McDonald's abre nova loja na Zona Norte de Porto Alegre
Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
terça-feira, 31 de janeiro de 2023
A porta da cozinha
Tempo feliz em que não sofríamos com a preocupação e a infelicidade dos adultos. A porta da frente era somente para visitas. As visitas tinham o direito exclusivo de apertar a campainha e de pisar no capacho verde em que se lia “bem-vindo”. Ai de nós se sujássemos o tapete com os nossos tênis enlameados!
Entrávamos em casa pelo pátio, abrindo o portão de ferro da garagem. Nem precisávamos de chave. Jamais carreguei chave de casa na minha infância. A porta dos fundos estava sempre destrancada.
Vivíamos uma sequência planejada de cenas: o cachorro pulava nas nossas pernas, brincávamos com ele no chão para amenizar a sua carência e acalmar os seus latidos, largávamos a mochila no armário da limpeza como se fosse um peso morto e seguíamos para dentro do lar, a partir da cozinha.
Chegávamos da aula por volta do meio-dia. Um pouco antes até, já que morávamos perto da Escola Estadual Imperatriz Leopoldina e andávamos a pé por algumas quadras. Jamais mudávamos o nosso roteiro: atravessávamos parte da rua Palmeira, depois Guaporé, em seguida Bagé para desembocar na Lageado.
Gritávamos “ô de casa” para ver se pai ou mãe se encontravam por perto. Nosso primeiro impulso consistia em abrir as tampas das panelas fumegantes para espiar o que iríamos comer. Ninguém fazia spoiler da refeição no dia anterior. Descobríamos o cardápio desse jeito, com o vapor na cara. Uma nebulização sem igual do perfume da comidinha caseira. Fechávamos os olhos para inspirar longamente o aroma.
Na maior parte das vezes, desfrutávamos de um momento sozinhos com o fogão. Com a comida pronta e prestes a ser servida. Ninguém estava por ali vigiando e fiscalizando a nossa invasão. Pegávamos sorrateiramente um garfo na gaveta para experimentar um pouquinho de cada iguaria. Soprávamos para não queimar o céu da boca. Um bafejava o talher do outro pela pura algazarra.
Sabíamos que não podíamos profanar o cardápio, mas não temíamos a reprimenda. Valia a pena. Negávamos o mandamento sagrado e a regra geral de apenas comer na mesa e com as mãos limpas. Tempo feliz em que enganávamos a fome ciscando o que achávamos pela frente, como passarinhos penetras que pegavam rapidamente o alimento e logo voavam. Tempo feliz em que ninguém tinha morrido e todos se ajudavam. Tempo feliz em que não sofríamos com a preocupação e a infelicidade dos adultos.
Melhor do que provar o conteúdo das panelas, só quando a mãe fazia panquecas e nos antecipava as massinhas quentes e douradas. Ríamos da chance única e autorizada de comer antes da família. Pouco importava a falta de recheio, deliciávamo-nos com o favoritismo. Nas vésperas de nossas festas de aniversário, contávamos com o luxo de raspar o brigadeiro. Recebíamos uma colher de pau para o banquete dos restos do doce, um cetro da nossa primazia e realeza. Lavávamos o fundo do aço com os beiços.
Vocês ainda se lembram disso, meus irmãos?
31 DE JANEIRO DE 2023
COMBUSTÍVEIS E PETROBRAS
Prates projeta criação de fundo para frear preços
O novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, aposta na criação de um fundo para tentar frear a alta dos preços dos combustíveis nas bombas e reduzir o impacto da volatilidade dos derivados do petróleo, do gás de cozinha e do gás natural para o consumidor final. Especialistas alertam que o mecanismo deveria se restringir ao diesel, devido ao alto custo para os cofres públicos.
A proposta já foi aprovada no Senado no início de 2022, com relatoria do próprio Prates, então senador pelo PT do Rio Grande do Norte. Agora, o projeto deve voltar à pauta na retomada do ano legislativo, em fevereiro, quando tramitará na Câmara dos Deputados.
A interlocutores, Prates argumenta que o mecanismo da conta de estabilização - abreviada na sigla CEP-Combustíveis - seria a melhor opção de curto prazo para os combustíveis. O mecanismo seria capaz de conferir preço aceitável pelo consumidor final, mas sem punir produtores e importadores, recompensados pela conta.
No médio e longo prazos, a saída avaliada pela Petrobras seria aumentar a capacidade de refino da estatal. Isso reduziria a exposição do mercado brasileiro às variações das cotações internacionais, porque eliminaria a dependência de derivados importados.
Ontem, Prates disse, em evento no Rio de Janeiro, que preço de combustíveis é um assunto de governo. A declaração vem em linha com o que afirmava ainda antes da posse. O tema dos preços dos combustíveis, para ele, não deve ser tratado pela Petrobras, mas pelo governo e suas autarquias, como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Ingerências
Ainda assim, Prates é defensor de uma solução dupla, que passa pela criação de um fundo de estabilização de preços e pelo aumento da capacidade de refino da estatal.
