdias - um bom exemplo são as Etimologias de Isidoro de Sevilha, do século VII da Era Cristã, que contêm tantos "achados" mirabolantes que, não fosse ele um homem santo, nos levariam a dizer que estava sob a influência de alguma substância de venda controlada ou proibida.

Felizmente Agustina M., gaúcha radicada em Rivera, no Uruguai, ainda cultiva o saudável hábito da dúvida. Segundo ela, em sua rede de Whatsapp está fazendo sucesso uma explicação para o vocábulo che que lhe pareceu tão suspeita que resolveu enviar o texto para esta coluna. A explicação é fantástica! O che do Espanhol, que veio dar nosso tchê, teria vindo do Latim, e de uma forma que ninguém até hoje tinha suspeitado (nem poderia, como veremos, tão absurda que é).

O texto explica que na Espanha, país profundamente católico, eram usuais as saudações de cunho religioso, como "Vá com Deus", "Que Deus o proteja", etc. [Agora cito textualmente, para que os prezados leitores possam avaliar a extensão do delírio]: "Os espanhóis preferiam abreviar algumas dessas interjeições e, ao invés de exclamar "gente do céu", falavam apenas Che! (se lê/tchê/) que era uma abreviatura da palavra caelestis (se lê/tchelestis/) e significa do céu. Eles usavam essa expressão para expressar espanto, admiração, susto. Era talvez uma forma de apelar a Deus na hora do sufoco. Mas também serviam dela para chamar pessoas ou animais".

Finalmente, para fechar no mesmo nível pedestre com que começou, a autora do texto conclui, triunfante: "Portanto, exclamar tchê ao se referir a alguém significa considerá-lo alguém do céu. Que bom seria se todos nos tratássemos assim. Considerando uns aos outros como gente do céu!".

Você tinha razão em desconfiar, Agustina! As sandices aqui saltam como camarões no seco! Primeiro, a Espanha (exceto Valência) nunca usou che. Segundo, se é uma abreviatura, isso significaria que por muito tempo o termo caelestis foi usado integralmente antes de ser reduzido, fato do qual não ficou registro algum. Terceiro, não existe hipótese de um vocábulo do Latim erudito desse tipo transformar-se numa saudação usual sem que o fato atraísse no mínimo a atenção dos eclesiásticos da época, todos eles bons ou razoáveis latinistas. Por fim, se a palavra tivesse vindo para cá na bagagem dos espanhóis, estaria presente na fala de todos os países que eles colonizaram; ora, isso não ocorre, porque só usam che a Bolívia, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai - e nós, do Rio Grande do Sul, por nosso íntimo contato com o Prata.

Embora ainda pairem dúvidas sobre a origem do tchê (ou chê, como registra o Houaiss), a origem europeia do vocábulo já está definitivamente descartada. Todos os estudos modernos admitem que o termo é nativo da América, sendo, portanto, uma contribuição indígena ao nosso léxico; o que ainda se discute é de que grupo linguístico ele teria vindo. Existem alguns estudiosos que apontam o Mapuche, povo nativo do Chile, mas esta ideia vem perdendo força pelo simples, mas importante fato de que o Espanhol falado no Chile não conhece o che. A hipótese mais provável é a de que provenha do Guarani, como defende José Pedro Rona, que ressalta o fato de que os países que usam esta forma coincidem exatamente com a área de abrangência deste grupo indígena.

É claro que, apesar de absurda, a lorota do caelestis vai continuar ganhando corpo na internet, já que, seguindo o espírito da época, as versões populares para a origem das palavras, embora falsas, são muito mais interessantes do que a história verdadeira. Infelizmente elas jamais perderão o seu prestígio, por mais que eu escreva artigos como este, em que assumo o antipático papel de um desmancha-prazeres que teima em substituir hipóteses tão engenhosinhas pela fria e insossa realidade.

CLÁUDIO MORENO


30 DE MAIO DE 2019
RBS BRASÍLIA

A poeira baixou

No Congresso e no quarto andar do Palácio do Planalto, onde ficam os principais conselheiros do presidente Jair Bolsonaro, o comentário é um só: a poeira baixou. Depois de a temperatura chegar a níveis perigosos, com manifestações nas ruas contra e a favor do presidente e até conversas sobre semiparlamentarismo, as principais autoridades de Brasília resolveram que era melhor não arriscar. 

