terça-feira, 31 de outubro de 2023


31 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR

Uniforme alienígena

Ninguém inventa moda no desespero. Tira o foco. Chama atenção para o fútil num momento que exige um maior aguerrimento. O que foi aquele uniforme alienígena do Inter no final da rodada do Brasileirão?

De repente, a torcida colorada viu dois Coritiba em campo. Dois times de verde. Parecia treino no Couto Pereira. A multidão que vinha no embalo de duas vitórias, oferecendo apoio incondicional para subir na tabela, enchendo o Beira-Rio com mais de 30 mil pessoas novamente, querendo ver sua representação tradicional em campo, não entendeu a combinação de verde e preto. Ela se viu desrespeitada.

O desejo é por títulos, não para ostentar estilistas ou difundir coleções. O que nos interessa é a grife da vitória.Tem hora para tudo. Não tem sentido descaracterizar o manto por marketing, promovendo uma linha de produto no meio de uma corrida frenética para se recuperar na disputa.

A passarela não pode estar acima das cores do clube. E logo depois de uma desclassificação incompreensível na semifinal da Libertadores, de um baque profundo, de uma tristeza irreversível.

É uma imensa trivialidade, uma postura um tanto sem noção, é subir no ringue de fraque. Dentro de casa, o time tem que jogar com fardamento principal. Que o adversário surja com seu segundo uniforme.

São as regras da fidalguia. Foi-se o tempo da TV em preto e branco, que nos obrigava a diferenciar estampas monocromáticas. Inter é vermelho e branco. Grêmio é azul, preto e branco. Qualquer variação deve seguir o básico, não fugir da matriz da bandeira.

Quando visitante, admite-se a segunda opção. Camisas de exceção só em partidas festivas ou em protestos (como a campanha encampada por Taison contra o racismo ou o Outubro Rosa para prevenção de câncer de mama).

A simplicidade é um aviso de que a competição está sendo levada a sério. Excesso de balacas demonstra salto alto. O lançamento fora de época e de contexto não serviu para nada, apenas para confundir e dispersar a mobilização.

Quem agora vai comprar uma camiseta zicada? Uma camiseta do fiasco, que encarnou a derrota em casa para o penúltimo colocado? Uma camiseta que talvez seja o fim da arrancada para uma vaga na Libertadores? Uma camiseta que mais se assemelhou a uma urucubaca? Uma camiseta que é a aceitação amarga da Sul-Americana como único destino no ano?

Inter jogou de modo tão esquisito que lembrava mesmo um outro time, encontrava-se absolutamente desfigurado. A aparência espúria entregou a dispersão, a falta de comprometimento.

Nem vermelho tinha. Nem um detalhe em vermelho. Nem uma gola rubra. Assumirá o posto de símbolo de aversão nas lojinhas. Mais do que a brega dourada do centenário, que só deu azar. Inter não perdeu pela camisa, mas tampouco honrou sua camisa.

Minha família é dividida entre gremistas e colorados. Eu e Carla colorados, Rodrigo, Miguel e pai gremistas. Mãe ficou em cima do muro, mas ela se mostra mais inclinada para a Arena do que para a Padre Cacique. Rodrigo, gremista devoto, está lançando seu primeiro livro hoje, Insana Lucidez, na Livraria Santos, às 19h, no Barra Shopping. Apareça por lá para ver nosso amor ecumênico.

CARPINEJAR

31 DE OUTUBRO DE 2023
ARTIGOS

EQUIDADE NA PREVENÇÃO DO CÂNCER

A cada mês, as cores alusivas ao câncer funcionam como propulsoras do debate sobre os diferentes tipos da doença. Se em outubro o rosa ganha destaque em uma campanha global de conscientização do câncer de mama, em novembro o azul exerce um papel essencial na promoção da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata. Aliás, os números são alarmantes: somente no Brasil, por ano, mais de 704 mil novos casos de câncer devem ser diagnosticados até 2025.

No debate sobre prevenção, a equidade emerge - ou deveria emergir - como um fator crucial. Há muito tempo, enfatizamos a importância da prevenção na redução dos casos de morte por câncer. Isso se torna ainda mais significativo quando se trata da prevenção primária, centrada na promoção de comportamentos saudáveis e na educação sobre fatores de risco, como a importância de uma alimentação balanceada e a prática regular de exercícios físicos.

Ao examinarmos a literatura científica, é evidente o desafio de levar uma vida saudável. Os adultos deveriam praticar de 150 a 300 minutos por semana de exercícios físicos, consumir mais frutas, vegetais e grãos, e limitar o consumo de carne vermelha, açúcar e alimentos ultraprocessados. Claro, isso não é impossível, mas será que todos conseguem colocar em prática?

Trabalhadores com jornadas de trabalho extenuantes conseguem encontrar tempo e recursos para praticar exercícios físicos de qualidade? A população tem igualdade de acesso a uma alimentação saudável? Essas são questões relevantes quando se aborda a promoção de hábitos saudáveis, pois muitos enfrentam desafios diários que dificultam a adoção desse estilo de vida.

É preciso sim conscientizar sobre a importância da prevenção do câncer, mas a promoção de comportamentos saudáveis deve ser acompanhada por esforços para tornar essas opções mais acessíveis e viáveis para todos. A equidade na saúde é fundamental para assegurar que cada indivíduo tenha a oportunidade de levar uma vida saudável e reduzir o risco de desenvolver câncer. E políticas públicas e programas de educação em saúde desempenham um papel crucial na criação de um ambiente propício para a equidade na prevenção do câncer.


31 DE OUTUBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

SINALIZAÇÃO RUIM

Foi desastrosa a manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sexta-feira sinalizando que não haverá maior esforço do governo para ter déficit primário zero em 2024. Tratava-se de um compromisso recentemente assumido pelo próprio Executivo, incluído no novo marco fiscal, aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula há apenas dois meses.

A declaração do presidente indica pouca preocupação com a saúde das contas públicas e, por tabela, pode se refletir no comportamento do próprio parlamento. Se a figura que deveria ser a maior interessada no equilíbrio fiscal relativiza a importância de igualar receitas e despesas, que motivação teriam deputados e senadores para se engajarem nas pautas do governo voltadas a elevar a arrecadação e abrirem mão de propostas populistas que aumentam despesas ou renúncias?

As palavras de Lula, ademais, desautorizaram o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que até aqui, ao menos nas falas públicas, mantinha-se firme no propósito de buscar o déficit zero. O perigo é que, enfraquecido, Haddad perca a credibilidade perante os agentes financeiros por parecer que tende a perder a maior parte das quedas de braço no governo para a ala política.

Crescia nas últimas semanas a percepção do mercado financeiro de que o déficit zero no próximo ano não seria factível devido a aumento de despesas, frustração de receitas e incerteza sobre aprovação de medidas voltadas a elevar a arrecadação. O Boletim Focus, do Banco Central (BC), projetava ainda na semana passada déficit primário de 0,75% em relação ao PIB. Mesmo assim, a postura de insistir em que era possível alcançar a meta indicava ao menos a existência de um esforço direcionado para alcançar os objetivos. Mas quando o próprio presidente joga a toalha, a consequência natural é deterioração das expectativas.

