segunda-feira, 28 de outubro de 2013


28 de outubro de 2013 | N° 17597
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Uma ciência esquecida

Estava eu posto em sossego num restaurante, em doce enlevo com umas trufas, quando notei que me achava na alça de mira de uma deusa de idade indefinida – aposte em qualquer escore entre os 30 e os 45 anos e você acerta. Como ela se encontrava acompanhada de seu dono e senhor, concentrei-me primeiro no prato e em seguida na recordação desta despretensiosa teoria (e por que não prática?) da secada, pois é disso que volto a tratar: há muito descobri que é inesgotável.

Sou estudioso dessa esquecida ciência há décadas. Se meu leitor é vítima da infinita dissimulação das mulheres, algo que elas aprendem desde o berço, sabe do que estou falando. Você desce por exemplo uma escada rolante e, bem ao lado, só que no sentido contrário, sobe uma daquelas perfeições que só existiam na Grécia antiga ou em filmes franceses proibidos até 18. Ela o coloca bem no foco de seu olhar e aí vai se distanciando, sem dó nem piedade, para o nunca mais.

Tem a dissimulada, uma criatura magnífica, que te fita como me fitou a deusa do restaurante das trufas, mas mantêm a mão na do marido (Fred Bongusto compôs uma esplêndida canção sobre esse secreto triângulo). Há a que te olha intensamente, quase como numa intimação, em uma rua movimentada, e aí percebes que ela desapareceu na entrada de uma imensa loja, de uma galeria, de um shopping, e jamais tornará a encontrá-la.

Existe a que fala por gestos: ela não apenas te olha, mas mexe nos cabelos e, por alguma estranha razão, toca a própria nuca, como se esta fosse a sede e o foro de todos os seus interditos desejos. E não esqueço a tímida, que concede não mais que um canto de sua atenção, em miradas súbitas e logo envoltas em fingimento.

Quando eu era adolescente, havia algo que se chamava reunião dançante. Era assim: os rapazes, com seus ternos de nycron e gravata e suas cubas libres, ficavam de um lado da sala da qual fora retirado previamente o tapete; as meninas se postavam na outra breve extremidade, com seus sapatos altos, seus penteados esculpidos em laquê e seus refris. Você jamais se atrevia a transpor aquele território de assoalho, que brilhava graças à cera Parquetina, sem estar absolutamente convicto de que a eleita de seu coração correspondia às suas secadas.

Eram outros tempos, em que a gente não ousava sequer tocar em certos temas ou em certas regiões da natureza humana.

Eram tempos em que, ao som de The Platters, de Sinatra ou de Perry Como, rapazes e meninas exercitavam suavemente sobre o parquê, além da teoria e prática da secada, o brando esporte do rosto colado, e se você não sabe o que é isso perdeu metade de sua vida.


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