No Planalto, a ordem é neutralizar as falsas polêmicas causadas pela turma do guru Olavo de Carvalho e, no Congresso, votar as pautas prioritárias. Por mais difícil que seja, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pretende colocar a reforma da Previdência em votação antes do recesso parlamentar, que começa em 18 de julho. Está nas mãos do governo começar a fazer os famosos mapas de votação para não ter surpresa em plenário.

ALMA LAVADA

Foi com a alma lavada que os deputados do PP saíram da reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes. O líder da bancada, Arthur Lira (AL), reclamou das críticas ao centrão e lembrou que não é junto ao PT ou ao PSOL que o governo vai conseguir votos para aprovar a reforma. O deputado gaúcho Pedro Westphalen lembrou ao ministro que foi injustamente xingado por aliados do presidente Bolsonaro ao votar para que o Coaf ficasse na Economia, seguindo um acordo liderado pelo próprio governo. Guedes deu razão ao deputado.

SNIPER

Ao sair do Palácio do Planalto rumo ao Congresso a pé, surpreendendo os próprios seguranças, o presidente Bolsonaro puxou para perto o líder do Novo, Marcelo van Hattem (RS), que o acompanhava:

- Fica aqui do meu lado, que 50% do sniper é teu! - disse Bolsonaro, abraçado ao deputado.

TRANSFERÊNCIA

O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) vai ser transferido de Curitiba para o Rio de Janeiro, atendendo ao pedido do advogado Rafael Guedes. À coluna, o gaúcho Aury Lopes Junior, que também atua na defesa, afirmou que a decisão atende ao anseio de Cunha, de meses, de ficar perto da família - o que é direito de todo preso.

Colaborou Silvana Pires - CAROLINA BAHIA

30 DE MAIO DE 2019
ECONOMIA

TÁ NA MESA NÚMERO MIL

Considerado um dos principais pontos de encontro do mundo empresarial do Rio Grande do Sul, o Tá Na Mesa, da Federasul, chegou à milésima edição ontem. E os números não param nos quatro dígitos que marcam o evento, realizado na sede da entidade, em Porto Alegre: foram mais de 250 mil pessoas reunidas nos 25 anos de existência. Para celebrar a data, o tema escolhido foi O Papel da Imprensa na Construção da Sociedade.

Participaram do Tá Na Mesa Marta Gleich (Grupo RBS), Reinaldo Gilli (Grupo Record RS), Carlos Toillier (SBT-RS), Guilherme Kolling (Jornal do Comércio), Sérgio Cóssio (Grupo Bandeirantes), Mário Gusmão (Grupo Sinos) e Paulo Sérgio Pinto (Rede Pampa), que representa a Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert).

O próximo Tá na Mesa ocorrerá no dia 5 de junho, com a presença dos vereadores Mônica Leal, presidente da Câmara de Porto Alegre, Reginaldo Pujol e Valter Nagelstein.

Na pauta, uma discussão ampla sobre o desenvolvimento econômico, político e social de Porto Alegre.




30 DE MAIO DE 2019
L.F.VERISSIMO

A frase


Há frases que sobrevivem aos seus autores - em muitos casos porque são atribuídas a autores errados. Nem o Humphrey Bogart nem a Ingrid Bergman pediram ao pianista Sam que tocasse As Time Goes By outra vez, no Casablanca, o que não impediu que fosse a música mais lembrada do filme. Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, deixou uma penca de frases para a posteridade. Estranhamente, a autenticidade das suas citações está só agora sendo debatida. 

O verdadeiro autor da tirada "sempre que ouço falar em cultura, pego o meu revólver" seria não o magro Goebbels, mas o gordo Hermann Goring, que disputava com Goebbels um lugar no coração do Führer. E agora surge outra revelação: a frase faria parte de uma peça intitulada Schlageter, lançada em Berlim em 1933. Enfim o autor.

