quinta-feira, 3 de novembro de 2016



03 de novembro de 2016 | N° 18677 
LUCIANO ALABARSE

HOMENS DESELEGANTES

“É possível continuar sendo amigo de quem discordamos politicamente?” Buscando a resposta, Ruy Castro agrega fatos à sua própria pergunta. Segundo ele, Arthur Koestler, autor do romance O zero e o infinito, anticomunista ferrenho, dizia que não. Albert Camus e Simone de Beauvoir achavam que sim. Quando Merleau-Ponty, soviético de carteirinha, arrasou o romance de Koestler, Camus o chamou de cachorro e de coisas bem piores. 

Depois, saiu bufando porta afora. Sartre correu atrás dele e lhe passou um sabão. Desde esse dia, Camus virou a cara para Sartre quando se cruzavam. Anos depois, Ponty brigou feio com Sartre; este, por sua vez, rompeu para sempre com o Partido Comunista. Confrontados, intelectuais emulam estivadores e quebram os pratos conforme suas convicções da hora.

Ânimos exaltados não são privilégio de adversários que esgrimem antagonismos ideológicos. No Brasil, aliás, são discussões antigas e reiteradas. Remontam ao esquema de contrabando que se legitimou no país desde a época colonial, como bem o demonstra Samir Machado de Machado em Homens elegantes. Irreverente, devastador, libertário, obscenamente gay: o melhor romance nacional de 2016.

Foi amplamente noticiado o episódio de uma senhora que confrontou Eduardo Cunha quando, antes da merecida prisão, o ex-deputado tentava embarcar em voo doméstico. Ao redor da exaltada matrona, uma multidão a incentivava, com palavras e atos, a praticar a tal agressão anunciada.

Essa catarse que autoriza justiça pelas próprias mãos me parece tão repulsiva quanto os atos ilícitos cometidos por um político corrupto. “Isso não é cristão, não é judaico, não é budista, não é muçulmano, não é humano. Isso é feio, baixo e vulgar”, disse o jornalista Marcelo Coelho.

Eleições passam, e a vida segue em seu cotidiano. Mas alguns, inconformados com escolhas diferentes das suas, renegam direitos democráticos alheios e saem atirando. Eu não. Admiro os que apostam em suas convicções com serenidade. E sem patrulha.

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