04 DE SETEMBRO DE 2018
CARPINEJAR
O sobrenome na aula
Na escola de minha infância, era chamado pelo sobrenome.
Não pelo primeiro nome, não pelo apelido: havia uma solenidade na lista de chamada. A professora se dirigia a mim por Nejar a qualquer intervenção ou manifestação no curso da aula.
Quando solicitava que respondesse a alguma dúvida no quadro-negro, reforçava a nomenclatura.
- Nejar, tenha a gentileza de vir resolver o problema. O sobrenome reforçava a educação. E aquela pompa e circunstância moldou o meu caráter.
Pois a intimidade vem com respeito e obediência, jamais com atalhos do afeto. A professora não queria ser simpática, não precisava ser simpática, não se impunha com fofices e queridices. Estabelecia uma ordem pela formalidade.
Eu estava lá para aprender, não para brincar. Havia essa diferença clara no tratamento impessoal. Eu me sentia responsável e adulto, maduro em minhas escolhas. Ser criança não correspondia, na época, a ser frágil e inconsequente.
Invocar o sobrenome do aluno é trazer a família para a escola. Eu representava os meus avós e os meus irmãos quando estudava.
Não estava sozinho no tempo. Balançava, a cada lição, um galho da árvore genealógica, produzindo um rastro de folhas e frutos.
É importante que o aluno saiba de onde vem e de que lugar faz parte. É um modo de inspirá-lo a atingir os objetivos com a sua alma coletiva. Para não se enxergar como um estranho e um avulso no mundo das obrigações.
Sem sobrenome na escola, a criança parece órfã. A continuidade com a casa desaparece no sangue. Como se a esfera doméstica não se encaixasse na dimensão educacional.
Eu entendia a professora como uma segunda mãe, o professor como um segundo pai. Na ausência dos pais, eles é que me cuidavam e tinha que obedecer-lhes.
Com um gesto simples, mostravam que conheciam o meu paradeiro.
Acrescentavam algo a mais para ser usado com o caderno e com o lápis: a honra. Honrar o tempo do pai e da mãe, honrar o tempo do educador, honrar a própria origem (e a chance de criar melhores condições de renda e carreira).
O ensino vem perdendo o significado da honra: dar a palavra, cumprir a palavra, arcar com a palavra.
Eu recordei desse detalhe fundador ao reencontrar minha toalhinha do Ensino Fundamental no armário materno.
No pano branco, está bordado Nejar em linhas vermelhas. Eu enxugava o suor do rosto com o meu sobrenome, nunca esquecendo que estudar era a chance de ser alguém na vida. Pela família, com a família.
CARPINEJAR
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