quinta-feira, 3 de novembro de 2016



03 de novembro de 2016 | N° 18677 
DAVID COIMBRA

Espaguete com almôndegas não é italiano

Espaguete com almôndegas é um prato que os americanos juram que é italiano, mas não é.

É americano. Quem me contou isso foi o Andrea, dono daquela cantina toscana em que vou almoçar pelo menos uma vez por semana, aqui perto de casa.

O Andrea é de Florença e, obviamente, torce pela Fiorentina. Sobre o balcão de sua cantina, há uma foto dele jovem, o bigode ainda preto, o cabelo ainda basto, abraçado a Batistuta, ainda goleador.

Dos brasileiros, o Andrea admira Garrincha, que viu jogar, e, por coincidência, outro ponteiro-direito, Julinho Botelho, que foi ídolo da Fiorentina.

Há uma bela história envolvendo Julinho e Garrincha. Aconteceu logo depois que o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo, a de 1958. No ano seguinte, a Seleção enfrentaria a Inglaterra em um amistoso no Maracanã. O estádio estava lotado de uma forma como jamais estará, com 160 mil pessoas ávidas por ver a famosa Seleção de Ouro, em que reluziam Garrincha e Pelé, a dupla invencível. Mas, na hora de anunciar a escalação, o locutor do estádio não disse o nome de Garrincha: disse o de Julinho. Deu-se, então, uma das maiores vaias já ouvidas no Maracanã, essa catedral da vaia.

Julinho entrou em campo amassado por aquela vaia. Mas logo tomaria a bola, driblaria seis ingleses e marcaria um gol histórico. O Maracanã, que sabe se render aos bons, levantou-se e o aplaudiu. O Brasil venceu por 2 a 0 e Julinho foi o melhor em campo.

Mas eu contava sobre o espaguete com almôndegas. Trata-se de uma invenção dos ítalo-americanos, esse prato não existe na Velha Bota. É como o bife à parmegiana, que não pode ser encontrado em Parma.

Por isso, o Andrea considera ofensivo quando um americano entra em sua cantina e pede espaguete com almôndegas. Ele não destrata os clientes, mas olha-os como se estivesse contemplando bárbaros.

Outro hábito americano que o Andrea rejeita educadamente é o apreço ao celular com internet. Na parede da cantina, há um cartaz que avisa e aconselha:

“Não temos sinal de wi-fi. Conversem uns com os outros”.

Gosto disso. O Andrea é um homem de princípios. Porque vou lhe dizer uma coisa: nos Estados Unidos, a linguagem da internet é tão importante quanto o inglês. Tudo é feito através da “rede”.

Chegará um tempo em que as lojas serão apenas vitrines, porque os americanos compram tudo por computador e quase que só se relacionam por computador. Qualquer pendência ou pleito que você tenha, terá de fazer por computador.

É terrível. Porque tenho medo.

Não só eu, aliás. Outro dia, flagrei meu filho conversando com seus amigos de nove anos de idade sobre um personagem que os aterroriza, o famoso hacker F-Man. Meu filho tem pesadelos com ele. Pudera: F-Man invade contas pessoais e devassa a vida das pessoas, faz o que quer com seu celular ou computador e despede-se dando uma gargalhada de Boris Karloff.

É exatamente isso que me apavora: os hackers. Nesse computador de agora, gravo estas mal digitadas, coloco a minha conta do banco, converso com meus amigos, registro meus dados. Estou exposto. Estou à mercê de F-Man e seus asseclas. Se hackers são capazes de eleger o futuro presidente dos Estados Unidos, o que não farão com um humilde ex-ponta-direita recuado do Huracán?

Tenho medo desse mundo internético. Tenho medo de Trump. Tenho medo.

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