Jaime
Cimenti
A biografia do
faraó
O
faraó resolveu deixar o legado de sua longa e rica existência para a
humanidade. Ele achou que o mundo merecia, que não dava para não lerem sua
história. Estava com boa memória, sabia pensar e escrever, mas não tinha
paciência, tempo e gosto pela tarefa. De mais a mais, tinha vários escribas
para escrever sua biografia. Chamou os preferidos e determinou que
pesquisassem, buscassem ilustrações e entrevistassem quem bem entendessem.
Disse que não haveria censura. Mandou entrevistar suas mulheres, filhos, netos
e bisnetos, parentes, amigos, inimigos, tutti quanti.
Depois
do trabalho, sigiloso, determinou que lhe entregassem os papiros, esquecessem
de tudo e calassem os bicos. O faraó prepararia a redação final e incineraria
os materiais que não interessavam. Disse aos escribas que memórias inventadas,
mentiras, personagens e fatos inexistentes ele mesmo poderia criar. Até
aceitava sugestões, mas o texto e algum romancear seriam por conta ele. O faraó
pensou em assinar o livro como autobiografia, sem mencionar os ghosts escribas.
Pensou que, aí, diriam que era uma biografia chapa-branca, oficial, e achou
melhor não.
Pensou
em pedir a assinatura do historiador do palácio e voltou atrás, porque iam
dizer que era a visão do vencedor e não sei o que mais. A privacidade andava
escassa, os empregados do faraó e outros bocas-grandes ficavam falando demais
pelas ruas. Ao fim e ao cabo, depois de muito pensar pela madrugada, resolveu
chamar, em segredo, um historiador dito independente, que estava doente, com 80
e tantos anos, vivendo recluso, sozinho, numa chácara no interior.
Conversou
com ele, ofereceu-lhe umas ajudas e combinaram que ele assinaria, junto com
alguns velhos alunos seus, a biografia. Há quem diga que tudo isso foi mais uma
invenção do faraó, que ele escreveu sozinho a biografia e que o tal historiador
e os alunos não participaram da coisa. Dizem que a biografia foi publicada após
a morte do tal historiador e dos alunos.
Uns
dizem que eles foram inventados. Há mistérios insondáveis. Verdades? Mentiras?
Narrações? Reinvenções? A história é algo que não aconteceu, contado por alguém
que não estava lá? Nunca se saberá ao certo, mas a obra está bem feita, boa de
ler, que no fim é o que interessa mais, como pensava, aliás, o faraó. Ele
gostava muito de histórias, personagens, pessoas, ficções e não ficções,
autoajuda e esoterismo.
Ele
gostava de pensar que nunca ninguém sabe da história toda e que o mundo do
contar e do ouvir é um labirinto infinito.
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