14 DE AGOSTO DE 2018
CARPINEJAR
A senhora das chuvas
Nunca ninguém verá a mãe tomando banho de chuva. É impossível. Não será a minha mãe se ela estiver desprotegida, com o rosto vulnerável e ensopada.
A minha mãe tem sempre um pássaro escuro sobre a cabeça. A lona carregada com perícia desafiando a direção do vento.
Desde que eu me conheço por gente, ela está preparada para as mudanças climáticas de Porto Alegre e o relógio louco de quatro estações em um único dia. Antes, na infância, eu pensava que ela era uma meteorologista leiga, uma profeta do tempo. Lamentava que tinha desperdiçado uma monumental vocação com a advocacia.
Porque vinha aguaceira do além, imprevisível, que pegava o mundo de supetão, e ela estava calma, serena, armada.
Mesmo com o sol de manhã, mesmo com a primavera na pele, ela antevia o toró, e jamais devido a informações privilegiadas, dores no osso ou superstições como formigas carregando folhas.
Na Defensoria Pública, onde trabalhava, ficou conhecida como caroneira pelos colegas. Dava carona para quem não vinha equipado para enfrentar o céu desabando.
Não decifrava a multiplicação mágica do objeto em suas mãos. Ela sempre me alcançava um guarda-chuva quando as nuvens enegreciam, e eu não devolvia, e ela não pedia de volta nem reclamava da ausência de reposição. Estranhava o desapego, o perdão a minha contumaz distração. Lá vinha eu de volta e recebia, embasbacado, um exemplar novinho.
É que a minha mãe tem guarda-chuvas em diferentes esconderijos. Descobri a façanha já adulto. São iguais, pretos, de cabo curto, automático. Carrega um na bolsa, deixa outro no porta-luvas do carro, traz um consigo e reserva mais um suplente em casa. No mínimo, mantém quatro guarda-chuvas em prontidão para cobrir os seus deslocamentos e extravios.
Cautelosa, inteligente, não sofre com os reveses da vida. Não transforma o copo de água em tempestade, ela bebe as tempestades do copo.
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