O resultado, ainda na sexta-feira, foi um movimento brusco de queda da bolsa logo após a declaração de Lula, acompanhado de alta do dólar e dos juros futuros. O movimento prosseguiu ontem após Haddad, em entrevista coletiva, não assegurar mais ser possível déficit zero. Para o ministro, Congresso e Judiciário teriam de colaborar com o governo para o cenário mais provável ser revertido.

Lula não quer cortar gastos, por exemplo, em obras do PAC. Ainda mais pelo fato de 2024 ser um ano eleitoral. O que o presidente parece outra vez não querer enxergar é que, ao apontar para o descompromisso com as finanças, amplia o risco de recrudescimento da inflação e de o ciclo de corte do juro não alcançar o patamar desejado. A declaração infeliz de Lula também acontece às vésperas de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Não se cogita que mude a decisão esperada de cortar a taxa Selic em mais 0,5 ponto percentual, para 12,25% ao ano, mas o desconforto quanto ao que poderá ocorrer em um horizonte mais largo pode aparecer no conteúdo do comunicado e na ata da reunião.

Desaponta o presidente não ter aprendido que a gastança cria apenas crescimentos ao estilo voo de galinha. A médio e longo prazo, alimenta a inflação e o juro, o que é péssimo para economia e para a população mais pobre, aquela parcela que Lula diz querer proteger.


Batalhão grisalho

E o nosso Rio Grande velho, vejam só, é o Estado brasileiro com o maior número de velhos. Ops! Velhos, não! Idosos. Idoso também é dose. Às vezes, muitas doses. Overidoses, se é que me permitem o trocadilho ruim. E não apenas de remédios. Também de preconceitos, de humilhações e até mesmo de exploração por estranhos e familiares. Leio aqui que idosos são o alvo preferido dos golpistas digitais. Vejo na TV que velhinhos eram maltratados numa clínica clandestina. Sei de inúmeros casos em que filhos e netos já bem grandinhos continuam mamando na aposentadoria dos avós.

Ainda assim, o batalhão da terceira idade resiste bravamente. Veja-se os números oficiais do Censo Demográfico divulgados na semana passada pelo IBGE: em 2022, no ano passado, portanto, havia 2.193.416 idosos no Estado - 20,15% da população -, um aumento de 50,27% em relação ao Censo de 2010, quando o RS tinha 1.459.597 (13,65% da população) com mais de 60 anos.

E aqui está o primeiro pomo da nossa disconcordância, como diria o prefeito Odorico Paraguassu (se você tem mais de 60, certamente sabe quem foi ele). Pois 60 anos é lá idade de velho? Nem aqui nem na China, dá vontade de responder. Mas tanto aqui quanto na China continua sendo esse o limite etário legal para alguém ser "acusado" de idoso. Em vários outros lugares do mundo, tanto devido à maior longevidade das pessoas sadias quanto por questões econômicas e previdenciárias, este limite vem sendo ampliado. Mas basta o indivíduo sexagenar que já começa a ser olhado com desconfiança pelos mais jovens - ressalvadas as exceções sensatas, evidentemente.

E a primeira manifestação de menosprezo costuma ser a forma de tratamento. Velho é a pior, expressa algo ou alguém que não serve mais, que deve ser deixado de lado. Idoso é o termo oficializado pela legislação e o mais aceito socialmente, mas também tem lá o seu lado pejorativo. Sênior tem trânsito no ambiente empresarial, mas sempre passa a impressão de que o detentor do título pomposo está prestes a ser aposentado ou demitido. 

Terceira idade não só indica que existe uma primeira e uma segunda na frente, portanto merecedoras de maiores atenções, como também coloca no mesmo barco (de Caronte?) os recém-encanecidos e os centenários. Melhor idade, cá pra nós, só não é mais infame do que senhorzinho e senhorinha.

Qual a saída, então? Ora, todos os senhores e senhoras que conheço, e mesmo os que não conheço, têm nomes próprios, independentemente de suas idades.

NÍLSON SOUZA 

31 DE OUTUBRO DE 2023
CHAMOU ATENÇÃO

Homenagem a uma campeã

A oitava edição da Virada Sustentável em Porto Alegre terá seu primeiro ato na entrada da Capital. Ao longo dos primeiros dias de novembro, ainda antes do dia do evento inicial, marcado para dia 8, será possível ver o artista Kelvin Koubik pintando um mural de 50 metros de altura da ex- ginasta e campeã mundial Daiane dos Santos. A obra de arte vai embelezar a fachada lateral do prédio da Fecomércio, que fica ao lado da elevada da Conceição, em um dos principais acessos à cidade.

Segundo o artista porto-alegrense de 34 anos, o projeto surgiu a partir de uma pesquisa sobre a história da ginástica no Brasil e conversas com a própria Daiane. Em 2023, o título mundial da ginasta gaúcha, conquistado ao som de Brasileirinho em solo norte-americano, completa 20 anos.

Ouro

Daiane foi a primeira brasileira a vencer uma competição olímpica de ginástica e a primeira atleta negra a conquistar o ouro na modalidade.

- Quando conversamos, eu sentia que já conhecia ela, pois pratiquei ginástica na infância e ela já era destaque nacional na época. Meu mural tenta contar uma história. Não como um documentário ou um livro, pois cabe menos coisas, mas acho que consegui entrar na história dela com o projeto que foi aprovado - conta Koubik, que pintou um mural de José Lutzenberger no prédio do IPE para a Virada Sustentável de 2022.

Além da medalha histórica, o mural de Daiane trará outras referências à trajetória da atleta.

ROGER SILVA


31/10/2023 - 08h00min
Jaime Bettega

Qual é o teu propósito? 

Sentir medo é até normal, mas deixar que ele tome conta, ao ponto de anestesiar a criatividade é preocupante

Bom Dia! Acordando aos poucos... Os pensamentos são sempre insistentes... Último dia do mês de outubro... Sejamos agradecidos pela vida e sempre confiantes no Senhor da vida... No tempo que passa, o coração vai aumentando o acervo dos sentimentos... Feliz dia! 

"Mesmo as árvores que não dão frutos podem dar sombra. A vida não é feita de um único propósito." (Fabrício Carpinejar). 

Sempre atento às flores, consegui encontrar um ipê amarelo que era só flores. Inexplicável. Com as variações do clima, alguns ipês floresceram mais tarde. É um verdadeiro espetáculo, pois as folhas só surgem depois da floração. Quando as flores se despedirem, as folhas surgirão viçosas. Os ipês não dão frutos, mas oferecem flores e, depois, uma bela sombra, além de servir de abrigo para os pássaros. Em tempos de especialização, é bom recordar que ser multifuncional é uma grande vantagem. A vida não é feita de um único propósito, mas de muitas funções.    

