12 DE SETEMBRO DE 2018
Ricardo Hingel - Economista
O país do self-service
Há um magnífico verso em uma música da Legião Urbana que diz "todo o dia quando acordo, não tenho mais o tempo que passou". O verso tem uma amplitude absurda, pois se aplica tanto para nossa vida pessoal, familiar, amizades etc. quanto para um país.
As décadas de desacerto nos rumos da economia brasileira e de nosso projeto de país devem nos fazer acordar e refletir que não temos mais os anos que passaram, em que a nação foi ficando para trás. A industrialização dos anos 1950, o milagre econômico do governo militar, o fim da hiperinflação com o Plano Real, o boom dos preços das commodities que auxiliaram em nossa balança comercial e anos consecutivos de crescimento mundial foram todos períodos favoráveis que não aproveitamos devidamente ou descontinuamos.
Contrariamos lógicas econômicas evidentes e assistimos a um crescente avanço público sobre a economia. Entretenimento comum aos presidentes que se sucederam desde José Sarney, todos concluíram seus mandatos com carga tributária superior a de quando iniciaram. Poderíamos chamar de jogo do "Quem gasta mais?". Ampliando sempre o dispêndio público e, invariavelmente, gastando mais do que o arrecadado, além de mais impostos, foi gerada uma dívida pública impagável e que, durante muitos anos, vai pressionar negativamente nossa economia e o dispêndio público, pois, lembrando, dívida tem que ser paga.
A incorporação de novas despesas e benefícios de toda a ordem, inclusive aqueles introduzidos pela Constituição de 1988, o crescente desequilíbrio da previdência oficial e pública e um avanço das corporações públicas e privadas sobre o Estado geraram um serviço caro e ineficiente. A carga tributária brasileira é para lá de suficiente e mesmo além da capacidade contributiva da sociedade, porém é mal distribuída e aí entra o peso das corporações. Parece o país do self-service. As deficiências da qualidade dos serviços públicos mais reclamados, e função de Estado, representadas pelo trinômio saúde, segurança e educação, além da (in)capacidade de investimento, na realidade, refletem uma questão simples, que é o fato de que estes ficam apenas com a sobra e dá no que dá.
A menos de 30 dias do primeiro turno da eleição presidencial, não há propostas concretas de reequilíbrio das contas federais; é muito do "vou fazer" e pouco do "como vou fazer". E, evidentemente, a economia segue reagindo negativamente face aos cenários projetados e há muito cheiro de avanço do Estado na economia e nada de efetiva redução do seu peso à sociedade.
Chega de se gastar mais do que se arrecada. É o óbvio não entendido e a conta é sua.
Ricardo Hingel escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias.
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