11 DE AGOSTO DE 2018
INFORME ESPECIAL
OLHA O PASSARINHO
A carteira da Agência Nacional de Aviação Civil com a foto de um passarinho, autorizado oficialmente a voar, me provocou uma gargalhada. O documento é uma das peças do quebra-cabeça montado pelo catarinucho Walmor Corrêa, um dos mais consistentes e respeitados artistas brasileiros.
Hiper-resumo: Walmor encontrou, em um museu de Washington, uma ave empalhada e indigente, sem documentos nem história. Curioso e sempre caçando as vírgulas, descobriu, recorrendo a ornitólogos, que era de uma espécie incidente no sul do Brasil. A partir daí, desafiando com leveza os limites entre ficção e realidade, (re)construiu a identidade do bípede exilado. Confeccionou um passaporte brasileiro com visto americano, um RG e a carteirinha que me fez rir.
Na terça-feira, cheguei mais cedo ao Instituto Ling, em Porto Alegre. Ao lado do artista, percorri a exposição Walmor Correa e Sporophila Beltoni. Foi então que gargalhei. Pouco depois, Walmor foi cumprimentar um amigo que chegava.
Aproveitando a brecha, minha filha mais moça, 12 anos, ar levemente preocupado e curioso, perguntou:
- Pai, será que ele se importa que achem graça?
Eu já havia conversado com o Walmor sobre riso e arte. Nada disse à minha filha. Esperei uma oportunidade e questionei novamente, anos depois:
- Walmor, o que tu sentes quando as pessoas riem ao olhar o teu trabalho?
Suave e feliz, respondeu que adora. Que a arte existe para provocar reações e que o riso é uma das mais nobres.
Antes da abertura da exposição, houve a palestra. Falou também o curador Paulo Myada. Compenetrado, sério, profundo. Talvez nervoso com a presença da plateia, nada disse sobre o humor previsível diante do estranhamento causado pela coleção ali distribuída.
O riso é vítima de preconceito. Não posso ser definitivo sobre o curador. A ausência do tema apenas me abriu o link: a gargalhada muitas vezes é tratada como uma dimensão menor de uma produção cultural que só adquire valor se compreendida por poucos e que, para isso, precisa de sisudez e complexidade. Distante, muito distante do público sufocado por teses rebuscadas e que acaba tendo vergonha do jeito mais direito de gostar da arte.
Justiça seja feita, a concepção da exposição é delicada, linda e faz sentido. Há espaço entre as obras, há respiro e respeito. Se você for visitá-la, pode rir à vontade. O artista não se importa. Mais do que isso: ele curte.
TULIO MILMAN
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