A atual política de preços da Petrobras - de paridade com o mercado externo - foi alvo constante de críticas do então presidente Jair Bolsonaro, e também já foi atacada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mercado teme que ingerências políticas possam afetar os resultados financeiros da companhia.
Países desenvolvidos têm optado por tributação flutuante para equilibrar o preço dos combustíveis ante as oscilações do petróleo no mercado internacional. Outros, mais próximos ao perfil do Brasil, como Chile e Peru, têm fundos de estabilização para proteger a população da variação de preços, aponta estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Avaliação
No Chile, o mecanismo protege apenas o querosene doméstico, e é usado com tributos flutuantes. Já o Peru usa fundo de estabilização para equilibrar os preços de gasolina, diesel, gasóleo e óleo combustível em sistemas isolados. O país tem ainda um plano de subsídio para o gás liquefeito de petróleo (GLP), em estratégia similar ao que pode acontecer no Brasil.
Especialistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo alertam que o ideal seria ter um modelo mais próximo ao do Chile, ou seja, estabilizar os preços apenas de um produto. No caso brasileiro, afirmam, o produto a ser escolhido deveria ser o diesel, que tem cerca de 30% do volume consumido importado de outros países. Alguns sugerem, inclusive, que o fundo se restrinja a caminhoneiros, diante de limitações orçamentárias para compor algo mais amplo, que contemple a gasolina.
Questionado por jornalistas, Prates disse que os novos nomes do conselho de administração e de sua diretoria executiva serão conhecidos ainda nesta semana. Todos esses nomes terão ainda de passar pelo crivo interno da estatal e do atual colegiado. Ele afirmou, ainda, que a diretoria de Transição Energética será construída em um segundo momento, só depois da nomeação dos indicados para a estrutura que já existe, com oito diretorias.
O nome mais cotado para assumir a nova diretoria de Transição Energética é o do professor e ex-presidente da EPE Mauricio Tolmasquim. Segundo Prates, uma cerimônia de posse só deve acontecer quando todos os nomes forem aprovados pela companhia nas instâncias necessárias.
31 DE JANEIRO DE 2023
NOSTALGIA
Câmera digital agora é vintage
Estilo "retrô" é o principal diferencial apontado pelos novos usuários desses dispositivos, antes tratados como obsoletos
Pequenas, coloridas, com mais memória e uma tela que já possibilitava ver a fotografia de forma instantânea. As câmeras digitais amadoras marcaram toda uma geração nos anos 2000 pela praticidade, mas logo foram ofuscadas pelo "boom" dos smartphones. Duas décadas depois, elas estão de volta: alguns jovens estão deixando o celular em segundo plano para reviver os dispositivos com os quais tiveram contato apenas na infância.
Nas últimas semanas, os antigos aparelhos têm gerado interesse e feito jovens pesquisar na internet pelo assunto. Mas esses dispositivos voltaram a ser febre ainda em 2022 - quando começaram a ser vistos com maior frequência em festas e bares, por exemplo.
Um dos novos usuários dessas câmeras é o cineasta e designer Gabriel Ritter, 26 anos, que recentemente ganhou de um amigo uma Canon IXY. Morador de Porto Alegre, ele destaca uma curiosidade importante: a maioria das pessoas se refere a este tipo de dispositivo como "Cybershot", mesmo que o nome seja apenas do modelo comercializado pela Sony.
Resgate
Ritter conta que já vinha notando que algumas pessoas estavam resgatando essas câmeras para registrar momentos em festas e bares no início de 2022. Formado em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele relata que se aproximou novamente desses equipamentos durante as atividades de experimentação na faculdade, quando um colega levou uma Cybershot e começou a compartilhar com todos os resultados:
- Ela é muito mais prática, porque é menor e ainda é digital, então tira as fotos e transfere via cabo para o computador.
O fotógrafo e técnico do Laboratório de Fotografia da Universidade Feevale Diogo Mascarenhas aponta que percebeu o movimento de retorno das digitais pelas redes sociais. Ele comenta que é comum que as pessoas procurem recuperar a cultura de uma determinada época, utilizando itens e ferramentas que produzam os mesmos efeitos - isso foi visto em outros momentos, inclusive, com breves retornos da fotografia analógica, que vem se tornando pouco viável em razão do preço dos processos.
E foi justamente a estética vintage das fotos que chamou a atenção de Ritter, que resolveu aderir à moda e buscar uma câmera digital para sua festa de despedida, realizada na último dia 20, antes de sua mudança para Sydney, na Austrália.
Para Ritter, a principal diferença é a definição da imagem, que é inferior àquela proporcionada pelos smartphones atuais. Além disso, aponta que os dispositivos antigos não oferecem tantas opções para controlar a luz das fotos, por exemplo, o que, na opinião do cineasta, garante um resultado mais espontâneo. E ele também destaca a nostalgia pelo equipamento.
