segunda-feira, 3 de setembro de 2018


03 DE SETEMBRO DE 2018
ARTIGOS -RICARDO GIULIANI NETO

NEM CASTELO, NEM LEGALIDADE

Artista plástico, escritor, mestre e doutor em Direito

Morreu Paixão Côrtes, um dos grandes construtores do marco identitário do gaúcho contemporâneo. Por essas do destino, seu passamento ocorre bem ao tempo em que nas telas e em livro reflito sobre este personagem que, a um só tempo, é história, folclore e narrador da sua saga. Entre o mítico e o místico, vão léguas de distância. 

A distância entre folclorismo e tradicionalismo não se mede a palmo. Do inglês folk, povo, e lore, sabedoria, brota a expressão folclore. A sociedade é construção histórico-social, com feições adquiridas das práticas culturais transmitidas pelo imaginário coletivo do povo. O folclore as recupera pelas lendas, danças, vestuário, cancioneiro e práticas religiosas; já o tradicionalismo propõe ideologia, oferece sentido político para este mesmo povo; lados inconfundíveis de uma mesma civilização.

O Gaúcho precisa revisitar- se para, como Cyro Martins, reconhecer-se a pé.

O Gaúcho grandiloquente inexiste na pampa, é somente produto de um imaginário literário prodigioso que fundiu tradicionalismo e folclore, ideologia e práticas populares. O folclore determina identidades, mas não pretende tomar o lugar da história; todavia, o tradicionalismo, num truco de mano, botou "invido" com pretensões de ganhar de mão.

Temos todas as condições para identificar as matrizes da nossa construção histórica e econômica. Os pais do folclorismo gaúcho assim o afirmaram, basta acessar a literatura de Paixão Côrtes ou de Barbosa Lessa, ou a literatura anterior aos anos 1970. Mas, ao não nos instruirmos, não derrubamos heróis e seguimos erguendo pedestais e apagando-nos como seres histórico-sociais.

A morte de um intelectual do porte de Paixão Côrtes nos mata um pouco mais. A morte pede homenagens e reflexão. A história não constrói estátuas, ergue homens e mulheres de referência. É chegada a hora do fim das lutas inúteis! Quem sabe Paixão Côrtes seria a avenida da entrada da nossa Capital? Nem Castelo, nem Legalidade! Afirmaríamos convergências sem o ranço inútil que muito nos tem afastado uns dos outros. Sejamos, pois, Cultos e Grossos.

Paixão Côrtes plural

CLÁUDIO BRITO
Jornalista


Faz uma semana desde que perdemos o ícone Paixão Côrtes, há muito eternizado no bronze do Laçador, pois foi ele o modelo para que Caringi esculpisse o gaúcho que recebe os visitantes nas vizinhanças do aeroporto. Quero homenageá-lo ainda, por conta de seu talento, carisma e desenvoltura como líder e agitador cultural. Pouco se falou da generosidade, tolerância e pluralismo com que marcou suas realizações, como artista, pesquisador, escritor e indiscutível timoneiro da nau do gauchismo.

Paixão Côrtes respeitou todas as vertentes e foi pioneiro muitas vezes, antecipando aos seguidores as tendências que seriam depois consagradas aqui e no mundo. Foi assim com a dança, com a poesia e com tudo o que pudesse ter o significado do que seja o gauchismo.

Paixão Côrtes era maçom, fiel aos princípios que o inspiraram a agir, pensar e construir como um homem livre e de bons costumes, dono da virtude da tolerância e inspirado pelos ideais de liberdade, fraternidade e igualdade. Um homem aberto à cultura popular, sem freios ou obstáculos. Um homem plural. Lembro- me bem de seu apoio à causa do samba e do Carnaval, quando contou, no programa Gaúcha, 19 Horas, 10 anos atrás, suas aventuras como integrante de blocos carnavalescos. Disse-me certa feita:... 

"Nem tinha fundado ainda o CTG 35 e eu já descia a Borges até o Capitólio, cantando as marchinhas e os sambas do Canela de Zebu. Sou gaúcho e brasileiro, sou do samba e da vanera, sem preconceitos...". Naquela ocasião, Paixão Côrtes calou a boca de muita gente, que pretendia um cisma entre a cultura urbana dos sambistas e a bela manifestação dos fandangueiros gaudérios. Paixão Côrtes lutou de verdade por um mundo justo e perfeito.

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