16 de março de 2014 | N°
17734 VERISSIMO
As aventuras da família
Brasil
A conversa
Samuel recebeu um telefonema
inquietante da sua amante Lourdes. Ela disse:
– Estamos indo para aí.
Samuel não entendeu.
– “Estamos”?
– O Marcão e eu. Ele sabe do
nosso caso.
– O quê?!
– Eu contei.
– O QUÊ?!
– Calma. Ele só quer conversar.
Eu estou indo junto com ele.
– Lourdes, você enlouqueceu? Ele
vai me bater. O Marcão é o dobro do meu tamanho!
– Ninguém vai bater em ninguém. O
Marcão quer ter uma conversa civilizada. Nós três. Aliás, já estamos no carro.
Ele está aqui do meu lado.
– Lourdes...
– Eu só achei que devia lhe
avisar. Em cinco minutos estaremos aí.
Fugir, pensou Samuel. Era a única
coisa a fazer. Covardemente. Abjetamente. Mas fugir. Ou ficar? O Marcão só
queria ter uma conversa civilizada. Eu sou mais civilizado do que o Marcão. Em
conversa civilizada, eu ganho. O Marcão é um primitivo. Os únicos livros que
gosta são catálogos de peças de automóvel, e só para ver as figuras. Eu sou um
homem sofisticado. A própria Lourdes é quem diz que, comparado com o Marcão, eu
sou um príncipe renascentista. Mas por que a Lourdes inventou de contar pro
Marcão que nós...
Ela sabe que eu vou enrolar o
Marcão, é isso. Que eu vou convencer o Marcão de que somos pessoas modernas,
que hoje em dia a mulher ter um amante é até lisonjeiro para o marido. Que não
existe nada mais antigo e superado do que marido quebrar a cara de amante.
Depois da nossa conversa o Marcão vai me agradecer por estar comendo a sua
mulher e introduzindo-o na nova moral, tornando-o um autêntico homem do novo
século. Ou então..~
Ou então a Lourdes contou tudo
porque teve uma recaída e descobriu que prefere o troglodita. Misturou remorso
com decepção e quer ver o maridão quebrar a cara do amante insatisfatório. Ou
era no que dera a leitura de tantos livros sobre masoquismo feminino: a Lourdes
queria sofrer, vendo-o apanhar. De uma forma doentia, ela instigava o marido
para quebrar a cara do amante e assim apimentar o caso dos dois. O que ela
estaria dizendo para o marido, no carro, naquele instante?
Bate, mas não quebra o nariz?
Quero ele culpado mas inteiro, o meu príncipe?
Cinco minutos já tinham passado e
ele ainda não decidira: fugir ou ficar? E se ficar, preparar-se para o quê?
Empunhar uma faca da cozinha e atacar primeiro? Esperar atrás da porta e
golpear a cabeça do brutamontes com uma frigideira? A Lourdes tinha telefonado
do carro para avisar que estavam chegando para que ele estivesse preparado. Ou
ele deveria – civilizadamente – receber o casal, indicar onde poderiam
sentar-se para começar a conversa, oferecer um cafezinho ou, quem sabe, um
uisquinho? E começar a conversa, como?
- Marcão, eu sei que é difícil
ser objetivo numa situação destas, mas...
Soou a campainha do interfone.
Eles tinham chegado. Fugir não era mais uma opção. Samuel foi até a cozinha,
pegou uma faca e escondeu-a embaixo de uma almofada do sofá. Para ser usada ou
não, conforme transcorresse a conversa.
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