segunda-feira, 20 de maio de 2013



20 de maio de 2013 | N° 17438
L. F. VERISSIMO

Gorila surreal

James Agee (1905-1955, segundo o Google) era um romancista, poeta, roteirista e crítico de cinema americano. Certa vez, ele descreveu uma cena de um filme do Gordo e o Magro (Oliver Hardy era o gordo, Stan Laurel o magro) que considerava uma síntese não só do humor da dupla como de todo o humor surrealista do cinema da época.

O Gordo e o Magro transportam um piano de cauda de um lado para o outro de um abismo, em cima de uma tábua estreita sobre a qual mal conseguem se equilibrar. Não se sabe de onde eles vêm e para onde vão e por que estão carregando um piano. A situação já é insólita mas ainda não é crítica, ou surrealista, o bastante.

Subitamente, vindo na direção contrária à deles na tábua estreita, aparece um gorila. Também não se sabe de onde saiu o gorila e por que está atravessando o abismo numa tábua estreita. Para Agee, a cena acontece num universo separado onde antecedentes e explicações são desnecessárias, ou apenas distrairiam a atenção da sua singularidade maluca. Como termina a cena? Infelizmente, ou o Agee não contou o fim ou eu me esqueci. Talvez, para não destoar da improbabilidade abstrata do resto, o gorila acabe tocando piano.

Quando os comediantes do cinema ainda não falavam (Oliver e Hardy falavam, W.C.Fields e Groucho Marx falavam até demais), discutia-se quem era o melhor, Charlie Chaplin ou Buster Keaton. Como trabalhavam em silêncio, a comédia dos dois dependia da sua dinâmica visual. A mecânica das situações era tudo, e seu desafio constante à inventividade levava ao surrealismo também constante, mesmo que os dois não se dessem conta disto.

Lembro de um curta do Buster Keaton que era, simplesmente, ele contra o vento, quase ele contra a natureza: uma ventania varre uma pequena cidade e vai derrubando todas as suas construções, e o filme todo é sobre Keaton sobrevivendo à tempestade nos vãos do cenário que cai à sua volta. Chaplin foi mais famoso, mas Keaton foi mais inventivo. Talvez soubesse que estava sendo surreal.

Mas eu queria escrever mesmo sobre os fatos insólitos da semana passada em Brasília, quando o governo pensava ter todos os votos para aprovar a tal nova lei dos portos e levar o piano tranquilamente para o outro lado do abismo, quando surgiu, vindo na direção contrária, o seu maior aliado, o PMDB, fantasiado de gorila da oposição.

Surreal, surreal.

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