segunda-feira, 21 de outubro de 2013


21 de outubro de 2013 | N° 17590
ARTIGOS - Paulo Brossard*

O preço da omissão

Tenho sob os olhos a notícia de dois fatos que, a despeito de sua diversidade, ambos me parecem de suma relevância. O primeiro diz respeito ao PCC, Primeiro Comando da Capital. Faz 20 anos que ele atua dentro e fora dos presídios. Deve-se o relato ora divulgado ao Ministério Público Estadual de São Paulo, cujo trabalho se estendeu por três anos e meio, a partir de escutas telefônicas e pesquisas sobre apreensões de drogas; o centro da devassa, obviamente, era São Paulo, mas se irradiou por 22 Estados e também ao Paraguai e Bolívia.

O PCC atua em 90% dos presídios paulistas; o faturamento da original e bem-sucedida empresa é estimado em R$ 120 milhões anuais, o que a coloca entre as 1.150 maiores empresas do país em volume de vendas; 6 mil de seus integrantes são presos, e 1,8 mil encontram-se em liberdade; a administração cabe aos apenados, a entidade ordena assassínios, resgate de presos, atentado a autoridades e ainda dispõe de tribunais para julgar e executar a quem se torne infiel à comunidade; tudo isso se processa dentro de bens públicos como as penitenciárias.

A referência a esses dados visam apenas mostrar que, se o PCC funciona faz 20 anos, para chegar às atuais dimensões imperiais é porque durante esse longo período houve inépcia ou conivência de quem tinha o encargo de zelar pela exação dos serviços públicos, e também não falo para recriminar o passado, que não se recupera, senão para apontar os malefícios acumulados e o que a omissão pode causar em matéria de danos. O resto é de hoje e fala por si.

Se a administração alude à transferência de detentos perigosos para penitenciárias de alta segurança é o bastante para o PCC opor o seu veto (!) à iniciativa oficial e, mostrando as unhas ao governo, divulga que a morte do governador do Estado de São Paulo será a sanção a ser-lhe aplicada. Em outras palavras é um “Estado” a arrostar outro Estado.

De um lado, a demora nas providências públicas a revelar praticamente a impotência do Estado com toda sua imensa armadura, de outro lado o poder na sombra e na calada que sua natureza delituosa lhe permite exercer e ainda consolidar, pareceria anedota, mas a ameaça vale como a radiografia de uma realidade social e estatal.

Em tudo diferente é o fato das passeatas ditas pacíficas que terminam em vandalismo. Há quem pense que as duas fases, a educada e a selvagem, atendem a um plano; que a versão é plausível ninguém negará, mas o caso vai além.

Não me parece seja casual que essas manifestações no Rio tenham como centro a Cinelândia, a alguns metros do Teatro Municipal, do Museu de Belas Artes, da Biblioteca Nacional, da Justiça Federal; quem quebra por quebrar ou quebra deliberadamente pouco faz destruir um bar ou incendiar uma biblioteca, quem queima um ônibus igualmente queima um museu, indiferente ao que vai destruir.

Não faltará quem diga que isto seria impossível ou improvável, ora, neste mundo nada é impossível e por que seria improvável se atos de crescente violência se repetem cronometricamente desde o domingo da vaia!

Se por idiotia, paixão, preconceito, perturbação mental ou ferocidade ideológica ou pelo que for, pode acontecer e o mundo está cheio desses desastres. De resto, quem sabe o que se passa na cabeça de um mascarado que vai às ruas para destruir e queimar bens úteis, quando não necessários? Os fatos estão aos olhos de todos, as máscaras também. Os Black Blocs têm limite conhecido? É por isso e por muito mais que é grande a minha preocupação.

Nos dois casos, um diagnóstico comum. Omissão e tolerância do Estado. É alto o preço que a sociedade paga pela covardia.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF


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