sábado, 18 de maio de 2013



Os seios de Angelina
RUTH DE AQUINO

Esta mulher é surpreendente. Nunca entrou para o primeiro time de atrizes, mas chegou a ser a mais bem paga de Hollywood. Fez filmes bem ruins, estrelou fracassos comerciais. Ficou famosa ao interpretar uma heroína de videogame, Lara Croft. Ganhou um Oscar de Coadjuvante, em 1999, como uma jovem transtornada em Garota, interrompida.
>>Angelina Jolie é um bom exemplo contra o câncer?

Não é, portanto, por seu desempenho profissional que Angelina Jolie ganhou a estatura de musa transcendental e universal. Ela jamais foi uma grande atriz. Na vida real, inventou e reinventou para si mesma personagens transgressoras e radicais. Quantas Angelinas foram desconstruídas até ela chegar à capa das últimas revistas como uma deusa sublime, arauto do sofrimento de milhões de mulheres?

Angelina se impôs primeiro por uma beleza exótica, quase excessiva. Olhos imensos e verdes. Lábios tão carnudos que prestaram um desserviço a mulheres loucas e ansiosas para ganhar “a boca da Jolie”, com preenchimentos mal-sucedidos. Pernas longuíssimas, exibidas em fendas criadas por estilistas.

A perna direita de Angelina, exposta por um modelo preto e recortado de Versace, na cerimônia do Oscar do ano passado, ganhou, em minutos, um perfil no Twitter com mais de 10 mil seguidores. Sua pose inspirou montagens hilárias de anônimos. A perna “apareceu” em quadros clássicos, como A última ceia, de Leonardo da Vinci, e em cenas históricas, como a chegada do homem à Lua.

Compondo com os olhos, a boca e as pernas, uma outra parte do corpo de Angelina sempre esteve em evidência no tapete vermelho, pelos decotes e vestidos tomara que caia: os seios fartos, um dos símbolos de sua sensualidade. Foram esses seios que Angelina decidiu retirar e substituir por próteses, como medida preventiva contra o câncer.

Não falarei sobre detalhes médicos, o pânico da hereditariedade ou as siglas de genes mutantes. O que me interessa – e sempre me intrigou nessa atriz americana de ascendência alemã, eslovaca, canadense e holandesa – é sua personalidade. Se olharmos para sua biografia, a decisão de Angelina de fazer e anunciar a dupla mastectomia no jornal The New York Times tem tudo a ver com sua vida, nada convencional.
Não foi por seu desempenho profissional que ela ganhou a estatura de musa transcendental...

Alguns enxergam seu ato como coragem, outros como precipitação. Muitos acham sua cirurgia uma oportunidade valiosa para discutir abertamente um dos maiores medos das mulheres. Hoje, não fazemos só mamografias anuais, mas ultrassonografia e ressonância magnética das mamas. Conversei com um mastologista que se confessou surpreso com a quantidade de casos de câncer e a baixa idade de pacientes: “É como se fosse uma moda, uma onda”, disse ele.

A fama de Angelina e a repercussão de seu artigo ajudarão mulheres a conhecer métodos de prevenção e cura. Ou aumentarão a fobia feminina. A conclusão mais óbvia e sensata é: cada caso é um caso. A escolha de Angelina foi radical. Mas ela sempre foi radical.

Os pais se separaram quando era bebê. Aos 7 anos, estreou no cinema ao lado do pai, o ator Jon Voight, com quem brigou muito, até conseguir enfim remover seu sobrenome paterno na Justiça. Aos 14 anos, desistiu das aulas de teatro.

Queria ser agente funerária. Usava só negro. Pintou os cabelos de roxo. Definia-se como uma “garota punk com tatuagens”. Sofria surtos de depressão. Vivia se cortando, colecionava facas – e cicatrizes. Tem dois ex-maridos. No primeiro casamento, vestia calça de couro preta e uma camiseta branca. Escreveu o nome do marido na camiseta com seu próprio sangue. Revelou ser bissexual e gostar de relações sadomasoquistas.

Com o ator Brad Pitt desde 2005, estabilizou sua vida amorosa. Mas não se domesticou. Ela já tinha dois filhos adotivos, do Camboja e do Vietnã, e o casal adotou mais um na Etiópia. Angelina passou a liderar campanhas humanitárias, tornou-se embaixadora da ONU para refugiados. A primeira filha biológica de Angelina e Brad nasceu na Namíbia, em 2006, e foi batizada como Shiloh Nouvel.

Os filhos gêmeos, Knox Leon e Vivienne Marcheline, nasceram em Nice, na França, em 2008. O casal vendeu as fotos para duas revistas de celebridades por uma fortuna – US$ 14 milhões –, que afirmou ter doado à fundação beneficente Jolie-Pitt.

Hoje, Angelina tem sete tatuagens no braço, com as coordenadas geográficas dos lugares de nascimento de Brad e dos filhos. Aprendeu a pilotar aviões. “Voar”, afirmou, “é ainda melhor que sexo.” Ela prometeu que só casaria oficialmente com Brad quando o casamento homossexual fosse permitido em todos os Estados Unidos.

Diante de uma vida assim, a dupla mastectomia preventiva aos 37 anos, sem o menor sinal de câncer, não deveria surpreender tanto. É inútil enquadrar Angelina em algum padrão. 

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