Qual é o teu propósito? Não existe uma única resposta, pois os humanos são capazes de abraçar mais do que um sonho, mais do que um propósito. Admiro as pessoas que sabem fazer de tudo um pouco, que se interessam em abrir o leque das muitas possibilidades. Quem se fecha num único propósito é capaz de findar seus dias na solidão. O ser humano tem muitas habilidades e infinitas possibilidades, é capaz do pouco mas também do muito. 

As árvores que não dão frutos ofertam uma sombra espetacular. É importante despedir-se de um mundo pequeno, sem horizonte e sem expectativa. Faz bem observar como muitas pessoas sabem fazer de tudo um pouco, e estão sempre atentas para aprender coisas novas. Outras pessoas se acomodam ao ponto de não aceitar abraçar um novo desafio, acabam se escondendo no próprio medo de arriscar. 

Sentir medo é até normal, mas deixar que ele tome conta, ao ponto de anestesiar a criatividade é preocupante. Gosto de pessoas que fazem mil coisas ao mesmo tempo e estão sempre abertas para aprender algo novo. A vida não é feita de um único propósito, pode-se realizar muitas coisas e sair da acomodação e da indiferença. 

O ipê pode não dar frutos, mas oferecem lindas flores e, na sequência, nos presenteiam com uma extraordinária sombra. Bênção! Paz & Bem!  Santa Alegria! Abraço!

segunda-feira, 30 de outubro de 2023


30 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR

O fim do fim de"Friends"

Friends nunca mais terá continuação.

O ator americano Matthew Perry, que interpretava Chandler, foi encontrado morto neste sábado, em sua casa, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Perry é o primeiro dos seis protagonistas da série a falecer, encerrando o sonho nostálgico de uma sequência.

Friends, para seus fãs, era como se fosse uma banda de rock, os Beatles da comédia romântica, em que três homens e três mulheres enfrentavam as provações da autonomia, os altos e baixos dos amores no bairro nova-iorquino de Greenwich Village, na ilha de Manhattan. Tinham entre 20 e 35 anos, e se reuniam sempre na cafeteria Central Perk, lutando para manter a cumplicidade e a lealdade ao longo dos testes do tempo.

Assim como o quarteto de Liverpool, o sexteto - formado por Matthew Perry, Jennifer Aniston, Lisa Kudrow, Courteney Cox, David Schwimmer e Matt LeBlanc - brilhou por 10 anos. Foram 236 episódios em 10 temporadas mágicas na rede NBC, gravadas entre 1994 e 2004, que resultaram em seis prêmios Emmy, um Globo de Ouro e dois SAG Awards.

Para se ter noção da popularidade da sitcom, antes mesmo do apogeu das redes sociais, o episódio final recebeu a audiência de 52,5 milhões de americanos.

Chandler Bing era o espírito do John Lennon do grupo, o irônico, o ansioso, o sonhador. O que falava demais, o que amava demais, o que se arrependia demais, o que reclamava demais do seu emprego. Chandler influenciou decisivamente uma geração, que adotou seus maneirismos descolados, suas roupas grunge, seu humor depressivo.

Quem não aprendeu inglês com ele? Quem não partilhava o ódio pelo emprego, a necessidade de se sustentar, de ser adulto, de ser responsável não fazendo aquilo de que gostava? Quem não tinha traumas com antigas namoradas? Quem não ficou em dúvida se era uma boa ideia casar-se com amiga?

Zombado pelos colegas que não entendiam ao certo qual a sua ocupação profissional (processamento de dados) e sem ter como exercer o seu dom (história em quadrinhos), ele representava a síntese angustiada de uma juventude buscando sua emancipação.

Para Chandler existir, Perry pagou caro.

Na autobiografia Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível: as Memórias do Astro de Friends, publicada no final de 2022, o ator confessou ter atravessado 14 cirurgias no estômago. Tomava diariamente 55 comprimidos de Vicodin, um analgésico à base de opioide, para suportar a rotina de gravações, e o vício do álcool o levou a acumular 15 internações de reabilitação.

Em seu balanço de trajetória, constatou que passou mais da metade de sua vida em clínicas de tratamento. Já a outra metade foi no estúdio.

Alcançou o maior triunfo de uma carreira: fazer um personagem inesquecível, a ponto de a ficção ser maior do que a sua realidade. Virou ator de um único papel, sua bênção e sua maldição, seu paraíso e seu inferno, sua loteria e sua falência.

Todos conheciam Chandler, nem todos conheciam Matthew Perry. Ninguém se esquecerá de Chandler. Mas quem se lembrará de Matthew Perry?

CARPINEJAR

30 DE OUTUBRO DE 2023
CÍNTIA MOSCOVICH

Só tinha de ser com você

No meio de um mundo que parece ter enlouquecido de vez, uma pérola de pura delicadeza e alegria - e que serve como um lenitivo para tanta tristeza - pode ser assistida nos cinemas de todo o país.

Elis & Tom: Só Tinha de Ser com Você é o documentário de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay que mostra momentos essenciais da gravação do lendário álbum Elis & Tom, de 1974, que fez sucesso internacional e que marcou a carreira não só de Elis Regina e Tom Jobim mas da história da MPB. (A abertura do longa traz o registro das orientações que o maestro dá a Elis para interpretar Águas de Março, dueto que se tornaria um emblema do nosso melhor.)

Trabalhando como empresário de Elis Regina à época, Roberto de Oliveira conta que teve a ideia de promover o encontro entre ambos e logo a produção de um disco, que seria presente da gravadora Polygram a Elis por seus 10 anos de casa. 

Havia empecilhos, a começar pela desinteligência entre os dois artistas, que tinham concepções musicais muito distintas, e que poderia levar a empreitada ao fracasso - e quase levou. Trabalho aceito e pontas mais ou menos arredondadas, decidiu-se que o álbum seria gravado em Los Angeles, onde Tom morava. Ao chegar nos Estados Unidos, Oliveira percebeu que estava diante de um evento histórico e decidiu filmar as gravações, iniciativa que rendeu um making of precioso, cujo valor documental é difícil de estimar. 

Feitas com uma sensibilidade muito grande, essas gravações se detêm em momentos capitais do disco, nuances do processo que revelam a busca de ambos pela expressão perfeita, a felicidade do encontro desses dois gênios (embora ela não apreciasse lá muito a bossa nova) e, mais do que tudo, a sensação de absoluta transcendência que era/é evocada ao se escutar Elis cantando e Tom tocando. 

Por quase 50 anos, Oliveira guardou mais de cinco horas de registros, dando a conhecer esporadicamente alguns trechos das gravações. Para realizar o filme no formato de documentário, o material passou por um tratamento apurado de imagem, e o som foi retrabalhado com inteligência artificial, que o deixou mais claro e limpo.

A bem de compor a história desse álbum, o filme ouviu instrumentistas que tocaram no disco (alguns que sofreram não pouca resistência por parte de Tom), ex-executivos da gravadora Polygram e profissionais da técnica. Cesar Camargo Mariano, André Midani e Roberto Menescal contam como se desenrolou o trabalho e como os percalços, que não foram poucos, surgiram e foram sendo superados. O resultado é um filme que os espectadores aplaudem durante a projeção, sinal de que a genialidade resiste ao tempo.

