sábado, 22 de setembro de 2018



22 DE SETEMBRO DE 2018
DRAUZIO VARELLA

EXPECTATIVA DE VIDA

Dizem que Cristo teria morrido aos 33 anos. Tão moço, lamentam os crentes. Nem tanto, a média de expectativa de vida no Império Romano era de 30 anos.

Os que defendem com fervor religioso o emprego da medicina chinesa no tratamento dos males atuais, com o argumento de que se trata de uma tradição milenar, talvez não saibam que, até o século 19, o chinês médio vivia os míseros 30 anos dos romanos. Não era muito diferente o destino dos europeus até o século 18. Foi só no final dos anos 1900 que a expectativa de vida começou a aumentar nos países europeus que se industrializavam, embora se mantivesse nos mesmos patamares medíocres no resto do mundo. Na maior parte do século 20, a disparidade se manteve: expectativa de vida ascendente nos países industrializados, mortes precoces nos demais.

Nas últimas décadas, no entanto, a desigualdade diminuiu e a expectativa de vida mundial praticamente duplicou. Hoje, os países mais pobres têm expectativa média de vida semelhante às dos que eram considerados ricos nos anos 1900. Cem anos atrás, a expectativa de vida de quem nascia na Índia ou na Coreia era de apenas 23 anos. Atualmente, esse número quase triplicou na Índia e quase quadruplicou na Coreia do Sul. No Brasil, uma criança que completasse 10 anos em 1950 podia alimentar a esperança de viver mais 53 anos. As que chegaram aos 10 anos em 2015 devem viver mais 67 anos.

Esses aumentos de longevidade aconteceram graças à ciência, à tecnologia e aos avanços no conhecimento. O declínio da mortalidade foi resultado da aplicação de ideias novas no campo da saúde individual e coletiva e dos benefícios trazidos pelo aumento de produtividade que possibilitaram melhores condições de moradia, nutrição e saneamento básico, pela vacinação em massa e a descoberta dos antibióticos.

A divulgação das teorias que identificaram os germes como causadores de doenças a partir dos últimos anos do século 19 foi crucial na mudança do comportamento individual e na infraestrutura de saúde pública. O mesmo ocorreu com as medidas tomadas contra o fumo, na segunda metade do século 20.

No decorrer do século 21, será possível duplicar mais uma vez a expectativa de vida?

Num trabalho publicado na revista Nature em 2016, Xiao Dong e colaboradores desmentiram essa hipótese. Ao analisar os dados demográficos em 40 países, os autores concluíram que aumentos da sobrevida tendem a declinar depois dos cem anos. A longevidade atingiria um teto ao redor dos 115 anos. Ninguém comemoraria o aniversário de 125 anos.

Um dos argumentos mais fortes dos autores é o de que, desde os anos 1990, a idade da pessoa mais velha do mundo não aumentou. O recorde continua pertencendo à francesa Jeanne Calment, que morreu em 1997 com 122 anos. Os autores concluíram: "Nossos resultados sugerem claramente que a duração máxima da vida é limitada por constrangimentos naturais".

Um estudo realizado entre centenários, por um grupo da Universidade Sapienza, na Itália, reacende esse debate. Elizabeth Barbi e Francesco Lagona acabam de publicar na revista Science um inquérito conduzido entre 3.836 italianos com 105 anos ou mais. Foram analisadas as certidões de nascimento e os atestados de óbito para confirmar as idades e evitar os exageros tão frequentes em pessoas com muita idade.

A conclusão do estudo foi a de que o risco de morrer (que aumenta à medida que envelhecemos) fica estável depois dos 105 anos, criando um "plateau de mortalidade". A partir dessa idade, a probabilidade de viver mais um ano seria de 50%. Se esse plateau realmente for confirmado, a mulher mais velha do mundo, Chiyo Miyako, atualmente com 117 anos, poderia ainda viver alguns anos ou décadas, pelo menos teoricamente.

O mundo abriga cerca de 500 mil pessoas centenárias, número que deverá duplicar de 10 em 10 anos. Se, depois dos 105 anos, o risco de morrer for de 50% a cada ano que passa, os demógrafos calculam que o recorde de longevidade em posse de Jeanne Calment deverá ser quebrado com a diferença de um ano a mais a cada década.

Os especialistas não consideram esse o estudo definitivo. O debate prosseguirá. Enquanto eles não chegam à conclusão, cabe a cada um de nós cuidar do corpo da melhor forma possível. Você, leitora, não vai querer chegar aos cem anos com a aparência de quem tem 200.

DRAUZIO VARELLA

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