Goebbels nunca reivindicou a autoria da frase famosa porque, de certo, achava que merecia todas as glórias de uma boa sacada, mesmo as emprestadas. Também, como intelectual do regime e atento a tudo que desmoronava à sua volta, inclusive o sacrifício dos seus próprios filhos e o seu suicídio no bunker de Hitler, Goebbels deve ter visto seu final como um misto de castigo pelos seus crimes e triunfalismo trágico pela sua fidelidade. Se todas as vezes em que ouvisse falar em cultura tivesse sido mais rápido no gatilho, talvez o delírio nazista tivesse durado mais um pouco, ou menos. Para as crianças no bunker, não faria diferença.

A frase de Goebbels que não era de Goebbels teve várias versões. Groucho Marx: "Sempre que ouço alguém falar em cultura, pego a minha carteira". Possível outra versão da frase do Groucho: "Sempre que ouço falar em cultura, escondo minha carteira". No Brasil do governo Bolsonaro, a escolha cultura/revólver já foi feita.

L.F.VERISSIMO

Receita investiga 8,6 mil contribuintes que declararam ter mais de R$ 100 mil em espécie na Serra

Para o órgão, valores poderiam ser utilizados para esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro

29/05/2019 - 23h05min
Atualizada em 29/05/2019 - 23h19min
MARCELO PASSARELLA


Mais de 8,6 mil contribuintes da Serra Gaúcha que declararam, no Imposto de Renda, possuir mais de R$ 100 mil em espécie são alvos de operação da Receita Federal, deflagrada nesta quarta-feira (29). A operação, chamada Tio Patinhas, fiscalizará ao todo R$ 3,2 bilhões, que poderiam ser utilizados para esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro.  Segundo a Receita, existem indícios que os valores declarados possam ser fictícios.  O objetivo da ação é combater fraudes contra o fisco nos 51 municípios da região

Dos investigados, 91 informaram ter mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo em Caxias do Sul, Bento Gonçalves, São Marcos, Garibaldi, Farroupilha, Carlos Barbosa, Vacaria e Gramado, entre outros municípios. Somente em Caxias, são 33 contribuintes que afirmaram possuir uma quantia acima desse valor.

Em um dos casos, um empresário declarou manter R$ 4 milhões em espécie na declaração do imposto. Em outra situação, a Receita identificou um contribuinte que afirmou ter dívidas de R$ 700 mil, mas declara ter R$ 2 milhões em dinheiro vivo. 

A Receita também apura o uso de um computador para emitir 800 declarações de Imposto de Rende que indicaram somas em espécie de valores acima de R$ 100 mil. Ao todo, somente em Caxias do Sul, R$ 1,1 bilhão serão investigados, o que coloca a cidade na liderança entre os municípios da Serra. Esse valor corresponde a 35% do total de recursos investigados pela Receita na região.

Nesta primeira etapa da operação, as pessoas fiscalizadas são chamadas para comprovar a existência dos recursos ou fazer a retificação do imposto. Caso não validem a existência dos montantes ou realizem a correção da declaração, elas podem ser alvo de multas que variam entre 75% e 225% sobre os valores que não foram declarados. Além disso, serão encaminhadas representações ao Ministério Público (MP), que podem resultar em punições penais.

Segundo o auditor da Receita Federal em Caxias do Sul, Kiyoshi Matsuda, a principal suspeita da Receita está na possibilidade de as declarações terem a intenção de mascarar futuras sonegações e operações ilícitas.

— A principal vantagem que normalmente as pessoas têm quando declaram um valor em espécie e é tentar garantir uma sonegação futura, então elas guardam um "colchão" de valores que não existem pra justificar ganhos de bens com recursos de origem ilícita. Mas mais grave do que isso é a utilização desse dinheiro pra fazer pagamentos (que na verdade não existiram) para “esquentar” dinheiro que veio de uma origem ilegal  — esclarece Matsuda.

Essa é a segunda iniciativa da Operação Tio Patinhas, cuja primeira edição ocorreu em Santa Catarina em 2018. Após a operação ser deflagrada, o dinheiro em espécie declarado no estado caiu pela metade na declaração posterior.

