sábado, 12 de outubro de 2013

Um planeta abarrotado

Em 2050, a população mundial poderá atingir 10 bilhões de pessoas. Os cientistas debatem se estamos diante de um apocalipse demográfico

FELIPE PONTES
12/10/2013 07h00
  
SUPERPOPULAÇÃO  A Cidade Murada de Kowloon, em Hong Kong, na década de 1980. Uma antecipação do futuro? (Foto: Derek M. Allan/Corbis)

A Cidade Murada de Kowloon, em Hong Kong, na década de 1980. Uma antecipação do futuro? (Foto: Derek M. Allan/Corbis)

Há exatos 20 anos, o governo de Hong Kong mandou demolir a Cidade Murada de Kowloon, um dos conjuntos populacionais mais densos da história. Na ocasião, a área tinha 0,3 quilômetro quadrado e concentrava 500 prédios, ocupados por 50 mil pessoas. Conhecida em cantonês como “a cidade das trevas”, a Cidade Murada de Kowloon teve uma história tão caótica quanto sua ocupação. No começo do século XIX, era um posto militar chinês. 

Após o Reino Unido ocupar Hong Kong, em 1898, tornou-se uma região abandonada. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão arrasou o lugar. Depois da rendição japonesa, ele virou um território sem governo – fora da jurisdição tanto da China quanto do Reino Unido – e passou a atrair refugiados de guerra. Sem planejamento, centenas de prédios foram erguidos desordenadamente, grudados uns aos outros. Na falta de serviços públicos, os residentes cavaram poços para ter acesso à água. As condições de higiene eram precárias. O lixo era armazenado no terraço dos prédios. Na década de 1980, a região, por fim, virou um polo de bordéis e cassinos, orbitado por traficantes de drogas.

A Cidade Murada de Kowloon deixou de existir, mas o planeta todo poderá tornar-se uma versão amplificada dela. Ao menos, essa é a visão de futuro do britânico Stephen Emmott, chefe do laboratório de pesquisas da Microsoft e professor de ciência da computação na Universidade de Oxford. Em seu livro 10 bilhões (Editora Intrínseca, 208 páginas), lançado recentemente no Brasil, Emmott relaciona uma série de projeções para demonstrar que a Terra está à beira do apocalipse demográfico. Atualmente com 7 bilhões de pessoas, a população mundial, segundo Emmott, deverá atingir 10 bilhões em 2050 e 28 bilhões em 2100. 

“Estamos mergulhando num problema sério e ainda não fizemos nada para combatê-lo”, disse Emmott a ÉPOCA. “As consequências drásticas de ações como queimar combustíveis fósseis, produzir alimentos e poluir a atmosfera ainda estão por vir.”

Emmott diz que a necessidade de recursos indispensáveis para manter uma população em crescimento exponecial aumentará, no futuro, para níveis insustentáveis. Para a humanidade ter alimentos suficientes nos próximos 40 anos, ele calcula que será preciso produzir mais comida que toda a produção agrícola nos últimos 10 mil anos. A demanda por alimentos dobrará até 2050. Isso levará ao desmatamento de 1 bilhão de hectares. Até 2100, a procura por terras deverá triplicar e exigir a ocupação de áreas onde existem hoje florestas tropicais.

Segundo Emmott, dois obstáculos sérios se interpõem nesse caminho. A humanidade já usa toda a terra para agricultura existente no planeta. Além disso, a produtividade agrícola deverá cair nas próximas décadas por causa de eventos climáticos extremos (como calor, secas e inundações), da degradação do solo, da desertificação e do esgotamento hídrico (induzido pelo aumento populacional).
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A demanda por terras triplicará até 2100 para atender à necessidade de alimentos da população 

Contra o pessimismo de Emmott está Danny Dorling. Também britânico e professor da Universidade de Oxford, onde leciona geografia, Dorling lançou em junho na Grã-Bretanha o livro Population 10 billion (População 10 bilhões, em tradução livre). Na obra, ele diz que a Terra não está em apuros. “As taxas de crescimento da população mundial estão caindo há 40 anos”, afirma. “Estamos nos estabilizando.” O cálculo de 28 bilhões de pessoas em 2100, feito por Emmott, leva em conta a estabilidade das taxas de fertilidade feminina atuais. Dorling escreve que a população mundial começará a cair depois de atingir 10 bilhões.

Emmott e Dorling concordam num ponto crucial. Os dois acham que o consumo exacerbado torna o mundo insustentável em qualquer circunstância. “Não devemos temer o crescimento populacional”, diz Dorling. “O problema reside no bilhão mais rico, aquele grupo que polui mais que o resto somado.” Emmott segue uma linha semelhante de raciocínio. “Precisamos mudar globalmente o modo como vivemos”, diz. “Infelizmente, não vejo isso acontecendo.”

A humanidade teme o problema da superpopulação há séculos. Ele ganhou relevância intelectual em 1798, quando o economista britânico Thomas Malthus desenvolveu uma teoria argumentando que a população humana cresceria em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumentaria em progressão aritmética. Após a revolução industrial e os avanços das técnicas agrícolas, as teses de Malthus perderam força. Mas não totalmente, como mostra o debate neomalthusiano sobre uma Terra superpovoada. 

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