quinta-feira, 10 de outubro de 2013


10 de outubro de 2013 | N° 17579
PAULO SANT’ANA

Picotando milongas

Churrasco é como mulher, o melhor será o próximo.

O Alzheimer pelo menos me trouxe um grande benefício: esqueci dos credores.

O rico mais feliz é o que tem fama de pobre.

O Viagra, o corrimão e a bengala são os bálsamos dos velhos.

Eis-me ali, faz uns 20 anos, em plena Buenos Aires, a passeio.

Eis-me ali picotando milongas em algumas casas de tangos populares nos arrabaldes da grande capital.

Olhe ali como num canto do salão demonstro elegância ao dançar um tango com uma mulher que enlaço e ela parece uma serpente em meus braços nas circunvoluções do tango!

Olhe ali como ao mesmo tempo que danço tenho sensibilidade, além de motora, intelectual: “Sé del beso que se compra e sé del beso que se da”, diz a letra que adorna a música.

Ah, aprendi daquela vez por três dias a ser um portenho. E ouvir com reverência o mais célebre poema de rua da Buenos Aires boêmia e filosófica:

Hoy no creo ni en mi mismo.

Todo es grupo, todo es falso,

Y aquél, el que está más alto,

Es igual a los demás...

Por eso no has de extrañarte

Si alguna noche, borracho,

Me vieras pasar de brazo

Con quien no debo pasar.

Monumental esse trecho do poema de Francisco Gorrindo que virou tango de Roberto Grela.

Quando ele diz que “aquele que está mais alto é igual aos demais”, aparentemente quer dizer que Deus tem os mesmos defeitos dos humanos.

Mas por trás disso há a verdade de que “o homem foi feito à semelhança de Deus”.

Portanto, corre nas nossas veias e percorre nossos nervos, músculos e ossos uma centelha divina que nos impulsiona a viver.

Por falar nisso, eu já vivi muito, já subi 1.800 colinas. E desci depois todas elas.

A vida nada mais é do que escaladas e descidas.


E o ideal é que façamos escaladas sublimes. E descidas, ainda que pedregosas, suportáveis.

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