Total de dinheiro em espécie mantido pelos contribuintes 
Estado – R$ 8,8 bilhões
Serra – R$ 3,2 bilhões
Caxias do Sul – R$ 1,1 bilhão  
Bento Gonçalves - R$ 383 milhões  
Flores da Cunha – R$ 177 milhões  
Garibaldi – R$ 151 milhões  
Farroupilha – R$ 174 milhões
Maiores valores declarados em espécie por pessoa (acima de R$ 1 milhão)
Caxias do Sul – R$ 4 milhões  
São Marcos – R$ 3 milhões  
Garibaldi – R$ 2,995 milhões  
Farroupilha – R$ 2,650 milhões  
Paraí - R$ 2,2 milhões 
Carlos Barbosa – R$ 2,25 milhões  
Boa Vista do Sul – R$ 2 milhões  
Bento Gonçalves - 1,786 milhões

quarta-feira, 29 de maio de 2019



29 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

A volta da idade das trevas

É quase impossível ler Spinoza. Por Deus. Só li a Ética porque era jovem quando o fiz. Naquela época, se começava um livro, obrigava-me a terminar. Hoje, se o livro não me agradou nas primeiras, digamos, cem páginas, largo sem arrependimento e nunca mais abro.

Faria isso com Spinoza, embora sua obra seja tão importante. É que o texto é terrivelmente maçante. Spinoza apresenta sua filosofia não em prosa escorreita, mas em forma de teorema, subdividido em proposições, demonstrações, axiomas. A ideia é dar irrefutabilidade matemática ao sistema de pensamento, mas torna-se apenas aborrecido. Às vezes, simplesmente não entendia o que ele queria dizer e tinha de me auxiliar de outros autores que o interpretavam. Lia a interpretação e, fiat lux!, compreendia e me admirava. Porque, no conteúdo, a filosofia de Spinoza é bonita, exalta a harmonia do universo. Hoje, poderia ser caracterizada como holística.

Mesmo assim, em vida ele causou grande polêmica. Spinoza era parte judeu, parte português, parte espanhol, tudo junto e shallow now. Naquele tempo, século 17, os judeus eram perseguidos em quase toda a Europa. Um dos poucos países que os aceitavam era a Holanda, e para lá foram os Spinozas e muitos outros.

Os judeus, assim, sentiam-se em dívida com os tolerantes cristãos holandeses. Por isso, quando houve reclamações dos cristãos acerca das ideias de Spinoza a respeito de Deus e da Bíblia, os judeus primeiro o censuraram. Spinoza deu de ombros. Então, ofereceram-lhe dinheiro para que parasse de divulgar aquelas ideias escandalosas. Ele não aceitou. Aí, in extremis, o excomungaram.

O texto do anátema de Spinoza, escrito em português de Camões, tem a força das maldições bíblicas:

"Com a sentença dos Anjos e dos Santos, com o consentimento do Deus Bendito e de toda esta Congregação, diante destes santos Livros, nós heremizamos, expulsamos, amaldiçoamos e esconjuramos Baruch de Spinoza. Maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito seja quando se deitar e maldito seja quando levantar, maldito seja quando sair e maldito seja quando entrar. E que Adonai apague o seu nome de sob os céus, e que Adonai o afaste, para sua desgraça, de todas as tribos de Israel, com todas as maldições do firmamento escritas no Livro da Lei, advertindo que ninguém lhe pode falar pela boca nem por escrito nem conceder-lhe nenhum favor, nem debaixo do mesmo teto estar com ele, nem a uma distância de menos de quatro côvados, nem ler papel algum escrito por ele".

É sensacionalmente dramático. Não é por acaso que os judeus se mantiveram unidos como povo, em milênios de perseguições, só por causa do Livro.

Expulso da comunidade judaica, Spinoza se refugiou entre amigos cristãos. E nunca publicou a sua Ética. Os amigos o fizeram, depois da sua morte.

