sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Jaime Cimenti

A biografia do faraó

O faraó resolveu deixar o legado de sua longa e rica existência para a humanidade. Ele achou que o mundo merecia, que não dava para não lerem sua história. Estava com boa memória, sabia pensar e escrever, mas não tinha paciência, tempo e gosto pela tarefa. De mais a mais, tinha vários escribas para escrever sua biografia. Chamou os preferidos e determinou que pesquisassem, buscassem ilustrações e entrevistassem quem bem entendessem. Disse que não haveria censura. Mandou entrevistar suas mulheres, filhos, netos e bisnetos, parentes, amigos, inimigos, tutti quanti. 

Depois do trabalho, sigiloso, determinou que lhe entregassem os papiros, esquecessem de tudo e calassem os bicos. O faraó prepararia a redação final e incineraria os materiais que não interessavam. Disse aos escribas que memórias inventadas, mentiras, personagens e fatos inexistentes ele mesmo poderia criar. Até aceitava sugestões, mas o texto e algum romancear seriam por conta ele. O faraó pensou em assinar o livro como autobiografia, sem mencionar os ghosts escribas. Pensou que, aí, diriam que era uma biografia chapa-branca, oficial, e achou melhor não.

Pensou em pedir a assinatura do historiador do palácio e voltou atrás, porque iam dizer que era a visão do vencedor e não sei o que mais. A privacidade andava escassa, os empregados do faraó e outros bocas-grandes ficavam falando demais pelas ruas. Ao fim e ao cabo, depois de muito pensar pela madrugada, resolveu chamar, em segredo, um historiador dito independente, que estava doente, com 80 e tantos anos, vivendo recluso, sozinho, numa chácara no interior.

Conversou com ele, ofereceu-lhe umas ajudas e combinaram que ele assinaria, junto com alguns velhos alunos seus, a biografia. Há quem diga que tudo isso foi mais uma invenção do faraó, que ele escreveu sozinho a biografia e que o tal historiador e os alunos não participaram da coisa. Dizem que a biografia foi publicada após a morte do tal historiador e dos alunos.

Uns dizem que eles foram inventados. Há mistérios insondáveis. Verdades? Mentiras? Narrações? Reinvenções? A história é algo que não aconteceu, contado por alguém que não estava lá? Nunca se saberá ao certo, mas a obra está bem feita, boa de ler, que no fim é o que interessa mais, como pensava, aliás, o faraó. Ele gostava muito de histórias, personagens, pessoas, ficções e não ficções, autoajuda e esoterismo.


Ele gostava de pensar que nunca ninguém sabe da história toda e que o mundo do contar e do ouvir é um labirinto infinito.

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