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sexta-feira, 6 de agosto de 2010
6 de agosto de 2010 | N° 16419
PAULO SANT’ANA
O horário da novela
A minha turma da Rua Padre Chagas é teimosa em dar apelidos aos outros.
Há um advogado que senta com a gente no café e para tudo que se diz ele responde com a mesma expressão: “Há nexo”.
Se se fala que os terroristas islâmicos atam bombas a seu próprio corpo e as explodem nas áreas inimigas, ele intervém: “Há nexo”.
Se a conversa gira em torno da adoção de crianças por casal de gays, ele lasca: “Há nexo”.
Para tudo que acontece no mundo ele tem uma sentença: “Há nexo”.
Foi aí que a turma da Padre Chagas já o apelidou de Anexo.
Já um tipo extrovertido que senta à mesa de vez em quando e se deita a narrar suas aventuras eróticas a turma da Padre Chagas apelidou com um primor vernacular.
O sujeito afirma sempre em suas narrativas que, durante os frequentes congressos carnais que mantém fora do casamento, pauta sua conduta por ficar trocando palavras obscenas com as parceiras enquanto se dedica ao intercurso.
Ele só tem prazer no sexo quando ele e a parceira pronunciam obscenidades durante os jogos de amor.
Sente mais prazer nas palavras do que no sexo propriamente dito.
A turma da Padre Chagas já o apelidou de Sexófono.
Mas sempre ronda a mesa de rua do café um vendedor de bugigangas, um tipo muito simpático, que no entanto apresenta um defeito físico bem acentuado: todo o seu corpo é coberto de verrugas.
Ele mostra verrugas nas mãos, nos braços, no rosto.
A turma da Padre Chagas foi cruel e infame ao apelidá-lo de Chokito.
É, existem os apelidos cruéis. Como aquele muito conhecido do sujeito manco: Deixa que eu chuto.
Há jogos como o de ontem à noite entre São Paulo e Internacional que se pode chamar de eletrizantes.
Para quem não é ligado a futebol, ilustro que são partidas em que as pessoas que torcem ficam moídas por dentro de tensão e nervosismo, parece que cruzam por um corredor em que a qualquer momento podem cair no abismo do inferno ou no paraíso do céu.
Tudo se decide nesses jogos, que significam muito mais para os colorados torcedores e gremistas secadores, caso de ontem, do que qualquer jogo de Copa do Mundo ou corrida decisiva da Fórmula-1.
Quando é pela televisão, como ontem, os torcedores e secadores vão para casa e lá no recôndito do lar curtem uma agonia tão exasperante que só poderá se extinguir com uma vitória consagradora.
E há, no entanto, alguns torcedores ou secadores, conheço muitos deles, que têm uma reação estapafúrdia: recusam-se a ver os jogos, e vão ao cinema ou se escondem dentro de sua próprias casas, sem ver televisão.
Escolhem saber do resultado só no fim do jogo e vão apalpando o rádio e a televisão, temendo que lhes tenha sido desfavorável.
Essa voltagem de sensação é a matriz do futebol, algo assim como se sentem os soldados que participam de uma guerra e não têm tempo nem para dormir, a cada batalha sangrenta que se sucede.
É o mistério do futebol, a magia do futebol, o segredo do futebol, a que não têm acesso pessoas que não gostam desse esporte.
O futebol, com essa vertigem, já conseguiu todas as façanhas, só não alcançou uma, que permanece indiferente e insolente a ele: o futebol ainda não conseguiu milagrosamente mudar o horário da novela.
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