quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023


"A gente percebe a economia flutuando sobre o medo"

O novo presidente da Federação das Entidades Empresariais do RS (Federasul), Rodrigo Sousa Costa, assume com a missão de gerir a entidade em um ano marcado pelo início de uma nova gestão federal. Natural de Pelotas, Costa - ao lado de membros da Federasul - demonstra preocupação com o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e ações dos outros poderes. Essa postura foi evidenciada em um documento divulgado nos últimos dias, batizado de Carta de Osório. Confira a entrevista:

Quais serão os principais focos de atuação de sua gestão?

Estabelecemos três eixos de um propósito que é muito claro hoje. O eixo mais visível é a melhora do ambiente para empreender, produzir, trabalhar. Essa Federasul é movida pelas suas diretrizes estatutárias, tentando enxugar o tamanho do Estado, reduzir o tamanho da máquina pública para que se possa diminuir a carga de tributos sobre as costas de toda a sociedade. Tem um segundo eixo que também é bastante trabalhado nos eventos da Federasul, especialmente nos almoços do Tá na Mesa, que é o de melhorarmos e evoluirmos em um mundo em permanente transformação. 

Quer dizer, não basta melhorarmos o nosso ambiente, queremos nos tornar mais competitivos pela troca de experiências, pela observação do que está acontecendo no mundo, que é globalizado. O terceiro eixo busca o bem comum, a qualidade de vida de todos os gaúchos.

Após o pico da retomada de serviços e comércio depois do período mais crítico da pandemia, os números desses setores mostram certa desaceleração. Como a Federasul está enfrentando esse processo?

Já estamos enxergando isso como consequência das expectativas ruins que uma série de ações e falas do governo eleito está gerando. Que nós consideramos inoportunas. Acho que a gente tem de encerrar esse período de campanha. As pessoas têm de descer do palanque, os políticos têm de descer do palanque tanto no parlamento quanto no Executivo, ministros. E falar para todos os brasileiros. Porque, depois que termina a eleição, presidente é de todos nós, e aí tem de acolher todos os brasileiros dos diferentes segmentos. E essas falas às vezes podem ser menosprezadas, como colocando, por exemplo, falando, insinuando que um empresário não vive do próprio trabalho, mas do trabalho dos outros. Imagina como cai uma fala dessas para um pequeno empreendedor, que são as pessoas que mais empregam no país.

A perspectiva de um ano com juros ainda em patamar elevado, inflação pesando no orçamento das famílias, endividamento alto e possível desaceleração em alguns países desenvolvidos pode atrapalhar serviços e comércio?

Isso atrapalha todos os setores. Talvez a gente tenha algum segmento beneficiado pelas novas políticas do governo federal. Talvez ele incentive a construção civil e tal. Então, você pode ter segmentos pontuais que sejam beneficiados por uma mudança temporária. Em médio e longo prazo, esse estado de espírito, essa desconfiança em relação ao futuro, é péssima. 

Essas frases de desrespeito ao mercado, como se o mercado não tivesse importância nenhuma, ou então esses indicativos de iniciativas no sentido de despesas sem controle de gastos, sem respeito a teto. Quer dizer, a gente pode furar o teto de forma planejada, mas, quando se desprestigia o controle de gastos, o controle, a qualidade das despesas, a mensagem que passa é de um gasto descontrolado, o que nós já tivemos no passado.

A Federasul divulgou uma carta expondo algumas preocupações sobre política e economia. O que levou a entidade a formular esse documento que traz série de críticas a posicionamentos e declarações já feitas pelo novo governo, como revisão de pontos da reforma trabalhista? Por que a Federasul encara o novo governo com tantas ressalvas?

Não estamos enxergando com muita ressalva o novo governo. A Federasul não é uma entidade partidária. Não defende um candidato ou outro, mas temos valores e diretrizes estatutárias. A gente saúda e louva a iniciativa do governo federal de ouvir os Estados membros em suas prioridades a partir desses três projetos estruturantes na infraestrutura. Isso é uma demonstração de acolhimento democrático. 

Mas por outro lado, quando se fala, por exemplo, na flexibilização da lei das estatais, a gente se pergunta, a quem beneficia, a quem interessa que políticos que perderam uma eleição possam assumir a gestão de uma estatal por mudança na lei? E na mesma linha quando a gente fala da reforma trabalhista. A verdade é que tínhamos chegado ao triste número de 14 milhões de desempregados. E através de várias ações, mas especialmente da reforma trabalhista, foi possível geração de milhões de empregos.

Na carta de Osório, a Federasul "reafirma a crença na liberdade de expressão como pilar da democracia" e aponta "preocupação com ataques e provocações dos três poderes". O que exatamente a entidade quer dizer?

A Constituição brasileira tem um grande mérito de ser escrita numa linguagem comum. E a gente não pode perder essa consonância com o seu significado comum, o significado popular. Não podemos nos afastar dessa interpretação que está ao alcance de todos nós, que sempre esteve, especialmente de direitos e garantias fundamentais, individuais. 

Quando a gente percebe que está se flexibilizando a liberdade de expressão, que tem parlamentares eleitos com redes sociais bloqueadas, um parlamentar que em tese deveria ter imunidade para expressão do seu pensamento político, da sua filosofia, e já estamos enxergando hoje a censura prévia, quer dizer, censura à liberdade de expressão do pensamento, isso é muito grave. Acho que este clamor, esta carta que nós escrevemos, veio de baixo pra cima, veio de um debate intenso.

O empresariado gaúcho atualmente retarda investimentos no aguardo das primeiras decisões do novo governo federal na política econômica e no âmbito específico do trabalho?

Eu diria que o nosso feeling, nosso sentimento, embora não tenha números medidos, é de que isso chega de todos os lados. Isso ficou muito claro durante todo o debate na reunião de Osório. As pessoas estão ligando um modo de sobrevivência. As decisões estão sendo pautadas por medo, e as pessoas estão parando de investir. Estão reservando recursos, estão segurando investimentos. Nós teremos uma consequência de médio e longo prazo por essa ação que está acontecendo hoje. Hoje, a gente percebe a economia flutuando sobre o medo. 

As pessoas, os pequenos, os médios, os grandes empreendedores, eles estão com medo e estão parando, sim, o investimento. E é um momento difícil, porque lá em 2020, depois de o governo do Estado ter feito todas aquelas reformas que foram inclusive apoiadas pela Federasul no parlamento gaúcho, tínhamos a expectativa de que tínhamos feito um dever de casa. E aí fomos todos surpreendidos por uma pandemia. Só que estamos sendo surpreendidos agora por uma instabilidade gerada por ações, manifestações por parte dos três poderes. Isto afetou a confiança de quem empreende.

 ANDERSON AIRES 

Nenhum comentário: