domingo, 13 de outubro de 2013

ANTONIO PRATA

Diário da paternidade II

Até os três meses era claro, minha filha me notava só como um assistente, um estagiário da mãe

Ontem, às 4h17 da madrugada, ninando minha indômita filha pelo quarto, cheguei à seguinte imagem: é como se eu fosse um patinador no gelo, dando volteios em câmera lenta, agarrado a uma tainha de cinco quilos que se debate em fast-forward. Quando ela finalmente dorme no meu colo, contudo, a coloco no berço e volto para o quarto, me sinto como o Amyr Klink retornando ao lar depois de ter sido o primeiro homem a atravessar o Atlântico num barquinho a remo. Momentos tétricos, momentos épicos.

Ter filho te insere, imediatamente, no entusiasmadíssimo clube dos que têm filhos. Um clube que você até sabia que existia, mas para o qual não dava a menor bola. É algo assim como, de uma hora pra outra, passar a torcer pra Portuguesa --na atual fase da Portuguesa.

Lusa! Lusa! Lusa!

Às vezes, na rua ou no mercado, percebo que homens ou mulheres com criança de colo estão com medo de mim. É que lhes lancei meu olhar "eu-também-tenho-uma-filha-recém-nascida-eu-sei-o-que-é-isso-que-coisa-mais-linda-que-coisa-mais-doida-parabéns-por-atravessarem-o-Atlântico-todas-as-noites-tamo-junto-Lusa-Lusa!". Infelizmente, a se julgar pelas respostas faciais, toda a intenção do meu olhar se perde em algum lugar entre o córtex e as retinas, me deixando apenas com essa expressão de tarado ou maníaco religioso louco de ácido prestes a, sei lá, lamber alguém.

Quantos rostos têm um bebê? Olivia espicha o pescoço, é Audrey Hepburn, retrai, é John Goodman --e eu nunca tinha reparado que o John Goodman podia ser tão lindinha. Numa mesma foto, ela parece a minha irmã ao nascer, meu avô paterno aos 80 e sua prima Nina, de 5. O mais legal, no entanto, é quando a olhamos e falamos: "Agora ela não parece ninguém, agora ela tá com cara de Olivia".

Outro dia fomos ao pediatra e tive que preencher uma ficha. Vi lá "Nome do pai" e já saí escrevendo: "Mario Alberto Campos de Moraes Prata". Levou uns cinco segundos para eu entender que o pai era eu. Pensando bem, talvez ainda não tenha entendido. Terei que preencher mais algumas fichas até que a ficha caia de vez.

Semana passada, Olivia fez 3 meses: nossas olheiras aparentam 300 anos; nossos corações rejuvenesceram 30 --e não são à toa os múltiplos de 3.

Durante três meses eu fui apenas um assistente desqualificado. Olivia chorava, eu chegava pra socorrer e, do fundo do berço, ela franzia a testa: "Saco, mandaram o estagiário...". Mas, para minha felicidade, após 90 dias tudo mudou: eu chego, ela sorri. Minha filha finalmente se deu conta da existência do seu pai! (Ou, talvez, só tenha começado a achar graça deste desengonçado estagiário da mãe.)


Agora, com licença: o Atlântico me chama e, pelo rugir das ondas, não está nada pacífico.

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