02 de novembro de 2016 | N° 18676
DAVID COIMBRA
Lula ligou para a menina do Paraná
Prometi que contaria hoje uma ilustrativa história envolvendo Brasil e Alemanha. Isso devido a um diálogo que travei com o ex-ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, aquela sumidade que pretendia banir da língua portuguesa os estrangeirismos. Para Rebelo, YouTube é Tutubo, bife é fatia de carne e futebol é ludopédio.
Nessa conversa que tivemos, critiquei o governo brasileiro por fazer a Copa em 12 sedes, em vez de oito, e por construir quatro estádios onde praticamente não há ludopédio (Manaus, Brasília, Cuiabá e Natal). Rebelo respondeu que a Alemanha também fez a Copa em 12 sedes, argumento que me deu uma alergia braba. Fiquei todo embolotado.
Lembrei de um livro que li, a autobiografia de Roberto Campos, A lanterna na popa. É o que se chama de cartapácio: tem perto de 1,5 mil páginas. Mas vale a leitura, porque perpassa grande parte da história do Brasil. Campos afundou os sapatos nas cerdas dos tapetes do poder desde o governo de Getúlio Vargas até o de Itamar Franco.
No de Jânio Quadros, foi enviado à Alemanha Ocidental a fim de renegociar a dívida externa brasileira. Era o começo de 1961. A Alemanha, portanto, ainda se recuperava da destruição causada pela II Guerra. Campos encontrou-se com o famoso chanceler Konrad Adenauer, que lhe disse, com sinceridade germânica:
– O senhor é suficientemente moço para que eu possa lhe dizer com franqueza que aqui veio numa missão desagradável: arranjar dinheiro. Não sei por que a Alemanha devia dar dinheiro ao Brasil. Trata-se de um país rico, que acaba de se dar ao luxo de construir uma nova capital. Nós somos pobres. Aproveitamos para a capital a cidadezinha de Bonn, onde a coisa mais interessante é a memória de Beethoven.
Depois dessa observação sarcástica, Adenauer concedeu o empréstimo ao Brasil. Mas os paradoxos envolvendo os dois países se mantiveram, até chegarmos às Copas que ambos sediaram, no século 21. Cobri a da Alemanha, em 2006. Vi um país rico, com ótima infraestrutura. Vi uma população alegre, com filhos bem cuidados, estudando em escolas modelares. A Alemanha poderia ter gasto muito mais do que o Brasil gastaria, oito anos depois. Gastou menos – só com estádios, o Brasil despendeu três vezes mais do que a Alemanha. Claro: como disse Adenauer, o Brasil é um país rico. Constrói cidades e estádios. Pena que se esquece do mais barato e simples, como as escolas.
Hoje, estudantes brasileiros ocupam escolas para pedir melhor educação de primeiro e segundo graus. É óbvio que há motivação política nessas ocupações. É óbvio que há interesses e manipulações. É óbvio que há grupos sombrios se aproveitando da natural rebeldia da juventude. Mas também é óbvio que o problema existe. Se as escolas brasileiras fossem boas, se os professores fossem bem remunerados, se o ensino tivesse qualidade, não haveria manifestações.
Semana passada, uma estudante falou na tribuna da Assembleia do Paraná, defendendo as ocupações. Ao saber da repercussão do discurso da menina, Lula ligou para ela. Pensei: ligou para se desculpar. Só podia. Afinal, Lula tinha o Legislativo e o Executivo nas mãos durante suas gestões. Tinha os recursos de uma economia aquecida. Tinha prestígio internacional. Tinha até quem o aconselhasse a fazer o que devia, como seu ministro da Educação, Cristovam Buarque. Ou seja: ele podia ter feito as reformas de que o Brasil precisa – a tributária, a federativa, a da educação básica, entre outras. Mas não fez. Preferiu construir estádios. Inclusive, ganhou um “de presente” da empreiteira amiga.
Mas Lula não se desculpou. Cumprimentou a menina, como se estivesse ao lado dela. Não está, menina, não se engane. Proteste, sim. Reclame, sim. Mas lembre-se: agradar é fácil. Você pode dar a milhões, quando na verdade está tirando de todos.
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