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terça-feira, 3 de agosto de 2010
03 de agosto de 2010 | N° 16416
LUÍS AUGUSTO FISCHER
Papéis velhos
Mais uma vez a vida me empurrou para o encontro com papéis velhos. Rescaldo ainda de uma mudança, coisa inevitável, que um clássico ajuntador de papéis, como eu, ao mesmo tempo adia e espera. Chegou o dia, lá fui eu.
A primeira pergunta que me faço numa hora dessas é trivial e terrível: por que guardar tanto papel, tanto recorte de jornal e revista, tanta carta, tanto impresso? Porque, respondo no mesmo patamar de trivialidade, nos julgamos eternos, com tempo suficiente para recuperar tudo aquilo que ali ficou guardado, nas linhas ou nas entrelinhas.
Nas linhas: uma grande história – como a de uma coluna do historiador Bóris Fausto na Folha de S. Paulo, do dia 25 de agosto de 2003, um preito à memória do recém-falecido poeta concreto Haroldo de Campos. Não sei se foi maldade ou ingenuidade, mas olha só a frase do Fausto (historiador, repito, não poeta, nem crítico literário, colega de escola de Haroldo e de Augusto, o irmão):
“Muito aprendi com eles e tive, em troca, a honra de convencê-los de que Drummond era um poeta bem superior a Cassiano Ricardo”. Que beleza saber isso, que delícia ter uma prova documental da leitura errada de poesia pelos poetas concretos!
Em outras linhas: o historiador Evaldo Cabral de Melo, em O Globo de 27 de setembro de 1997, concede entrevista por ocasião do lançamento de livro novo, sobre a história de Pernambuco, sua especialidade. Em certo parágrafo, diz que foi “o maior erro o Brasil não ter respeitado o Tratado de Tordesilhas”.
E arremata: “O Brasil deveria ir da ilha de Marajó a Santa Catarina. O Rio Grande do Sul ficaria de fora. Não teríamos tantos militares”. Comentário exemplar como redonda bobagem provinciana, na boca de um alto historiador. Como lembrar disso sem o meu velho recorte?
Em entrelinhas: Zero Hora, a 17 de outubro de 1999, estampa matéria, com fotos e tudo, em que aparecem dois velhinhos, Abel Nunes, 102 anos, e sua mulher Miguelina, 81, moradores de Arroio do Meio. Os dois guardaram por décadas as suadas economias de uma vida de labor e privação, pensando no futuro.
Guardaram literalmente: iam colocando as cédulas de dinheiro dentro de uma mala, das antigas. Iam colocando ali e esperando pelo futuro, que uma hora dessas chegaria. Chegou, mas depois de ciclos inflacionários ensandecidos, que corroeram todo o valor do que guardaram. Seu Abel ainda lembra que amigos o avisavam não ser prudente manter aquilo em casa, mas ele não deu muita bola.
O tempo passou, o dinheiro do Seu Abel voltou a ser apenas papel impresso, parecido ao meu caso, que também estou aqui com a mão cheia de poeira. Amigos já me disseram que a internet “tem tudo”, parecido com o que afirmaram ao Seu Abel; nem ele nem eu nos convencemos.
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