CÍNTIA MOSCOVICH

30 DE OUTUBRO DE 2023
CLAUDIA LAITANO

Amigos

"É muito estranho viver em um mundo em que, se você morrer, as pessoas ficarão chocadas, mas não surpresas", diz Matthew Perry a certa altura do livro Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível, lançado há um ano. Depois de passar boa parte da vida adulta lidando com dependência química, depressão e dezenas de tentativas frustradas de desintoxicação, o ator de Friends considerava-se um sobrevivente: "Eu deveria estar morto". No prefácio, Lisa Kudrow diz que perdeu as contas de quantas vezes ouviu a pergunta "como está o Matthew Perry?" ao longo dos últimos anos.

Direta ou indiretamente, a "coisa terrível" mencionada no título do livro cobrou a fatura no último sábado. Pode-se dizer que os fãs perderam um ídolo ou que a televisão perdeu um ator com um timing perfeito para a comédia. Pra mim, a sensação é parecida com a da perda de um velho amigo. Alguém com quem convivemos desde a juventude e que envelheceu conosco. Alguém que nos fez rir, durante quase 30 anos, das mesmas piadas bobas, reprisadas em looping desde que o último episódio da série foi ao ar, há 19 anos. Alguém que nossos filhos consideram "cringe", mas engraçado.

Matthew Perry escreveu suas memórias sem a ajuda de um ghost-writer, abordando com franqueza brutal os problemas mais graves, mas sem deixar de notar o lado cômico de algumas situações (quase conseguimos ouvir a entonação de Chandler fazendo piada consigo mesmo em alguns trechos). O ator conta que se identificou com o personagem assim que leu o roteiro da série: "Não é que eu achasse que poderia interpretar Chandler, eu era o Chandler". 

Criador e criatura vinham de famílias complicadas, sentiam-se socialmente inadequados e aprenderam a usar a ironia como escudo e tábua de salvação. Perry emprestou sua maneira de falar, sua fragilidade e até seus bordões ("poderia ser mais engraçado?") para que Chandler se tornasse não apenas um dos personagens mais queridos da turma, mas aquele que com mais naturalidade encarnou a pegada cômica da série.

Há dois anos, os seis atores de Friends voltaram a se reunir na TV. Os fãs aguardavam alguma espécie de reencontro, talvez até uma continuação da história, desde o fim da série. Em vez de retomar personagens ou recauchutar piadas antigas, os produtores optaram acertadamente pelo registro documental. Para o elenco e para os fãs, Friends: The Reunion (HBO) acabou sendo uma amorosa celebração da nostalgia.

Com o especial (em 2021) e a publicação do livro de memórias (em 2022), Matthew Perry saiu de cena acertando as contas com o próprio passado. Depois de tantos saltos mortais, uma aterrissagem surpreendentemente firme sobre os dois pés.

CLÁUDIA LAITANO

30 DE OUTUBRO DE 2023
INFORME ESPECIAL

Não são só os livros Um relicário de festas retrô

Até São Pedro ajudou. A chuva que estava prevista não caiu, e o reencontro de Porto Alegre com a Feira do Livro foi como manda a tradição: com corredores lotados, cheirinho de pipoca estalando no ar e conversa animada. Estive lá.

Tirei o sábado para caminhar pela Praça da Alfândega e prestigiar o evento. Abracei amigos, vi uma exposição linda (leia a nota "Tributo aos grandes escritores", ao lado) e curti cada segundo.

Enquanto bebia um chope cremoso (um brinde, David!), fiquei me perguntando: o que, afinal, tem de tão especial aqui? Acho que descobri.

Não são só os livros. É o clima. O ambiente. Ali, sob os velhos jacarandás, Porto Alegre se transforma. O tempo para - ou são as pessoas que dão um jeito de arranjar tempo para parar, não sei. Quem vai à feira, vai para caminhar numa praça arborizada, que lembra um pouco o Interior - ou uma Capital que já não existe mais.

Quem vai, vai sem pressa. Caminha a esmo entre as bancas e - acredite! - até compra livros.

As pessoas esbarram-se pelos caminhos, não por estarem absortas na tela do celular. Estão "perdidas" naquele universo paralelo em pleno Centro Histórico. É um momento para passear com os filhos, rever os amigos e se reconectar à cidade.

Ali, entre livreiros, pipoqueiros, vendedores de cata-ventos e de algodão-doce, a metrópole de concreto parece ser mais acolhedora. A feira tem alma. Talvez seja isso. E todos são bem-vindos.

Não se surpreenda se, ao passar pelo número 1.003 da Avenida João Pessoa, uma das mais movimentadas da Capital, encontrar carros antigos, um tapete persa na calçada, lustres decorados e pessoas com roupas de época.

É que o Relicário Café, espécie de passagem secreta para o passado, decidiu inovar outra vez. Como já contei aqui, o lugar é uma mistura de antiquário, sebo, brechó e cafeteria. Agora, também vai promover eventos "como antigamente".

- Queremos fazer algo diferente na cidade - diz Silvana Fiorin, ao lado do marido, Sérgio Hoch, e da filha, Júlia (foto).

A estreia será hoje, no aniversário de um ano do espaço, que tem mais de 10 mil itens garimpados a dedo e conservados com esmero, em ambientes decorados em estilo retrô. Olhando de fora, você não imagina tudo o que há lá dentro.

A festa, cujos ingressos se esgotaram em uma semana, terá jantar imersivo, anfitriões e convidados em trajes de outrora, músicos tocando piano, violino e saxofone, uma cantora lírica e até direção artística - tudo para garantir uma experiência única.

Para saber mais sobre o lugar e os próximos eventos, é só seguir @orelicariocafe no Instagram.

JULIANA BUBLITZ

domingo, 29 de outubro de 2023

MPF dá 15 dias de prazo para Banco do Brasil decidir se pede desculpas por escravidão

Discussão envolve inquérito civil público sobre o papel do Banco do Brasil e de seus acionistas na escravidão e no tráfico negreiro durante o Império

Discussão envolve inquérito civil público sobre o papel do Banco do Brasil e de seus acionistas na escravidão e no tráfico negreiro durante o Império

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Agência Estado
Uma reunião inédita aconteceu na sala 605 da sede da Procuradoria Regional da República, no Rio de Janeiro. Na manhã desta sexta-feira, dia 27, advogados do Banco do Brasil se encontraram com representantes de dois ministérios - Direitos Humanos e Igualdade Racial -, historiadores e com procuradores a fim de discutir em um inquérito civil público o papel do Banco do Brasil e de seus acionistas na escravidão e no tráfico negreiro durante o Império (1822-1888). Trata-se da primeira investigação deste tipo no Brasil.

