04 DE AGOSTO DE 2018
DAVID COIMBRA
Os javalis comedores de ovelha
Tinha uma visão romântica do javali, por causa dos banquetes de Asterix e Obelix, mas agora não mais. Agora descobri que o javali, deslocado dos bosques da Gália, se transformou em uma praga no Brasil. Há milhares deles soltos pelos campos, devorando colheitas e animais. O Tio Niba, que tem estância em Rosário, me contou que, nas terras de um amigo dele, os javalis mataram e comeram 400 ovelhas! Nunca imaginei que javalis pudessem ser tão ferozes. Um bando de leões talvez não fizesse tanto estrago.
Fiquei sabendo que foi um uruguaio que trouxe o primeiro casal de javalis para a América do Sul, nos anos 1980. A partir de então, eles começaram a se espalhar. Javalis não respeitam fronteiras, nem os muros de Trump podem detê-los. Eles saíram do Uruguai e foram subindo pelo continente. Já estão no meio do Brasil, comendo tudo o que surge em sua frente.
O cocô do hipopótamo
Essa história me lembrou o caso dos hipopótamos do narcotraficante Pablo Escobar. Isso também aconteceu nos anos 1980. Escobar, como você sabe, era riquíssimo - vendia 80% da cocaína consumida no planeta. Tinha tanto dinheiro, que gastava R$ 10 mil por mês só em atilho, para amarrar os maços de dólares.
Tanto, mas tanto dinheiro, que, uma vez, sua filha estava com frio e ele tocou fogo em US$ 2 milhões só para aquecê-la. Tanto, mas tanto, mas tanto dinheiro, que financiava esquisitices, como importar da África casais de hipopótamos, um bicho do qual gostava muito.
Mas Escobar morreu e os hipopótamos ficaram vivos, crescendo e se multiplicando, como ordenou o Senhor.
Desde então, os hipopótamos do Norte passaram a se reproduzir como os javalis do Sul. Hoje, hipopótamos podem ser vistos passeando pelas ruas de algumas cidades colombianas, o que é preocupante por dois motivos: um é que o hipopótamo pode se tornar bastante agressivo quando irritado; dois é que os hipopótamos, como você, eu e até a Megan Fox, fazem cocô, com a diferença de que um hipopótamo é muitíssimo maior e mais pesado do que a Megan Fox, e por isso faz muito mais cocô. Ocorre que os cocôs dos hipopótamos estão atolando os rios colombianos e matando os peixes e a vegetação. Um drama.
O chifre do rinoceronte
Há algo interessante nesses dois casos de sucesso reprodutivo. É que nós, seres humanos, somos o que somos graças à nossa capacidade de transformar a natureza. As cidades, a agricultura, a pecuária, a irrigação dos campos, toda a civilização é produto da transformação da natureza. Somos capazes até de inventar novas espécies, como o cachorro, que por nós foi criado e para nós existe. Se deixarmos de existir, o cachorro desaparecerá da face da Terra. Suponho que fará a evolução ao contrário e voltará a ser o lobo orgulhoso e selvagem que um dia foi.
Mas, se somos responsáveis pela existência dos cachorros, somos também culpados pela extinção de várias espécies, como a dos rinocerontes-brancos. Você sabe: o último macho dessa espécie morreu em março, no Quênia. Chamava-se Sudan e, nos seus anos derradeiros, viveu vigiado por três guardas armados de escopetas 24 horas por dia, sete dias por semana. Não fosse assim, caçadores o poriam a dormir com tranquilizantes e lhe serrariam o chifre a fim de moê-lo e transformá-lo em pó medicinal, que é vendido na Ásia.
Dizem que o pó do chifre do rinoceronte cura desde câncer até impotência. Por isso, um único chifre chega a valer R$ 1 milhão. Mas não acredite nisso. Se você tiver câncer, procure um oncologista; se tiver impotência, procure um psiquiatra. Deixe os rinocerontes em paz.
A derrota humana
De qualquer forma, o que eu queria dizer é que desde sempre transformamos a natureza, matamos e escravizamos bichos e tudo mais. Porém, muitas vezes, como no caso dos hipopótamos da Colômbia e dos javalis do Uruguai, a natureza nos ignora. Não conseguimos controlá-la e, de repente, não sabemos o que fazer.
As chuvas vêm e causam enchentes que não dominamos, os furacões devastam o Caribe, os terremotos estremecem o Japão e há bichos que simplesmente se multiplicam sem o nosso consentimento. Por mais força que façamos, a natureza é ainda mais poderosa. Uma derrota nossa. Mas não será uma boa notícia?
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