09
de dezembro de 2013 | N° 17639
LETICIA
WIERZCHOWSKI
A história dos caroços
Quando
minhas irmãs e eu éramos crianças, o pai fazia questão de que comêssemos frutas.
Muitas. Ele tinha o hábito de trazer caixas de frutas para casa, enchendo a
geladeira de uvas, pêssegos, mangas e ameixas. Eu sempre gostei de frutas, mas
era difícil dar cabo das quantidades que o pai trazia. No verão, quando a família
ia para o Litoral, e o pai passava a semana trabalhando na cidade, ele chegava
na praia com o carro cheio de frutas, e a nossa obrigação era comer aquilo até a
sexta-feira seguinte.
Nunca
dávamos conta... Até que o pai criou o subterfúgio de pagar por caroços e
sementes. Talvez hoje, neste mundo asséptico onde o politicamente correto
tornou tudo meio chato, alguns torçam o nariz para a ideia do pai – mas garanto
que, nos anos 1980, foi uma sacada genial.
Naquele
verão, caroços e sementes passaram a valer grana. Éramos várias crianças – eu e
minhas duas irmãs, mais os dois filhos do meu tio que passavam as férias
conosco. O pai chamou-nos e, muito sério, informou a cotação vigente. Era mais
ou menos assim: 20 centavos por caroço de pêssego, 15 centavos por caroço de
ameixa. Sementes de uva valiam 5 centavos. A gente deveria comer as frutas
durante a semana, guardando os caroços para que o pai nos pagasse
proporcionalmente na sexta-feira.
Nunca
comemos tantas frutas na vida! Os caroços viraram a moeda oficial daquele verão:
um picolé se comprava com três caroços de pêssego, um sorvete de duas bolas
necessitava cinco pêssegos, 10 ameixas e um cacho de uvas. E a gente dê-lhe
comer.
Meu
primo economizava caroços para comprar revistinhas, minha irmã torrava tudo em
picolés. Na sexta, o pai chegava e, coitado, antes de se estirar na cadeira da
varanda, tinha que sentar à mesa da sala e fazer a contabilidade dos caroços (e
os caroços eram guardados em sacos, e ali ficavam fermentando durante dias e
dias, no calor do verão). Contar aquilo era um nojo e uma trabalheira, mas o
pai seguia firme. E cada vez trazia mais frutas para casa.
Até que
um dia a minha prima resolveu juntar sementes para comprar alguma coisa grande,
acho que era uma boneca. Era uma guria obstinada, e naquela semana comeu
ameixas dia e noite, até que amanheceu na sexta-feira com febre, vômitos e
diarreia.
A mãe
ficou fula. Fruta demais soltava o intestino, foi o que ela disse para o pai
quando ele chegou naquela tarde com suas ameixas e pêssegos. Diante do estado
da sobrinha, o pai capitulou. Recebemos o nosso último pagamento consternados: acabava-se
ali a mina de ouro. Eu sigo adorando frutas; mas, como naquele verão, nunca mais.
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