Spinoza tinha medo. E devia, mesmo, temer. Um intelectual holandês que era seu contemporâneo, Adriaan Koerbagh, partilhava de suas ideias de que Deus é a natureza e a natureza é Deus. E pagou caro por isso. Adriaan foi processado e seus acusadores pediram a amputação de seu polegar direito, a perfuração de sua língua com um espeto de ferro em brasa, o confisco de todos os seus bens e 30 anos de prisão. O tribunal foi bondoso e só o condenou a pagar uma multa e 10 anos de reclusão. Adriaan morreu na cadeia, amassado pelos trabalhos a que foi forçado.

Tempos de trevas, em que as pessoas eram perseguidas porque pensavam. Quem diria que, quatro séculos depois, viveríamos em uma época de anti-intelectualismo, de exaltação do preconceito, de culto à ignorância? Quem diria que, no terceiro milênio, as pessoas prefeririam as armas aos livros? O mundo gira e gira e nós voltamos sempre para o mesmo lugar.

DAVID COIMBRA

29 DE MAIO DE 2019
OPINIÃO DA RBS

PRIVATIZAÇÃO COM TRANSPARÊNCIA


Desestatizadas, as empresas serão mais eficientes e, ao mesmo tempo, o processo de venda deflagrado facilita a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal
Se a venda de estatais sempre é um tema controverso e muitas vezes cercado de dúvidas, acerta o Palácio Piratini ao elaborar uma cartilha para explicar os detalhes do processo de alienação do Grupo CEEE, da Sulgás e da Companhia Riograndense de Mineração (CRM). É essencial que os deputados e a sociedade gaúcha tenham acesso facilitado a todas as informações que embasam a necessidade de privatização das três empresas e o destino dos recursos.

São companhias públicas que já tiveram importante papel no passado. Cumpriram a missão de levar energia aos gaúchos, incentivar o uso do carvão mineral e, mais recentemente, de iniciar a distribuição de gás natural para indústrias, hospitais, motoristas e consumidores residenciais. Por diferentes razões, já não há justificativa para a sua manutenção como empresas públicas, sobretudo quando acumulam prejuízos, somam altíssimo endividamento - como a CEEE, com passivo de R$ 6,8 bilhões - ou perdem a capacidade de investimento. A Sulgás, por exemplo, é até lucrativa, mas vem pecando na ampliação da oferta de gás para além das regiões Metropolitana e Serra, a despeito de existir demanda. Em mãos privadas, essas empresas prestarão um melhor serviço aos gaúchos. Serão mais eficientes e, ao mesmo tempo, o processo de venda deflagrado facilita a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal (RRF) proposto pela União.

A privatização das três empresas, portanto, é etapa de um processo mais amplo e complexo de reestruturação das finanças. É uma longa jornada que, no seu final, deve colaborar para que o governo gaúcho não se limite a ser um mero gestor da folha de pagamento do funcionalismo e possa, no futuro, colocar compromissos em dia e voltar a ser capaz de fazer investimento nas áreas essenciais à população, como saúde, educação e segurança. O primeiro passo dessa jornada será o de atacar o alto endividamento do Estado. O uso dos recursos para gastos correntes é vedado.

Pelo caráter polêmico e intrincado, é imperioso tratar do assunto com ampla transparência. É um antídoto, inclusive, para a desinformação disseminada por interesses enviesados. É natural também esperar reações de corporações, resistentes à perda de privilégios e vantagens. O Piratini promete planos de demissão voluntária para quem quiser se desligar. O Estado assegura as indenizações devidas, a possibilidade de alongar benefícios como plano de saúde e a criação de programas de apoio para a reinserção no mercado. Para servidores qualificados, produtivos e que não dependem apenas de indicação partidária, não faltará oportunidade de fazer carreira em ambientes que primam, essencialmente, pelo mérito na construção da carreira. Inclusive nas novas empresas privatizadas.


29 DE MAIO DE 2019
RBS BRASÍLIA

Morde e assopra

Um dos aliados mais fiéis de Jair Bolsonaro resumiu o clima deste início de semana em Brasília: o estilo do presidente é o morde e assopra. Depois de estimular os movimentos de domingo, inclusive com recados contra o parlamento, Bolsonaro fez questão de protagonizar o anúncio de mais um pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Os presidentes dos poderes acertaram se concentrar em torno de prioridades para o país, entre elas a reforma da Previdência. Principal defensor das mudanças nas aposentadorias, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia saiu da reunião com uma ação prática.

