quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011



09 de fevereiro de 2011 | N° 16606
CÍNTIA MOSCOVICH - Interina


Qual é o tamanho da esperança?

Era noite e eu ia desligar a tevê para trabalhar (nossa vizinhança anda complicada). Foi quando começou um comercial em que apareciam rostos de pessoas sorridentes. Desconcertante: todos carecas da quimioterapia.

O vídeo faz parte de uma campanha do Instituto Mário Penna, de Belo Horizonte, que atende gratuitamente 73 mil pacientes com câncer por mês. Como vive de benemerência, é claro que o hospital pede doações. Pedem-se palavras que se convertam em esperança.

A coisa funciona assim: na página do Doepalavras na internet (www.doepalavras.com.br), qualquer um pode deixar mensagens com até 144 caracteres – o tamanho da esperança –, que são transmitidas aos pacientes no próprio site e em tevês nas salas de quimioterapia. A campanha já recebeu uma porção de prêmios, foi adotada em 63 países e está disponível a qualquer hospital do Brasil.

Dando um pulo no site, a gente encontra textos que falam de fé ou de força ou de coragem, ou das três coisas juntas. Fé, força, coragem parecem constituir a essência da esperança. Virou até clichê. Fiquei pensando que todo o amor que recebi durante meu tratamento foi expresso dum jeito que para todo o sempre me parecerá a mais sublime poesia do mundo. Clichês funcionam. Por quê?

Quem, como eu, recebe a notícia de estar com câncer, mergulha no fundo do sentimento de irrealidade. De repente, se tem por diante um tratamento que, se por um lado é a esperança de sobrevida, por outro promete um inferno que começa em náuseas e vômitos e termina em dormência de pés e mãos – passando por amenidades como anemia, cãibras, aftas, perda da saliva e do paladar.

Isso tudo sem falar nas cirurgias, muitas vezes mutiladoras. É assustador, caríssimo, há poucos leitos pelo SUS: a preocupação dos médicos é a de que os pacientes não desistam de um tratamento que pode durar de meses a anos.

Nesse sentido é que funciona o Doepalavras. Para quem precisa sobreviver, qualquer chavão na intenção de amor e de ajuda se reveste de um viço e de uma força impressionantes. Eu juro: dentro da gente, qualquer clichê perde a banalidade e vira coisa nova.

O paciente de câncer, na languidez da doença, tem tempo para ir ao miolo das palavras e lá, juntando lógica e intuição, descobrir o valor implícito em expressões usadas de forma desatenta no cotidiano. Não é pouco. Quando se sai de um tratamento desses, a percepção se altera, a gente aprende a ver depois da casca das coisas. Até um cafezinho passa a ser sagrado – e todos se dispõem a fazer tudo de novo, se necessário.

Visite o site, avise o pessoal, ajude. Na verdade, mesmo, mesmo, a esperança só tem o tamanho da boa vontade das pessoas.

Martha Medeiros está em férias e retorna no dia 23.

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