terça-feira, 16 de janeiro de 2024


16 DE JANEIRO DE 2024
NÍLSON SOUZA

Pisc

Meu querido amigo e grande jornalista Moisés Mendes escreveu dia desses uma crônica deliciosa sobre a situação curiosa que involuntariamente protagonizou num shopping da zona sul de Porto Alegre. Ele estava sentado num dos bancos do corredor, esperando que sua mulher fizesse compras numa loja próxima, quando observou uma jovem caminhando decididamente na sua direção. Num primeiro momento, pensou que a garota passaria direto, mas ela parou na sua frente, estendeu a mão e mostrou-lhe uma nota de R$ 50.

- O senhor não troca para mim? - perguntou.

Moisés explicou que não tinha dinheiro. Depois de ver a mulher seguir adiante sem consultar mais ninguém, embora o shopping estivesse lotado, concluiu que sua aparência e seus cabelos brancos foram os motivos da abordagem. A menina deve ter imaginado que aquele cidadão, digamos, mais experiente era do tipo que carregava papel-moeda nos bolsos. Equivocou-se. O cronista contou que nem moedas leva consigo há bastante tempo.

Pois eu, que ainda mantenho o antigo hábito de andar sempre com alguns trocados, passei por uma situação igualmente desconcertante no mesmo shopping. Fui pagar uma compra com cartão, e a moça da caixa me disse que a loja não trabalhava com aquela bandeira. Resolvi, então, pagar em dinheiro. E aí tive a surpresa de ouvir o que alguns amigos me contam já terem ouvido em recentes viagens ao Exterior:

- Aqui também não aceitamos dinheiro!

Só não precisei devolver a mercadoria porque agora existe o Pix, que acaba de aposentar transferências bancárias por DOC (Documento de Ordem de Crédito) e TEC (Transferência Especial de Crédito). Os bancos decidiram sepultar oficialmente, no início desta semana, duas modalidades de pagamento que já vinham sendo abandonadas pelos usuários. A próxima vítima do Pix, admitem os especialistas, será o cheque - que, por incrível que possa parecer, ainda é bastante utilizado. Suspeito, inclusive, que o meu amigo Moisés, apesar do seu discurso moderninho, poderia muito bem estar carregando um talãozinho no bolso de trás da bermuda.

Seja como for, em breve nossas crônicas só falarão de moedas de metal, papel-moeda e cheques como coisas do passado. A geração digital já usa outra linguagem. Outro dia, no supermercado, vi um pai explicando à filhinha de aproximadamente cinco anos que não tinha dinheiro para comprar um brinquedo estrategicamente colocado ao alcance da criança. A garotinha encarou o pai e retrucou com firmeza:

- Faz um pisc! A vida é assim. É só a gente piscar e tudo muda.

NÍLSON SOUZA

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