Ao término do encontro, foi feita uma ata à qual o Estadão teve acesso e na qual ficou estabelecido: o banco terá 15 dias úteis, contados a partir de hoje, para se manifestar sobre o reconhecimento de sua participação no tráfico de pessoas escravizadas e na escravidão, bem como sobre o pedido de desculpas, e se tem interesse em construir um plano de reparação em relação ao período.

Ao mesmo tempo, os historiadores envolvidos no caso deverão apresentar, até o dia 31 de novembro, as teses já publicadas sobre o tema para que o banco tome conhecimento dos documentos por meio do Ministério da Igualdade Racial. Por fim, o banco deve apresentar as medidas que pretende adotar sobre o tema, bem como sobre o financiamento de pesquisas sobre o passado e como fazer a inclusão racial em sua estrutura. Por fim, o MPF pediu uma reunião com a presidente do banco, Tarciana Medeiros. Uma audiência pública deve acontecer no dia 18 para tratar do tema.

Os procuradores pretendem "buscar mecanismos de justiça que assegurem a eventual reparação necessária aos descendentes dos negros africanos escravizados, em todos os âmbitos". Para o MPF, embora a reunião tenha sido um avanço, há ainda obstáculos para o acordo. "A reunião foi histórica, pois representou a oportunidade de os ministérios, o MPF, os pesquisadores e a sociedade civil juntarem esforços para enfrentar esse tema", afirmou o procurador da República Júlio José Araújo Junior.

Ele prosseguiu, afirmando: "É lamentável, porém, que o Banco não tenha dado a devida importância ao tema, pois a presidente não compareceu e os presentes não assumiram qualquer compromisso concreto pra avançar na discussão. Ao contrario, eles insistiram na ideia de que o banco já faz muito em torno do tema, esquecendo-se que o reconhecimento da participação do tráfico e na escravidão deveria ser constitutivo de uma nova relação do banco com a sociedade brasileira. Espero que o tema avance nos próximos 15 dias".

O Estadão procurou o Banco do Brasil. Em um longo posicionamento, a instituição afirmou que "o BB destaca - com veemência - que lamenta profundamente esse infeliz capítulo da história da humanidade e da nossa sociedade, com efeitos de um triste legado até os dias atuais". "A escravização por centenas de anos causou danos irreversíveis às pessoas escravizadas à época e aos seus descendentes; portanto é um momento da história que deve ser lembrado e discutido."

Em um outro documento, - com 14 páginas -, entregue ao MPF, o Banco do Brasil afirmou que, "no exíguo prazo e dadas as condições do acervo pesquisado, a exploração em curso no Arquivo Histórico do Banco do Brasil alcançou documentos datados de até 1858, sendo possível afirmar que, pelo tipo de informações constante desses documentos, são escassos os subsídios acerca da perspectiva abordada nos autos".

O documento afirma ainda que "ao mesmo tempo, a pesquisa em curso (do banco) revela aspectos a serem considerados em uma revisão histórica que venha a ser realizada, como a possível relação do banco com sujeitos os mais diversos, inclusive abolicionistas de destaque no cenário nacional, que também podem ter sido integrantes de seu quadro de acionistas". O Banco listou alguns desses abolicionistas.

Entre eles estariam Rodrigo Augusto da Silva, autor da Lei Áurea; Afonso Pena; advogado, político, presidente do banco e do República; José Maria da Silva Paranhos, o visconde do Rio Branco; a Condessa de Barral, preceptora das princesas imperiais; o primeiro-ministro Lafayette Rodrigues Pereira, durante o 2º Império e, por fim Tereza Cristina, imperatriz do Brasil.

Para o banco, "não é a questão de existir qualquer conexão, ainda que indireta, entre suas atividades e escravizadores do século XIX, que define seu compromisso com o combate à desigualdade étnico-racial, mas o simples fato de ser uma instituição da atualidade, que, como as demais instituições públicas e privadas, desenvolve suas atividades no âmbito de uma sociedade que guarda resquícios da escravidão"..

Por fim, a defesa do BB afirmou que fechou a torneira para lavouras com mãos de obra escravizada e financiou as que tinham mão de obra assalariada e convocou outros atores da sociedade para o debate. "O triste legado da escravatura convoca todos os atores sociais contemporâneos a agir para a promoção da igualdade étnico-racial, a contribuir por meio de ações concretas, como as que o Banco já desenvolve de modo pioneiro voluntário e destacado, e que serão exemplificadas adiante".

O banco ainda afirmou ser importante registrar que, "independentemente da identificação ou não de qualquer vínculo entre o Banco do Brasil e acionistas ou tomadores de crédito supostamente envolvidos com a escravidão e o tráfico ilegal de pessoas escravizadas, nos termos sugeridos nos autos do inquérito civil - o que, ressalta-se desde já, não implicaria necessariamente ilegalidade praticada pelo banco à época, ou possibilidade jurídica de responsabilização do BB de hoje".

O Banco alega que não podia tomar decisão na reunião sem acesso aos documentos históricos. "O Banco age e tem interesse em continuar a agir em prol da promoção da igualdade étnico-racial, bem como em contribuir, com a disponibilização de acesso às suas informações, para a busca da verdade histórica acerca de um passado que, conforme os representantes, mostra-se 'comum a instituições seculares, mas igualmente a todos os brasileiros e brasileiras', devendo ser promovido 'a lugar de memória e reflexão histórica'".

Em seguida, o banco passou a listar suas iniciativas em prol da igualdade racial. Em 27 de julho, o BB e o Ministério da Igualdade Racial celebraram um protocolo de intenções para combate e superação do racismo e promoção da diversidade e da equidade. "Prevemos uma cooperação para fixar diretrizes e ampliar ações afirmativas de raça e gênero com inclusão e valorização das mulheres negras no país, a partir do fomento a ações de formação e capacitação de jovens negras e periféricas e ingresso de jovens negras no mercado de trabalho".

Em agosto, segundo o banco, o BB se tornou embaixador de movimentos relevantes do Pacto Global da ONU no Brasil, relacionados à igualdade social, a gênero e a trabalho decente, bem como assumiu o compromisso. Em um dos 12 compromissos públicos e com metas concretas na agenda ASG, o banco tem a meta de chegar a 30% de pretos, pardos, indígenas e outras etnias sub-representadas em cargos de liderança até 2025. "Em março de 2023, o Banco do Brasil já alcançou a meta de 23% de pretos e pardos em cargos de gestão sênior previstos para 2025."

Por fim, o Banco afirmou que deixava de entrar, neste momento, "em discussões histórico-jurídicas que, apesar de necessárias para uma abordagem ampla e profunda dos questionamentos trazidos por essa procuradoria, poderiam culminar em complexo e longínquo debate jurídico". "O objetivo primordial do Banco do Brasil é continuar a contribuir de maneira cada vez mais pronunciada, no quanto se mostrar necessário e nos limites das suas regras de governança, para a finalidade maior perseguida nesse inquérito civil, que é a busca da verdade histórica e da igualdade étnico-racial."

