sábado, 19 de maio de 2018


19 DE MAIO DE 2018

J.J. CAMARGO

DAS PESSOAS MAIS SIMPLES


Adoecer é o mais eficiente revelador do caráter. Grandeza, dignidade, coragem e, muito especialmente, delicadeza são escancaradas pela presença que encanta ou pela ausência que constrange. E a impressão que causamos, não podendo ser ensaiada, revela o que somos na nossa essência.

Corajosos, gentis e resilientes são expostos com a mesma intensidade com que pusilânimes, falastrões e bajuladores são cruelmente desmascarados.

Médicos experientes aprenderam que essas virtudes, que são claramente dependentes da pureza, se encontram com uma frequência comovente entre as pessoas mais humildes, essas que consideram que somos generosos enviados de Deus para socorrê-los.

Não por acaso, as mais candentes histórias de gratidão médica brotam dessas criaturas dóceis, generosas e transparentes.

Algumas delas comovem pela simplicidade que beira o rudimentar, muitas vezes atropelado pela insensibilidade de médicos jovens, que não têm paciência com esses toscos que estão sempre de coração aberto, desejosos de agradar, e tantas vezes sem saber como.

Percebi que o Osmar era uma das vítimas dessa intolerância de quem, tendo muitos pacientes para ver, estava sem paciência para tentar compor uma história truncada pela incerteza e por informações desencontradas. Pedi que deixassem o Osmar comigo quando ouvi do estagiário esta queixa: "Como é que o senhor espera que eu lhe ajude se depois de ter ficado neste ambulatório, ontem, por mais de seis horas, eu lhe peço que me diga o nome do médico que o atendeu, e o senhor responde que não sabia, mas achava que era uma mulher?! Se nem disso o senhor tem certeza, fica difícil, e haja paciência!".

Quando o pelotão de choque debandou, demorei um tempão para acalmar o Osmar, que, só então percebi, tremia.

Contou-me que era das Missões e viera a Porto Alegre para visitar a filha, e então teve uma dor em queimação no estômago e vomitara sangue. A filha não sossegara até que ele viesse para a emergência, mesmo tendo insistido com ela que isso ia passar e que tinha sido causado por uma mistura de pinhão com melancia.

Logo depois, um dos estudantes passou por ali e, com ar debochado, perguntou se eu já sabia que melancia com pinhão dava hemorragia.

O Osmar baixou os olhos constrangido e comentou: "Esse doutorzinho não acreditou no que eu contei, mas o que deixou ele mais irritado foi eu ter esquecido o nome da doutora. O senhor acha que se eu tivesse dito que ela tinha franja teria ajudado?".

"Acho que não, mas não te preocupe, Osmar. As mulheres não trabalham dois dias seguidos com mesmo penteado!". Tinha alívio e gratidão naquele sorriso contido. De qualquer maneira, a mão calosa que se demorou no meu ombro foi, para mim, o melhor gesto daquele dia.

jjcamargo.vida@gmail.com - J.J. CAMARGO

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