Ele pediu que o relator na comissão especial, Samuel Moreira (PSDB-SP), acelere a entrega das conclusões. A ideia é de aproveitar o ambiente para colocar o texto em plenário antes do recesso. Bolsonaro também resolveu colocar a mão na massa da articulação política e mandou carta ao Senado com o apelo para que a MP da reforma administrativa fosse votada sem modificações.

TROCA

Empenhado em acelerar a votação da reforma da Previdência, Rodrigo Maia trocou um jantar com o PSL por um churrasco com a bancada ruralista. A reunião com o partido de Bolsonaro estava marcada para ontem à noite para celebrar a bandeira branca entre Maia e o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo. A Frente Parlamentar da Agropecuária é uma das bancadas mais poderosas da Câmara e é importante em qualquer votação.

ELEIÇÕES 2020

O presidente do PL gaúcho, deputado Giovani Cherini, convidou José Paulo Cairoli para concorrer à prefeitura de Porto Alegre pelo partido. À coluna, Cherini contou que Cairoli recebeu bem a proposta, mas ainda não tomou uma decisão. Ex-vice-governador do Estado, Cairoli não tem mandato e deixou o PSD.

POSSE

Em encontro ontem com o presidente Jair Bolsonaro, o desembargador Victor Luiz dos Santos Laus entregou o convite para sua posse como presidente do TRF-4, no dia 27 de junho, em Porto Alegre. Laus aproveitou a viagem também para convidar o presidente do STF, Dias Toffoli, e o advogado-geral da União, André Mendonça. O vice, general Hamilton Mourão, já havia sito convidado.

Colaborou Silvana Pires - CAROLINA BAHIA


29 DE MAIO DE 2019

ARTIGO

MÚSICA PARA ILUDIR O VAZIO

A notícia da morte de alguém querido naturalmente nos nocauteia de dor e desamparo. O golpe é em particular duro quando essa vida interrompe-se ainda prematuramente de maneira trágica e violenta. A existência nos joga então na cara, sem atenuantes, sua fragilidade e transitoriedade - pior: parece dar de ombros para algum sentido maior de justiça e nos acena com o acaso e o aleatório. Podemos sentir essa perda profunda não apenas quando morre um parente, esposo, amigo: o súbito desaparecimento de pessoas públicas, em especial artistas, é capaz de provocar esse sentimento de luto individual e até de arrastar seus admiradores em uma grande comoção coletiva.

Desconhecia quem era Gabriel Diniz, nunca escutei Jenifer, não é o tipo de música que costumo ouvir. Essa minha ignorância, no entanto, não impede em absoluto que eu me solidarize com o sofrimento daqueles próximos do cantor cearense e arrisque adivinhar a perplexidade pela qual seus fãs estão passando. A cultura de massas e o mundo do espetáculo midiático transformam artistas, celebridades e personalidades populares em uma classe de semideuses contemporâneos, capazes de conjugar os poderes e virtudes divinos e os vícios e desejos mortais, à maneira das figuras da mitologia clássica.

Nosso sentimento é ambivalente com relação a esses personagens de dupla natureza: admiramos suas conquistas, fama, riqueza - atributos que talvez jamais alcancemos em nossas vidas -, mas também nos identificamos com seus defeitos e tropeços, sinais de imperfeição que nos são tão familiares.

Às vezes, entretanto, a narrativa dessas histórias de ídolos do nosso tempo envereda por caminhos distantes do transcendental e que ressaltam pungentemente sua triste dimensão humana. Gabriel Diniz pegou um avião para ir mais rápido ao encontro da namorada e surpreendê-la no dia do aniversário dela. Morreu com mais duas pessoas na queda da aeronave.

