sábado, 12 de outubro de 2013


13 de outubro de 2013 | N° 17582
FABRÍCIO CARPINEJAR

Agradeço sua tristeza

Nunca fui um bom companheiro da tristeza de ninguém.

Quando as ex ficavam chateadas, reclamavam que eu não sabia me comportar, que eu não respeitava o espaço, que buscava divertir e não era o momento, que inventava piadas atrasadas, que minha insistência otimista desagradava.

Precisava acompanhar o tango de Gardel: não podia me mexer, nem respirar. Qualquer coisa que eu fizesse vinha a ser considerada incômoda e inoportuna. Herdava como missão sair de perto, não segurar a mão, não abraçar, não beijar, não rodear, não perguntar, não responder.

Enfim, havia a obrigação de desaparecer, senão a tristeza migrava para o pânico e depois pagaria a conta.

Não cabia me aproximar, trocar de canal, existir.

Eu me prontificava a escutá-las e ganhava um cartel de críticas, me prontificava a falar e citar exemplos de superação e recebia patadas.

Não absorvia a fórmula. Tranquilo respeitar a tristeza do outro, entendo, guardo os meus aborrecimentos, mas não via sentido em promover a tristeza, incentivar a tristeza, festejar a tristeza.

Na minha perspectiva, a mágoa se assemelha a uma trégua, um intervalo musical, um momento repentino (ou devo ser mesmo muito amador para sofrer e não estava preparado para a vida profissional das lágrimas).

Com Katy, é diferente. Até a tristeza dela aceitou casar comigo.

Sua tristeza não é arrogante, áspera, não me sinto intruso. Minha mulher se cala por uma hora, com os olhos boiando pela casa, nadando em seu silêncio de sereia. Posso passar próximo, acariciar seus cabelos, tocar em seu rosto, oferecer um copo d’água, que não serei denunciado por maus-tratos.

Ela é triste em seus pensamentos, mas não é sádica nos gestos. Não me obriga a repeti-la, muito menos julga minha diferença de tratamento. Não recrimina minha presença ou a disposição otimista. Acolhe-me a distância, sem distanciamento, como se estivesse me mirando no apartamento envidraçado da frente.

Depois de cumprir seu ritual, regressa para mim com um riso inocente:

— Desculpa minha tristeza.

E me abraça ternamente, girando o rosto como uma chave em meus ombros.

A tristeza de Katy ainda por cima é educada.

Só tenho vontade de agradecer.

Dizer obrigado para sua tristeza.


Dizer para sua tristeza: volte sempre.

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