terça-feira, 7 de agosto de 2018


07 DE AGOSTO DE 2018
CARLOS

O ÚLTIMO BEIJO


No colégio Anchieta, lá pelos idos de 1975, notei uma estranha reconfiguração no ato de beijar como saudação entre estudantes de sexos opostos. Não falo de beijos entre namorados, ou entre pessoas apaixonadas. Falo daqueles beijos enquanto as pessoas diziam "Oi", ou "Como vai?" para um(a) colega de classe com quem tinham alguma intimidade. Eram dois, um em cada bochecha. Certo dia, percebi que esse protocolo de dois beijos nas bochechas estava sendo substituído por um único beijo, mas nos lábios. O significado continuava o mesmo: uma saudação social. Não havia conotação erótica. Mas parecia um progresso.

No início dos anos 80, já na faculdade, o beijo nos lábios voltou a ser uma exclusividade de pessoas enamoradas, enquanto amigos e conhecidos passaram a dar três beijos nas bochechas. Isso durou pouco. Voltaram a ser dois beijos. Depois apenas um. Depois nenhum. "Oi" e pronto. Às vezes um aperto de mãos, ou uma leve batida nas costas. Por que isso aconteceu? É uma questão geracional, e a minha geração estava envelhecendo e careteando? Sei lá. Alguém precisa pesquisar a respeito. Não vai ser fácil. Tudo nos anos 80 está envolto numa névoa espessa.

Corta para 2010. Sempre que eu enviava ou respondia a uma mensagem pessoal, por e-mail ou usando o Messenger, colocava, antes de assinar, um abraço ou abração para os correspondentes do sexo masculino e, quase sempre, um beijo para os do sexo feminino. Não ficava matutando se, do lado de lá, estava alguém com uma determinada idade, ou qual era meu nível de intimidade com a correspondente, ou se a minha comunicação com essa pessoa estava sujeita a algum código específico de relacionamento digital.

Hoje, continuo mandando abs, abraços e abrações virtuais, mas onde estão os bjs e os beijos? Por uma reconfiguração semiótica das relações nas redes, os beijos estão quase extintos. Medo de acusações de assédio? Preocupações com mal-entendidos? Sei lá. Alguém tem que pesquisar a respeito. Haverá um último beijo virtual? Na sequência haverá um último beijo social? Depois um derradeiro beijo apaixonado? Passaremos a nos tratar sempre por "prezado senhor" e "prezada senhora"? Medo. Para onde caminham os beijos e a humanidade?

CARLOS

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