Diferentemente das histórias da Antiguidade, não há lição moral a ser extraída desse tipo de tragédia. Aqueles que amavam Gabriel Diniz, Mamonas Assassinas, Maysa, Cristiano Araújo, Marcelo Fromer, João Paulo, Chico Science e outros astros da música brasileira mortos em desastres ainda jovens e no auge de suas carreiras não encontrarão alívio na inconformidade, brigando com os céus e maldizendo o destino. Para desafiar essa ausência e iludir o vazio, a solução é seguir escutando as músicas deles, ainda e sempre.

Jornalista roger.lerina@gmail.com

terça-feira, 28 de maio de 2019


28 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

A mais brasileira das palavras

No sábado passado, fomos ao Oliveira's, uma churrascaria brasileira que tem aqui perto, em Somerville. Eu estava lá, mastigando uma alcatra, quando entrou aquela mulher. Ela era jovem, uns 19 anos. Ela era morena, de cabelos pretos e pernas longas que saíam de dentro de um vestido tão justo quanto sumário. Ela tinha um rosto de nenê, os olhos inocentes contrastando com a boca sensual. E, sobretudo, mais do que tudo e acima de tudo, ela era dona da melhor bunda que já foi exibida em todo o território dos Estados Unidos da América.

Escrevi "bunda" e talvez tenha chocado os mais pudicos. Não poderia escrever outra coisa. A bunda é a mais brasileira das palavras. Tanto que só existe no Brasil, não é usada nem pelos portugueses, embora eles a tenham inventado. É que os escravos trazidos da África falavam o idioma "bundo" e "bundos" eram chamados também todos os que vinham d'Angola.

Os portugueses, obedecendo a uma tradição nacional, admiravam a conformação da região glútea das mulheres bundas. Eram nádegas tão redondas, rijas e empinadas, que transformavam todas as demais, as das europeias branquicelas, em não nádegas. Quer dizer: nádegas de verdade eram as das bundas. Portanto, as bundas, para os brasileiros originais, viraram sinônimo de nádegas. E a palavra bunda nasceu, para a glória da humanidade.

Aquela bunda de sábado era uma bunda de hipnotizar português. Não que fosse GIGANTE: era harmônica. Uma bunda que exaltava o Brasil, porque só podia pertencer a uma brasileira. Enquanto sua dona caminhava, ela, a bunda, ondulava em uma cadência manemolente de samba de breque, mas se tratava de uma bunda tão bela e imponente, em sua plenitude, que julguei ouvir a Lacrimosa, de Mozart, à sua passagem.

- Tu viu aquela guria? - perguntou-me a Marcinha.

Sinais de alarme começaram a soar em minha cabeça, como se o robô de Perdidos no Espaço avisasse:

- Perigo! Perigo!

Mas não podia tergiversar. Todo o restaurante olhava para a moça. Admiti, enquanto engolia o pedaço de alcatra:

- Vi?

- Acho que o cara que está com ela é um americano. Tem todo o jeito de americano - continuou a Marcinha. - Não acha que ele é americano?

Naquele momento, as engrenagens do meu cérebro trabalhavam para tentar manter o assunto de maneira não comprometedora. Lembrei-me da Kelly Mattos, que, sempre que alguém comenta acerca da beleza de uma mulher, pondera, o indicador em riste, o acento grave da convicção na voz:

- Uma mulher não é só bonita! Ela é competente! Ela é inteligente! Ela é íntegra!

Concordo com a Kelly, não podemos objetificar a mulher, de jeito nenhum, longe de mim esse pecado, mas como poderia exaltar as qualidades morais da moça, se não conhecia nada de sua história? Ali, no restaurante, entre nacos de fraldinha e picanhas ao alho, só o que se destacava nela (e como se destacava) era aquela bunda. Não havia nada a fazer a fim de contentar qualquer exigência politicamente correta. Assim, encurralado, apenas concordei:

- É. O casal se instalou em uma mesa próxima. Eu podia olhar, se quisesse, mas não devia. Sei que não devia. E não olhei. Mas as pessoas em volta olhavam. Mantive-me casto, monacal.

Aceitei a costela que o garçom me oferecia. Bebi um gole de cerveja. A Marcinha, então, me encarou. E, bem séria, sentenciou:

- Um dia, aquela bunda vai cair e, depois que cair, nunca mais vai levantar.

As mulheres são más.

DAVID COIMBRA