quarta-feira, 5 de agosto de 2009



05 de agosto de 2009
N° 16053 - MARTHA MEDEIROS


Poesia numa hora dessas?

Peguei emprestada a expressão que o Verissimo usa para apresentar seus poemas. É que eu quero falar justamente sobre poesia, um assunto que me parece emergencial, apesar de que tudo leve a crer que não é o momento.

Gente morrendo por causa da gripe H1N1, o Sarney e seu “daqui não saio, daqui ninguém me tira”, e ainda por cima o Fernandão indo jogar no Goiás. Francamente: poesia numa hora dessas?

Me explico. Estive no Rio no último final de semana para, entre outros compromissos, participar de um recital poético organizado pela escritora e atriz Elisa Lucinda em sua Casa Poema. A Casa Poema nada mais é do que uma utopia levada a cabo.

Elisa sustenta uma casa antiga em Botafogo onde ela ensina pessoas a ler poesia, dizer poesia (o verbo “declamar” é proibido) e gostar de poesia. Promove bate-papos com escritores, faz audições públicas da obra de inúmeros autores brasileiros, abre espaço para pequenas apresentações e para sessões de autógrafos, tudo de forma muito afetiva e sem luxo.

Só pelos serviços prestados, a Casa Poema deveria ser tombada pelo patrimônio histórico, mas vou mais longe: Elisa deveria ser tombada junto, porque o que ela faz é suprir uma carência dos nossos currículos escolares: ela educa para a sensibilidade e os sentidos.

Elisa me deu de presente o livro que transcreve o encontro que ela teve na mesma Casa Poema com o escritor Rubem Alves. Bom programa para estas férias estendidas: corra e adquira o seu, foi lançado pela editora 7 Mares.

Nesse livro, Elisa e Rubem discutem sobre o desserviço que é obrigar uma criança a ler um livro que não gosta, sobre o poder que a arte tem de transfigurar maus destinos, sobre o quanto a poesia pode ensinar tudo (geografia, história, matemática) e como não há jeito de se reter conhecimento se não houver emoção.

E eles vão mais longe: acusam aqueles professores que empurram livros goela abaixo de seus alunos sem eles mesmos estarem “tomados” pela beleza e importância do que estão recomendando, e aí não conseguem ensinar o prazer da leitura. Aliás, é bom lembrar que isso deve começar em casa. Não é à toa que as crianças que ouviram seus pais contando histórias são as que, quando adultas, mais se sentem atraídas pelo universo mágico da literatura.

Escutar um poema. Falar um poema em voz alta. Perceber seu ritmo, sua música, sua comunicabilidade. Elisa Lucinda tem o talento de transformar qualquer verso em algo fácil e acessível. Ela prova por a + b que poesia não precisa ser um troço chato.

Quando uma amiga lhe telefona contando sobre uma dor íntima, Elisa saca na hora um poema para ajudá-la a entender melhor o que está sentindo. Elisa é uma outra espécie de doutora: prescreve poesia. Um Tamiflu emocional que ela distribui generosamente.

Mas poesia logo agora que a bruxa está solta no espaço aéreo, que há censura aos veículos de comunicação na Venezuela e em jornal paulista também, que os políticos estão perdendo as estribeiras e que o Fernandão, insisto, assinou contrato com o Goiás? Pois é, me pareceu um momento oportuno.

Aproveite o Dia Internacional do sofá - Uma ótima quarta-feira para você.

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