Inteligência artificial não é nem inteligente nem artificial, diz Nicolelis

Público lotou auditório no Espaço Força e Luz para ouvir o escritor e neurocientista Miguel Nicolelis
Público lotou auditório no Espaço Força e Luz para ouvir o escritor e neurocientista Miguel Nicolelis
NÍCOLAS PASINATO/ESPECIAL/JC
Enquanto os corredores da 69ª Feira do Livro de Porto Alegre apresentavam um intenso movimento de pessoas interessadas nas diversas obras espalhadas pelas bancas na Praça da Alfândega durante o fim da tarde deste sábado, próximo dali, no Espaço Força e Luz, localizado na Rua dos Andradas, um público atento comparecia ao bate-papo com o escritor e neurocientista Miguel Nicolelis.

Mediado pelo escritor, professor, colecionador de arte e médico oncologista Gilberto Schwartsmann, o encontro bastante concorrido, que lotou o auditório Barbosa Lessa, debateu os mais diferentes temas. Entre eles, um assunto que tem provocado preocupação em Nicolelis: o da inteligência artificial.

A IA não é inteligente, segundo ele, em razão da definição clássica da ciência que diz que inteligência é propriedade emergente dos seres vivos e da sua interação com o ambiente e com outros seres vivos. E não é artificial, basicamente, por ser feita por humanos. “Para a inteligência artificial funcionar, existe um exército de 50 mil ‘caras’ por trás”, cita, exemplificando recorrentes casos de moderadores de conteúdo fixados em países africanos que enfrentam problemas psiquiátricos ao ter que lidar e filtrar cenas de extrema violência que chegam todos os dias nas redes sociais.

O neurocientista afirma ser admirador de todo o arcabouço científico, estatístico e matemático da IA, o que lhe incomoda é o marketing por de trás dessas plataformas, que, geralmente, supervaloriza as capacidades dessas novas ferramentas. Ele cita como exemplo o movimento dos carros autodirigíveis, amplamente exaltados pelas marcas, mas pouco debatidos no que se refere à responsabilização de possíveis acidentes causados a partir da inovação.

Durante o bate-papo, Nicolelis lembrou da sua atuação durante a pandemia de Covid-19, quando saiu em defesa de adoção de medidas de isolamento social da população e se transformou em uma das principais vozes de combate à desinformação. Na época, foi coordenador do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, auxiliando os governadores dos estados para a criação de políticas públicas para o enfrentamento da pandemia até que pediu para sair quando sentiu que não estava mais sendo escutado pelos agentes públicos. “Dessa experiência, uma das coisas que aprendi é que quando a política bate de frente com a biologia, a biologia ganha de goleada”, recorda.

Sobre Miguel Nicolelis

Nicolelis é pioneiro na pesquisa em interface cérebro-máquina (ICM), tecnologia que permite a captação das dinâmicas cerebrais em computador. Ele fundou e é diretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University, nos Estados Unidos, e do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra. É autor dos livros “Muito além do nosso eu” (2011), “O cérebro relativistico: como ele funciona e por que ele não pode ser simulado por uma máquina de Turing” (2015), “Made in Macaíba (2016)” e “O verdadeiro criador de tudo” (2020). 

Iniciam as obras de duplicação do segundo trecho da BR-386

Estrada da Produção fica entre Soledade e Fontoura Xavier
Estrada da Produção fica entre Soledade e Fontoura Xavier
FABIANO PANIZZI/CCR VS/DIVULGAÇÃO/JC
Eduardo Torres, especial para o JC
As máquinas entraram na pista da BR-386, em Soledade, nesta quinta-feira, para dar início ao segundo trecho a ser duplicado da chamada Estrada da Produção, que liga o Norte do Estado à Região Metropolitana. O trecho de 27,3 quilômetros entre Soledade e Fontoura Xavier, a ser executado pela concessionária CCR ViaSul, teve a liberação para execução das obras por parte do governo federal na quarta-feira.
Serão investidos R$ 350 milhões no trecho até fevereiro de 2025. A perspectiva, de acordo com a diretora de investimentos da CCR ViaSul, Thaís Caroline Borges, é conseguir, se o tempo ajudar, até o começo de 2024 _ quando a rodovia registra o maior fluxo, com a safra da soja, ter até 20% da obra executada.
"Nesta quinta já iniciamos, a partir de Soledade, as ações de supressão da vegetação, mas nessa obra, pelo grande desafio de engenharia que representa a geografia desse trecho da rodovia, com o relevo bastante desafiador, dividimos o trabalho em três frentes que vão funcionar concomitantes em muitos momentos. Então, poderemos ter, em alguns momentos a terraplanagem ou a drenagem acontecendo e já estamos, por exemplo, com o canteiro montado para moldar as peças das obras de arte, que são os viadutos, pontes e passarelas previstos no projeto", explica a diretora.
Ao longo da obra, serão mobilizados pelo menos 800 trabalhadores na pista. A duplicação representará mais um desafogo para uma rodovia que registra até 10 mil veículos por dia.
"O maior desafio para nós é a operação da rodovia durante as obras. Porque ela contempla cidades importantes e um fluxo que é importante para todo o País, pelo transporte da safra. Como estaremos em início de obras neste verão, haverá, sim transtorno ao motorista, com desvios por pistas laterais à rodovia. Pedimos sempre muita atenção aos usuários para as sinalizações que estarão presentes no trecho. A segurança durante a obra e após, com a rodovia duplicada, são a nossa prioridade", aponta a engenheira.
Além da duplicação das pistas, o projeto prevê um viaduto, duas novas pontes e três novas passarelas ao longo dos 27,3 quilômetros.
Este será o segundo trecho da BR-386 a ser duplicado. O primeiro, com 21 quilômetros, entre Lajeado e Marques de Souza, no Vale do Taquari, tinha previsão de entrega pela concessionária neste mês. No entanto, as chuvas atrasaram todo o cronograma.
"Para se ter uma ideia, nos últimos 30 dias, só conseguimos trabalhar na pista entre Lajeado e Marques de Souza em dois dias. Em 30 anos de engenharia de rodovias, eu nunca tinha vivenciado uma situação como essa no Rio Grande do Sul neste ano. Todos os dias, a minha rotina começa olhando a previsão do tempo no Estado", conta a diretora.
As obras estão com mais de 90% concluídas. A perspectiva, aponta Thaís, é de que ao menos nestes 21 quilômetros os motoristas tenham pistas duplicadas já liberadas ainda no verão.
O início da Operação Verão também é projetado pela CCR ViaSul como o limite para liberação das pistas da BR-290 (Freeway), que têm obras simultâneas desde agosto deste ano para obras em três pontes e quatro viadutos.
De acordo com Thaís Borges, a empresa adotou os cronogramas de obras concomitantes ao longo do trecho justamente para garantir a capacidade plena da rodovia para o verão, a partir de dezembro.
Assim como o segundo trecho de duplicação da BR-386, de 27,3 quilômetros entre Soledade e Fontoura Xavier, inicia antes do final do primeiro trecho, de 21 quilômetros entre Lajeado e Marques de Souza, a perspectiva é de que em fevereiro de 2024 já seja possível dar início ao terceiro trecho a ser duplicado, com 31 quilômetros entre Soledade e Tio Hugo.

