terça-feira, 1 de maio de 2018


01 DE MAIO DE 2018
DAVID COIMBRA

Uma noite no Soho


Foi a famosa arquiteta gaúcha Cris Camps quem nos indicou a Piccola Cucina, pequena joia em forma de cantina incrustada no pâncreas do Soho, em Nova York. Chegamos lá, eu, a Marcinha e o Bernardo, e um italiano que, suspeito, era o próprio dono veio nos atender enrolado em um avental e atrás de um sorriso. Nós não tínhamos feito reserva, mas, se déssemos uma volta de 20 minutos pelo bairro, ele nos garantiria uma mesa perto da janela, com vista para um naco feliz da Big Apple.

Então está bem, era uma boa ideia, estávamos em um lugar aprazível para passeios curtos. Saímos e vimos espécimes interessantes da fauna humana, como um cara que vestia calças prateadas e usava uns óculos parecidos com aqueles do Zé Bonitinho e uma linda modelo de pele negra como as madrugadas sem lua da Praia Brava, que era fotografada no meio de uma rua de paralelepípedos. Vinte minutos não são nada, até porque nossa fome não passava dos cinco pontos na Escala Richter. Voltamos e a mesa estava posta, esperando por nós. Sentamos. E só aí notamos como era o lugar.

Tocava uma música que faz bom sucesso nos Estados Unidos, em que uma moça de origem cubana chamada Camila Cabello canta que, embora ela viva em Atlanta, metade de seu coração bate em Havana. É uma música cheia de ginga latina, cheia de malícia morena, que faz você se balançar instintivamente, e era bem isso que todos faziam no restaurante: balançavam-se. Alguns, acomodados em suas cadeiras, ondulavam os ombros, enquanto outros, sobretudo as mulheres, puseram-se de pé e dançavam em frente aos seus pratos de macarrão. Olhei em volta e vi que os garçons também dançavam e, lá na cozinha, exposta por uma grande janela de vidro, os cozinheiros lidavam com panelas e caçarolas e requebravam feito Travoltas.

Na mesa ao lado da nossa, um senhor de uns, sei lá, 76,4 anos, rebolava, cantava e acenava para um grupo de oito mulheres que serpenteavam perto da parede. Sorri. A Marcinha sorriu. O Bernardo sorriu. Logo nós também cantávamos: "Havana uh-na-ná!".

Notei que aquele senhor dançante era italiano. Ele estava acompanhado de outros três italianos ou de ascendência italiana. Tudo era italiano por ali e, por isso, pedimos massa, a minha com molho vermelho, que molho branco é fraude. Vou dizer: estou me lixando para essa dieta dos carboidratos.

A música continuou rodando, e o restaurante foi se esvaziando aos poucos. Antes de pedirmos a conta, o senhor italiano levantou-se, foi à cozinha e beijou os cozinheiros. Depois, beijou os garçons, beijou as moças que dançavam na mesa próxima à parede e, na saída, passou a mão na cabeça do Bernardo como um americano jamais passaria. Na rua, ele montou em uma lambreta e foi-se embora em alta velocidade.

Paguei, por fim, e nos levantamos. Quando o dono do restaurante viu que estávamos indo embora, pulou de alguma sombra, correu na minha direção e estendeu a mão. Cumprimentou-me calorosamente, de um jeito nada anglo-saxão. Caminhando pela calçada do Soho, comentamos que climas assim calorosos só são possíveis entre latinos e que isso fazia toda a diferença no estado de espírito de uma pessoa. Havana uh-na-ná, cantava a moça, dizendo que metade do coração dela estava em Cuba. Metade do nosso está no Brasil.

DAVID COIMBRA

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