sábado, 28 de agosto de 2010



28 de agosto de 2010 | N° 16441
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES - INTERINO


Ela se chama Tieta

Andei lendo que a irracionalidade está na moda de novo. Atitudes aparentemente não sensatas, não comandadas pelo que seria a razão, movem a inventividade, a ciência, as artes, as relações humanas. É uma conversa antiga, dessas que vão e voltam. Eu convivi por muito tempo com uma tentação irracional por culpa das minhas origens fronteiriças. Lembrei disso agora que está começando a Expointer.

Queria um dia chegar a um leilão, de boina, jaqueta campeira uruguaia e calça frisada, me abancar e comprar uma égua crioula. Não qualquer uma, mas a estrela do remate. Seria minha loucura da maturidade.

Disputaria um animal lance a lance com vários pretendentes. Dou mais 3 mil, dou mais 5 mil e dou mais 10 mil. Até ouvir o leiloeiro bradar: o comprador da égua Tieta da Santa Angélica é o senhor Alejandro Castiglione Martinez de Reyles, do Uruguai.

Usaria pseudônimo. Don Alejandro seria parte da fantasia. Não me interessa que saibam quem eu sou. Me interessaria captar os olhares de admiração. Ouvir os aplausos que fecham os grandes negócios. Só me identificaria na hora de pagar.

E pagaria com cheque, para ter o prazer de preencher por extenso, lentamente: noventa e oito mil e seiscentos reais. Como não detenho ações da Vale ou da Petrobras, minha irracionalidade tem limites.

Dia desses, conversei sobre isso com o Décio Guerreiro de Lemos. Décio faz remates desde guri, quando ajudava o pai, seu Fidelcino, primeiro leiloeiro lá de Vacaria. Faz leilão, bate martelo, e também faz pista.

Fica ali na volta dos compradores pegando os lances. Pois o Décio me disse que essa compra no impulso está cada vez mais rara. Chamavam de compra no uísque com pagamento na mineral. Compravam na euforia e pagavam na ressaca.

E me contou que o comprador de gado vai na razão, é calculista. O comprador de cavalo segue a emoção, se apaixona pelo bicho. Dá um tchan. O Décio me presenteou com um calendário da Cabanha Santa Angélica e senti o tchan quando vi a foto da égua Tieta.

Uma zaina colorada de cabeça empinada, arrogante. A Tieta é uma obra de arte. Tem três patas brancas. Só uma pata, a dianteira direita, é zaina. Parece ter sido pintada pelo Velázquez. Quantos garanhões já suspiraram por Tieta?

Eu, dono de Tieta. Então pensei nos aplausos, e o Décio me alertou. Nem sempre é assim. Me disse que certa vez o fazendeiro Geraldo Bordon comprou tudo que havia à venda e foi vaiado. Esculhambou com a brincadeira. Um remate, como se dizia antigamente, é um ritual. O Décio, que o chefe dele, o Marcelo Silva, chama de Gordinho, vira adrenalina pura num leilão. Sente-se um ator. Aquilo é o meu palco, me disse. E ficou com cara de guri chorão quando falou do seu Fidelcino.

A prosa boa, com Tieta ali nos olhando, quase mexeu com minha irracionalidade. Mas não me animei a perguntar quanto custaria a égua. Estou com o calendário em casa, ao lado do computador. A página com a foto da zaina é do mês de junho de 2011. Os outros meses que esperem. O tempo é coisa para gente racional demais.

Pelos mails que recebi, não querem a volta do Ronaldinho para o Grêmio. Está bem assim. Fiquemos com o que temos. Até o sofrimento vicia.

Ao fazer e refazer a lista dos parceiros do tempo de Livramento ontem, deixei de fora, numa barbeiragem, o nome de Wolmer Jardim. Era o primeiro da lista. Tua cidade adotiva pede socorro, compadre.

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