O último trecho previsto para ser duplicado até 2030, será de 55 quilômetros entre Fontoura Xavier e Marques de Souza, quando a CCR ViaSul deverá entregar 165 quilômetros duplicados entre Lajeado e Carazinho. Ao todo, a partir de Canoas, a rodovia terá 225,2 quilômetros duplicados até o 18º ano de concessão. 


O fim da Idade do Bronze e o colapso da civilização

Muitos andam dizendo e escrevendo, não só em romances sobre distopias, que, diante de tantas guerras, mazelas, desastres ambientais e sanitários e crises em várias partes do planeta, o mundo está acabando. Não apenas religiosos em busca de fiéis assustados e líderes públicos e privados em busca de plateia apavorada e submissa andam falando em apocalipse, fim dos tempos e quetais.
1177 A.C - O ano em que a civilização entrou em colapso (Avis Rara - Faro, 254 páginas, R$ 54,90, tradução de Fábio Alberti), de Eric H. Cline, consagrado arqueólogo, historiador e professor de História e Antropologia, revisita o fato histórico que culminaria no fim da Era do Bronze e a destruição de uma das culturas mais prósperas da História.
Cline, que atualmente dirige o Instituto Arqueológico do Capitólio, da Universidade de George Washington, com base em pesquisas e anos de estudo mostra como em 1177 a.C os misteriosos e temíveis "Povos do Mar" invadiram o Egito. A marinha e o exército egípcios os derrotaram, mas a vitória foi apenas o começo do fim para o mundo civilizado da Idade do Bronze. Em poucas décadas não havia mais minoanos, micênicos, troianos, hititas ou babilônios. Culturas, economias, sistemas de escrita e arquitetura desapareceram.
Cline narra com habilidade e sedução invasões, revoltas, terremotos, secas e bloqueios no comércio internacional e a transição para a Idade do Ferro, e as perpétuas e inquietantes questões humanas de 1177 a.C. mostram-se atuais para nós, habitantes de um mundo com guerras, problemas climáticos e sanitários, crises entre países e blocos e perspectivas pouco otimistas em relação ao futuro. Mais do que nunca é preciso utilizar a História como mestra para tentar, ao menos, não repetir tantos erros deletérios e milenares. Entre a esperança e desesperança vivemos. Até quando? Eric está preocupado com a fragilidade de nosso mundo. Quem não está? Melhor não arriscar a marcação da data do apocalipse, que pode não ocorrer. Depende de nós.
 

Lançamentos

• Liberdade de Pensamento: Imprensa e Democracia (Exclamação, 102 páginas), do eminente advogado Hélio Faraco de Azevedo, 95 anos, Decano do IARGS, com belo prefácio do Desembargador Marco Aurélio Moreira de Oliveira, mostra a independência, o espírito democrático, o humanismo e o grande conhecimento jurídico do Dr. Hélio.
• A potência da liderança consciente (Gente Autoridade, 192 páginas), do experiente empresário, palestrante e mentor Daniel Spinelli, especialista em desenvolvimento humano, com prefácio de Mauricio Benvenutti, mostra como uma cultura mais humana potencializa resultados e alavanca a relevância e o impacto do leitor como líder.
• A menina que não sabia odiar (Editora Objetiva, 144 páginas), de Lidia Maksymowicz, nascida em 1940, traz comovente história da criança que sobreviveu ao Holocausto. Viveu dos 3 aos 5 anos em Auschwitz e diz não saber odiar, pois o ódio destrói. Reverencia nomes como Buda, Madre Teresa, Gandhi, Jesus e Luther King. É muito.

Nosso Brasil, divisões e mudanças

De acordo com os números das várias eleições realizadas nas últimas décadas, em níveis municipal, estadual e federal, e segundo os dados que constam nas pesquisas recentes medindo o humor de brasileiros e brasileiras, nosso Brasil é um país dividido. Em torno de um terço dos eleitores brasileiros não foi votar, anulou o voto ou votou em branco. Em torno de um terço do eleitorado tem votado em partidos que se posicionam no campo da esquerda; outro terço, aproximadamente, está mais inclinado à direita.
Claro que hoje em dia, especialmente no Brasil, conceitos sobre o que é esquerda ou direita estão meio pós-modernosamente vagos, embolados, ultrapassados e necessitando que façamos reflexões e tomemos ações a respeito eles. O que é centro e "centrão", por outro lado, a gente sabe faz décadas e, como dizem os italianos, que manjam de política, la nave va!
Estamos com um governo federal eleito, com quase um ano de atuação, quase quatro dezenas de ministérios, e creio que o mais novo normal e racional é, como sempre costuma ser, respeitar a lei, elogiar as coisas boas e criticar as ruins. Claro que as eventuais críticas devem ser bem embasadas e colocadas, sempre, com muito respeito, prudência e educação, pois anda por aí um certo "controle dos meios de comunicação". Mais não falo e nem me foi perguntado.
Nossos desejos e esperanças, como cidadãos-contribuintes pagadores de impostos, tementes a Deus e aos poderosos e que seguem na luta para ter ânimo de levantar da cama pela manhã, é que a Constituição, a Lei das Leis, e os demais diplomas legais e livrinhos sejam respeitados. Esperamos que nossa ainda jovem democracia tenha longa e bicentenária vida, e que os Três Poderes - Executivo, Judiciário e Legislativo - atuem com independência e harmonia, de acordo com o que está escrito lá na Constituição Cidadã de 1988.
No fundo, os cidadãos rezam para que os poderosos caiam na real e se conscientizem de que ninguém deve estar (muito) acima da lei e dos outros e que ninguém é eterno. Depois do jogo de xadrez, o rei, a rainha, o bispo, os cavalos, as torres e os peões vão direitinho para a mesma caixa, todos juntos. É bom e recomendável que os poderosos de plantão leiam o Eclesiastes, o livrinho da Bíblia com a sabedoria do Rei Salomão, que traz alertas sobre as vaidades e outras coisinhas eternas.
Muitos contribuintes têm sonhos de noite de verão com coisas como parlamentarismo, voto impresso, a criação de um Conselho Nacional de Notáveis, democracia raiz e por aí vai. Alguns até sonham com o aparecimento de novas alternativas que não sejam os velhos polos que estão aí. Terceira ou quarta vias, coisas nessa linha. A vida é sonho e os sonhos, sonhos são, disse o Calderón de la Barca.

