sábado, 23 de março de 2024



22/03/2024 - 13h44min
Fabrício Carpinejar

Porto Alegre é uma cidade linda para quem chega, mas é mais bela ainda para quem volta

Quem retorna de longe, como eu, descobre o quanto estar perto do seu sotaque acalma o coração. Voltar de avião para a Capital é se emocionar com a constelação de luzes, as joias fosforescentes brilhando no cais, no rio, no pescoço das ruas.

Existe um livro muito delicado e tocante, A Máquina, de Adriana Falcão. A personagem principal é uma cidade, Nordestina, “longe que só a gota”, em que as pessoas partem e jamais voltam.

Como não havia retorno da migração, ninguém viu como era a cidade de trás para diante. É como se você não pudesse observar o avesso, as costas das casas, o pórtico do outro lado. Eu fiquei preso nesse raciocínio lírico. Porto Alegre é uma cidade linda para quem chega, mas é mais bela ainda para quem volta.

Porto Alegre cresce de importância e de volume pela distância. Quem morou em outro local, ao retornar, dificilmente vai conseguir fazer as malas de novo. É tomado por uma geografia emocional, inexplicável, ligando as pontas da sua existência.Voltar de avião para a capital gaúcha é se deslumbrar com o próprio nascimento, é se emocionar com a constelação de luzes, as joias fosforescentes brilhando no cais, no rio, no pescoço das ruas.

Eu diria, inclusive, que é um segundo nascimento, em que você opta por ficar para sempre, escolhe onde envelhecer e morrer. Aquele losango de suas margens cria um apego definitivo. Olhar de cima o seu berço natal gera um arrepio, como se você finalmente amadurecesse e entendesse o seu propósito. Sela as pazes com as suas origens, com os seus pais, com os seus obstáculos de formação.

Tem que tirar os sapatos, talvez para sentir melhor o contato com o solo, talvez porque suas raízes de repente cresceram. Você se lembra mais das pessoas que o fizeram feliz do que das pessoas que o magoaram. Percebe o que deixou e entende o quanto sente falta, o quanto guarda histórias marcantes em seus viadutos, pontes, escadarias, bares, restaurantes.

A retornança é a última peça do seu quebra-cabeça pessoal.

Se você, num momento da vida, quis ir a um ponto em que ninguém o conhecesse, agora precisa de um conforto onde todos o conhecem, onde não é obrigado a provar mais nada. Cansa ser anônimo em terra forasteira, por mais sucesso que alcance, por mais prosperidade que atinja. Cansa ter que se adaptar. 

Cansa ter que ceder. Cansa ter que explicar as piadas. Cansa ter que se igualar a uma cultura diversa, sufocar seus traços, amainar sua identidade, neutralizar seus gestos, baixar a voz. Residir fora é sempre mentir um pouco a respeito de si.

Não há sentido em partir se não possui um lar de referência para saber o tanto que andou no mundo. A estrada de ida não é a mesma da vinda. A percepção é oposta. Você apenas pertence a um lugar quando já o perdeu uma vez.

Quem volta de longe, como eu, descobre o quanto estar perto do seu sotaque acalma o coração.

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