Fuga de garimpeiros evidencia peso da lei
Só a ida de duas comitivas a Roraima e o início do controle do tráfego aéreo já serviram para afugentar garimpeiros da Terra Indígena Yanomami - área que concluiu todos os processos para constituição de reserva em 1992.
É uma mostra do que a mera presença simbólica da lei e da ordem podem fazer - por consequência, de quanto o que deixou de ser feito no governo anterior contribuiu para deteriorar a situação. Como boa parte da área faz fronteira com a Venezuela, o país vizinho tem sido destino de parte dos garimpeiros em fuga, conforme relatos da Polícia Federal. A presença de mais de 20 mil garimpeiros na reserva - ilegal por definição - só havia sido possibilitada por inúmeros voos clandestinos no território - foram estimados até 40 por dia.
No dia 1º deste mês, a Força Aérea Brasileira (FAB) passou a controlar o espaço aéreo na reserva, a partir de um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que criou uma Zona de Identificação de Defesa Aérea.
O Brasil - e boa parte da imprensa - precisou de um choque de realidade para entender o que estava ocorrendo nesse território. Passaram-se 15 dias desde a chegada de uma comitiva presidencial que incluiu equipes de socorro e contribuiu para provocar consternação nacional sobre o estado de abandono dos indígenas.
Se parece pouco tempo para já espantar criminosos, é muito para brasileiros que enfrentam fome e doença provocadas por uma atividade que já representa mais da metade da produção brasileira de ouro. A Defensoria Pública da União critica o atual governo pela demora em enviar aviões e pessoal para ajudar a superar a crise dos yanomamis. Em ofício, pede a apresentação, de respostas e medidas concretas para dar eficácia a ações junto aos indígenas até hoje.
Como advertem pesquisadores envolvidos há anos no levantamento das causas e consequências do abandono da reserva pelo Estado brasileiro, a fuga pode ser temporária, até "baixar a poeira" na região. Sem o sufocamento da atividade criminosa que rende lucros a poucos, não há solução possível.
Economista-chefe da Órama e professor do Ibmec-RJ, Alexandre Espírito Santo vê a torneira aberta do investimento estrangeiro no Brasil. Só em janeiro, entrou na bolsa o equivalente a R$ 11 bilhões, que superou os saques dos investidores nacionais. Para o economista, a maior taxa de juro real do mundo ajuda, mas a volta do Brasil ao protagonismo ambiental é crucial. Aposta na manutenção do fluxo no curto prazo, mas adverte: tudo depende da solidez do marco fiscal a ser apresentado em abril.
Essa entrada de investimento estrangeiro é notável?
Tenho 35 anos de mercado e já vi muita coisa. Quando o investidor quer botar dinheiro, os ruídos ficam na lateral. Em todo 2022, entraram R$ 100 bilhões. Só neste janeiro, entraram R$ 11 bilhões. É muito expressivo. E continua.
Por quê?
No governo passado, o Brasil perdeu protagonismo na área ambiental. Hoje, o ESG (governança corporativa, social e ambiental) é essencial lá fora. Teve a presença da Marina (Silva, ministra do Meio Ambiente) em Davos. Vieram os alemães (o primeiro-ministro Olaf Scholz), anunciaram dinheiro em fundo ambiental. O Brasil virou o queridinho entre os emergentes. Esse já é um vetor de entrada. Ao mesmo tempo, o Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) começa a desacelerar a subida do juro. Deve ter outra de 0,25 ponto percentual, talvez mais uma e deu. Aqui, o Banco Central sinalizou que o juro vai ficar alto. Com isso, aplicar dinheiro no Brasil é muito vantajoso. É o carry trade. Todos os fatores apontam para mais entrada de dólar.
É seguro projetar manutenção de fluxo de dólares?
No curto prazo, sim. Sempre há o imponderável, mas, até onde a vista alcança, tem entrada de dólar. Em abril, como prometeu o ministro (Fernando) Haddad (da Fazenda), teremos a nova regra fiscal. Precisa ser crível e estabilizar a relação dívida/PIB. Esse é um dos mais graves problemas brasileiros. Se for bem feito, vai continuar entrando dinheiro. Se não for crível, se tiver de fazer curso na Sorbonne para entender, muda o cenário. O mercado está dando o benefício da dúvida ao ministro Haddad.
Apesar do discurso de Had- dad, Lula faz discursos com custo. O que explica?
Lula tem essa capacidade de falar para os seus. Diz que em seus governos o BC não era independente e a inflação estava controlada sem juro na lua. O que é importante, na minha visão, é que ele está respeitando a autonomia do BC. Disse que vai com o Roberto Campos Neto até 2024 (quando termina seu mandato). Se dissesse algo diferente disso, estaria certo cobrar agora. Ele fala para seu público, mas precisa ter cuidado para não extrapolar. O mercado torce o nariz.
Mas os discursos fazem preço, agora a perspectiva de corte no juro foi adiada, não?
O Copom foi duro no comunicado porque a situação exige. As projeções de inflação sobem, o BC precisa estar vigilante. Com um marco fiscal crível, dá para reduzir o juro no final do ano. Trabalho com redução de 0,5 ponto percentual nas duas últimas reuniões do Copom deste ano.
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