03
de junho de 2015 | N° 18182
DAVID
COIMBRA
A mulher e o leão
Estive
naquele parque da África do Sul onde o leão comeu a turista americana, dias atrás.
É o Lions Park, um lugar em que a gente passeia de carro entre os leões. Eles
ficam soltos; nós, presos – essa é a regra. Mas a mulher abriu a janela do
carro, o leão entrou e a matou a dentadas.
De
alguma maneira, compreendo a temeridade cometida pela moça. Você roda pelo
parque e os leões não lhe dão a mínima bola. Nem olham para o carro. Você fica
pensando: o que impede um bicho daqueles, maior do que um sofá, com a pata do
tamanho de um melão, com a força de 20 homens, o que o impede de pular sobre o
capô, quebrar o para-brisa com uma patada, entrar no carro e comer todo mundo?
Ele poderia fazer isso. Não faz, obviamente, porque não quer.
E
por que não quer? Aí é que está: um leão é como um nenê humano. Se você, atento
leitor, é pai ou mãe, sabe: um nenê só chora porque sente fome, frio ou dor, ou
porque fez cocô. Caso contrário, o nenê ficará tranquilo, fazendo o que fazem
os nenês, que é coisa nenhuma. Os leões, e a maioria dos outros bichos também,
não fazem nada durante o dia e a noite. Passam o tempo todo olhando. Eles só se
manifestam, exatamente, quando sentem fome ou dor, igualzinho a um nenê. A dor
pode ser, também, o perigo de sentir dor. Ou seja: se o bicho tem medo, ele
ataca. Simples.
Claro:
existe outro estímulo poderoso capaz de mover homens e animais, que é o
instinto de reprodução, popularmente conhecido como sexo. O leão é o animal que
mais faz sexo na natureza. Quando ele está invocado, é capaz de copular 50
vezes num único dia. Cinquenta! Por que você acha que ele é o rei da selva?
É o
sexo que faz com que um jovem leão desafie um velho leão, ou que devore seus próprios
filhotes, assim como é o sexo que faz com que os humanos componham músicas, inventem
redes sociais como o Facebook ou ergam do chão cidades como Nova York.
Tudo
se resume a casa, comida e sexo, dizia Freud. No caso do leão, comida e sexo. Mas
decerto a americana não atrapalhou o leão em seu momento de amor animalesco, ou
o tratador do parque teria dito. Também não foi fome. Aqueles leões são bem
alimentados. Eu, inclusive, vi um almoço dos leões desse parque. Foi algo ao
mesmo tempo assustador e formidável. Os leões rugiam e pulavam sobre os pedaços
de carne e nada os deteria naquele momento, nenhum homem ou animal, nenhum
poder natural ou sobrenatural, nada.
Naquele
instante, o bando de leões famintos era a expressão máxima da natureza, algo
como uma tempestade no mar ou as Cataratas do Iguaçu se derramando entre 10 arco-íris
ou o bramido do trovão no fundo das coxilhas do sul do mundo. Foi isso. Foi o
fascínio de algo tão grandioso, tão poderoso, tão superior que fez com que a
turista americana abrisse a janela e se oferecesse ao leão. E o leão, predador
que é, aceitou a oferta. A força selvagem da natureza a atraiu, a subjugou e,
por fim, a devorou. Belo e terrível. Às vezes, o melhor é ficar distante do que
é atraente.
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