02 de novembro de 2016 | N° 18676
ARTIGO | GERSON SCHMIDT*
DESPREZO PELA MORTE
A falta de consciência de nossa morte gera um descompasso, um desleixo com a vida atual. A violência, a insegurança, o medo, a incerteza ao nosso redor, são causados pela descrença na continuidade da vida após a morte. O ateísmo gera um desprezo pelas atitudes cotidianas, não havendo nelas peso de eternidade, sem necessidade de terem responsabilidade.
Viver por viver, aproveitar a vida como bem quiser, agir de acordo com a própria vontade e consciência trazem esse descompromisso com o presente e com a casa em comum. Vale o que me apraz, que me é útil e dá prazer e lucro no agora. Se o amanhã é incerto, é desprezível. Se descontínuo, posso fazer o que eu quero. Amar o outro não terá valor.
Viver sem pensar na morte leva a vida a um caos, um abismo sem volta, um mar de atitudes desconexas. Minha consciência que decide tudo. O pecado é invenção e privação de minha liberdade pessoal. Tudo posso. Tudo será questão de gosto, de sensação momentânea, epidérmica, deixando “a vida me levar; vida leva eu”.
A nossa sociedade vive nessa caoticidade porque não se reflete mais que a vida é passageira. Somos imediatistas. A corrupção no país está nessa magnitude porque não se pensa mais em condenação, nem em morte, nem em juízo. Posso roubar, matar, cuspir, mentir e aprontar à vontade. As atitudes errôneas não possuiriam mais consequências eternas. Se o outro me impede de ser feliz, eu elimino e mato. Importa o momento presente, passando para trás a todos, a qualquer preço, custe o que custar, do jeito como bem entender.
A sociedade perdeu a ética porque não pensa mais no fim último do homem. Perdeu-se a fé. E, se Deus não existir, eu posso agir como bem entendo. Eu sou juiz de meu comportamento. Sou um deus de mim mesmo. Nada me impediria de agir a meu bel-prazer. Se a eternidade, como salvo ou condenado, não existir, posso agir sem escrúpulos e culpas. A vida é sem sentido e fútil quando não pensamos que um dia vamos prestar contas do que fizemos ou deixamos de fazer. É preciso viver pensando no fim. Nascemos para morrer. É preciso morrer, crendo em ressuscitar.
*Padre e jornalista
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