A propósito

Como sempre e mais do que nunca, devemos fazer o possível pelo bom desenvolvimento econômico, sustentável de preferência, com pouca ou nenhuma inflação, empresas saudáveis, empregos e contas públicas e privadas em ordem. Quando a economia vai bem, a política perde, ao menos um pouco, seus poderes e suas vaidades e as coisas tendem a ficar mais equilibradas. Não existe milagre nem almoço grátis, e é bom lembrar o velho Tancredo Neves, que disse: é proibido gastar e não podemos nos dispersar. Aí, o resto não será silêncio.

sábado, 28 de outubro de 2023


28 DE OUTUBRO DE 2023
MARTHA MEDEIROS

Concepção de vida

Poderia passar horas falando dos motivos que fazem eu reverenciar a obra cinematográfica de Woody Allen, mas tem uma declaração dele com a qual me identifico mais que tudo: "Adoraria fazer grandes filmes, desde que isso não atrapalhe minha reserva para o jantar". Óbvio que ele já fez grandes filmes, mas o conceito é perfeito: a dedicação ao trabalho não pode ser tão extrema a ponto de roubar os momentos de prazer junto à família e aos amigos, que é quando a gente relaxa e aproveita a vida.

Na primeira vez em que reproduzi essa sua frase, um leitor me mandou um e-mail dizendo que para Woody Allen era fácil dizer isso, pois ele tinha fama, dinheiro e não precisava ralar feito um miserável. É verdade. Em países desiguais, a maioria da população não tem escolha, precisa trabalhar 14 horas por dia para conseguir pagar as contas. Mas o ataque não deveria ser direcionado ao diretor de cinema, e sim ao sistema que impede que este conceito "carpe diem" seja universal.

Em recente postagem no Instagram, destaquei um trecho de uma crônica do meu novo livro que, de certa forma, dialoga com a frase do Woody Allen: "Em vez de focar em ter fortuna, que induz ao excesso de consumismo, mil vezes trabalhar menos, voltar para casa mais cedo e pedir uma pizza. Desculpe o provincianismo, sei que pode soar chocante". O post teve ótima repercussão, mas alguns me perguntaram se eu sabia quanto custava uma pizza, enquanto outros lembraram que comer também é consumismo. Foram reações avulsas, em que o conceito mais uma vez perdeu para a literalidade.

Quando o conceito não é percebido, resta o quê? O ranço. Que não transforma nada.

É por isso que um país que não lê é um país vulnerável. Porque se não exercitamos a interpretação de texto, o que sobra é uma visão restrita, ipsis litteris. A reserva para o jantar, de Woody Allen, significa ser dono do seu tempo, e não escravizado por ele. A pizza da frase que escrevi não significa pizza, mas simplicidade, trivialidade, domesticidade (aliás, essa frase foi pinçada da crônica em que saúdo o caráter de Ricardo Darín, ator argentino que, em uma entrevista, disse que não precisava se render aos papéis estereotipados que Hollywood lhe oferecia, pois já tomava dois banhos quentes por dia e era cumprimentado nas ruas, para que desejar mais?)

Repito: é um conceito, não é uma declaração ao pé da letra. Dinheiro é muito bom. Compra viagens, vinhos, conforto. A questão é o preço que se paga por ele: o custo pessoal não pode ser excessivo. Não vale a pena dar em troca o nosso descanso e nossa disponibilidade para os afetos.

Vale para Allen, para Darín e para todos que se recusam a virar reféns desta sociedade que exige uma performance doentia e cruel. Nossa paz, em primeiro lugar.

MARTHA MEDEIROS

 28 DE OUTUBRO DE 2023
CLAUDIA TAJES

Cancelamento analógico

Esses dias vi um post sobre bloquear e cancelar pessoas nos anos 1980. Tratava-se apenas de cortar a cabeça dos desafetos nas fotografias analógicas, reveladas em papel do jeito que saíam, sem as repetições infinitas e os filtros de hoje.

Quem vive em tempos de Instagram não imagina o ritual para uma foto analógica ficar boa. Pudera, era uma oportunidade única, um clique que precisava pegar todos no seu melhor momento, de preferência rindo e de olhos abertos.

Claro que era impossível.

Vendo fotografias guardadas em uma caixa de plástico para resistir à umidade, aos cupins e aos anos, constato que tenho um dossiê de fotos horrendas capaz de manchar a reputação de muita gente. Não fosse eu minimamente decente, estaria agora chantageando parentes, colegas, escritores e até algumas autodenominadas figuras públicas.

Ora, figuras públicas. Em vez de dizer que apito toca, a pessoa se apresenta nas redes sociais como "figura pública". Faz sentido numa época em que o desejo de ser famoso vem antes de se pensar em alguma coisa relevante para alcançar a fama.

Talvez seja só má vontade minha. Ou então não me adaptei à época.

Voltando às fotos analógicas, uma das melhores que encontrei é a de uma festa de casamento, minha família à mesa e os noivos atrás. Meus pais transmitiram aos filhos o DNA de não saber posar, então cada um de nós olha para alguma coisa, qualquer coisa, menos a câmera: o prato, o lado, o chão, o garfo. Meu irmão pequeno, com cara de susto, olha de soslaio - ainda se olha de soslaio? - para o que deve ser a materialização do tinhoso a poucos passos de nós. O noivo saiu de olhos fechados e a noiva, ah, a noiva, a cara fechada e até mesmo irada dela só pode significar que não queria nos convidar. Ou estaria casando obrigada?

Não faço ideia de quem seja aquele casal, mas desejo de coração que tenham sido felizes. A foto não prometia muito.

Outro clássico eram os olhos vermelhos. Às vezes um grupo inteiro saía milagrosamente bem na foto, só que todos com os olhos vermelhos. Tudo porque a luz do flash, ao penetrar no fundo da retina, deixava em evidência os vasinhos sanguíneos das pupilas. Isso eu só fui saber ontem, ao pesquisar sobre o porquê dos olhos vermelhos nas fotos. Todos esses anos achando que fotografias analógicas mostravam nosso lado demoníaco. Decepção.

Decepção também era o sentimento quando a gente buscava as fotos reveladas, o que demorava muito. Ninguém aguentava chegar em casa, já ia abrindo o envelope na loja mesmo. Claro que os fotógrafos de talento não passavam por isso, mas para os comuns dos mortais o resultado era: falta de foco, cabeças cortadas, caretas, um que se mexeu na última hora, outro que fez guampinha em alguém - mas isso ainda se faz -, pupilas vermelhas. O jeito era comprar outro filme, 135 -100 ASA - 36 poses - colorido, e tentar mais 36 vezes.

Com todos os seus poréns, as fotos reveladas em papel ficavam para sempre. As que tenho, guardadas na caixa de plástico, vêm desde o tempo dos meus avós. Alguns dos fotografados que moram naquela caixa não contam com a minha estima, mas não teria coragem de rasgar a cabeça e cancelá-los das minhas lembranças. Até porque só cancelo os mal-educados e outros desagradáveis que volta e meia me aparecem no mundo digital. No real, também.

Vontade que dá é a de rasgar os tanques, as armas, as crianças machucadas, os prédios no chão, as mães chorando nas fotografias de guerra. Mas seria um devaneio, não um bloqueio. Melhor desenhar um bigode em uma lambisgoia do jardim de infância. Era ela que o Júnior Paulo, o menino de quem eu gostava, amava. Isso e depois seguir visitando o meu passado em sépia.

CLAUDIA TAJES