quinta-feira, 11 de janeiro de 2024


11 DE JANEIRO DE 2024
TULIO MILMAN

Atlântida

Depois do Baronda, do Boliche, do Cine Mar, do Hotel Atlântida, do Hotel Xangri-lá, da asfixia do Farol de Capão da Canoa entre prédios bem mais altos e da Plataforma semidesmoronada, o minigolfe foi mais uma referência arquitetônica e afetiva varrida da paisagem. Sumiu.

Restam poucas testemunhas da História de Atlântida e de Capão.

No lugar do minigolfe, nasceu um belo empreendimento gastronômico e de entretenimento. Com uma roda-gigante, muito charmosa e iluminada. Tri bom pra bater fotos e postar no Insta.

Nada contra. Muito antes pelo contrário. Investir é uma forma de acreditar, e isso é bom. A vida muda, a gente muda. Penso, porém, que esses processos, de modo geral, não apenas em Atlântida, poderiam ser menos drásticos e radicais.

A razão aplaude. Empregos, impostos, diversão, boa comida, novos prédios, mais gente. Vou ser um animado frequentador do local, com certeza. E transmito aqui meus parabéns a quem olhou para a Praça de Atlântida e viu o futuro. Mas emoção cutuca o meu ombro. E pergunta: cadê? Quando a conversa entre a razão e a emoção fica truncada, é porque alguma ponte caiu.

Vamos, então, criar novas lembranças. Mais gourmetizadas e instagramáveis. Aqueles verões de silêncio, interrompido apenas pelos grilos e pelo coaxar dos sapos, seguirão me abanando, lá do passado. Mas ainda insisto: não precisa ser 8 ou 80. A razão e a emoção concordam.

O novo só existe porque havia algo ali. Não são pedras e tijolos e cimento e pedaços de ferro.

São afetos, lembranças, carinhos, amigos, amores, pingos de picolé e do doce de leite que caía dos churros fritos na hora, depois de esperar na fila da telefônica, com a mãe, com o Fabio e com a Noca, para falar com o pai, que estava trabalhando em Porto Alegre.

De fato, não pensei muito em um jeito de conciliar as coisas. Talvez deixando viva alguma parte, erguendo o novo sem precisar destruir tudo o que lá estava. Construir e destruir formam uma rima. Não um casamento.

Na virada do ano, passei pela casa dos meus avós, uma das primeiras de Atlântida. Construída na década de 1950, ainda está lá.

Foi reformada algumas vezes, mas mantém suas formas e sua elegância discreta.

Minha avó morreu há alguns meses, aos 103 anos. Ao passar pela frente da casa, senti o mesmo cheiro de torta de maçã que me acompanhou em todos os verões da minha vida. E vai continuar acompanhando. Não pude deixar de sorrir.

TULIO MILMAN

Um comentário:

nana disse...

parabens pela cronica e pela saudade que o paassaso desperta ,,, ele nbão nos deixa esquecer w e como disse guimarães rosa : se eu esquecer nada terá existido