A percepção de Ritter é corroborada por Mascarenhas, que esclarece que o smartphone possui maior tecnologia embarcada, produzindo um resultado mais padronizado, em razão da qualidade do software.
- Acho que é essa estética mais crua que está sendo buscada neste momento. Mas acredito que tenha poucas chances de ficar por muito tempo como um movimento popular, até porque introduz uma etapa entre fotografar e postar. Mesmo assim, vale por ser um recurso barato, que muita gente ainda tem em casa esquecido - diz o fotógrafo.
Procura
Proprietário do Bric Fotográfico, estabelecimento localizado no Centro Histórico de Porto Alegre, Evaldir Garcia do Canto aponta que a procura pelas câmeras digitais não aumentou significativamente no último ano, mas garante que vende uma ou duas por mês.
Atualmente, estima ter cerca 50 unidades de diferentes marcas e modelos para comercializar - os valores dessas máquinas variam entre R$ 350 e R$ 550.
Na avaliação de Evaldir, que trabalha neste ramo desde 1979 e é mais conhecido como Didi, a chegada dos smartphones "matou" esse modelo de câmera:
- Essas digitais eram boas câmeras, muito famosas. Todo mundo comprava, mas o que acontece é que todo mundo quer vender agora. Elas tiveram uma fama muito grande, mas as coisas mudaram. Agora, a procura é baixa.
Em março do ano passado, Cândida Vitória Martins, 21 anos, recuperou uma câmera que era usada por seus pais durante sua infância. A estudante de Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) encontrou o dispositivo guardado em uma caixa e levou até o Bric Fotográfico para consertar.
- Ela estava em perfeito estado, a única coisa que não funcionava era a bateria, então só trocaram e deu tudo certo, funcionou superbem. Decidi usar justamente por ser uma câmera antiga e pensei que seria diferente da câmera da Canon (profissional) que tenho agora e do celular - conta.
Moradora da Capital, ela explica que usa a câmera em festas e para fotografar aniversários de amigos. Também afirma que gosta muito do resultado, justamente por não conseguir controlá-lo:
- Gosto desse conceito da câmera ser antiga e registrar as fotos desse jeito mesmo.
A experiência de Carlos Iuri Simoni de Souza, 20 anos, com uma câmera digital começou em novembro de 2021. O estudante de Design Gráfico na UniRitter e morador de Cachoeirinha, na Região Metropolitana, relata que decidiu comprar um modelo em um site de itens usados porque sempre foi fascinado pela estética vintage dos anos 2000. Para ele, a Cybershot abre uma porta para esse universo e é uma opção mais acessível, em comparação com as câmeras analógicas.
Ele comenta que prefere utilizar o dispositivo no lugar do celular justamente para se desconectar um pouco.
- Estamos vivendo em uma era do imediatismo, tudo é para ontem, e eu acho muito legal que eu saio com meus amigos com a câmera e tiramos as fotos, nos divertimos e não ficamos vendo o resultado na hora. Isso que é o mais bacana: ter aquela surpresa das fotos, todas saem muito diferentes umas das outras. E eu gosto muito do resultado - ressalta.
Ele acrescenta que a câmera digital não gera uma foto perfeita, permite registrar a espontaneidade das pessoas e traz uma certa memória afetiva, já que era utilizada por seus pais antigamente.
JHULLY COSTA
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
José Lins do Rego narra sua infância
Lançamentos
Penso, logo reflito
A propósito...
Rede do interior chega ao shopping do grande centro
Fórum gaúcho discute perspectivas econômicas para 2023
Subsídios apresentados pelos economistas devem ajudar nas decisões das empresas, diz Amcham
30 DE JANEIRO DE 2023
ARTIGOS
O CONTEXTO TECNOLÓGICO NA TERCEIRA IDADE
Idosos não só podem como precisam vivenciar novas experiências. Aliás, há sempre algo novo para aprendermos, desde coisas a que nunca tivemos acesso até o surgimento de novas tecnologias. Viabilizar o acesso dos idosos a essas ferramentas digitais é de suma importância para o desenvolvimento pessoal, social e cognitivo da população acima de 60 anos.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), o número de pessoas com 60 anos ou mais que fizeram o uso frequente da rede mundial de computadores passou de 44,8% em 2019 para 57,5% em 2021. O crescimento deve ser comemorado, mas, no dia a dia, é possível observar que a exclusão digital entre idosos ainda é uma realidade, especialmente entre a população em maior vulnerabilidade. Precisamos considerar contextos sociais e históricos para compreender as relações do idoso com o uso das tecnologias.
Se por um lado as crianças já estão nascendo dentro dessa realidade, o que torna essa inserção no mundo digital bem mais fácil, por outro a dificuldade encontrada pelo idoso para entender o sistema de um smartphone, por exemplo, é justificada pelo fato de ser a primeira vez que essa tecnologia é apresentada para ele. Destaca-se que há, sim, uma dificuldade maior, mas que não significa a incapacidade de adquirir uma nova habilidade. Há dois ingredientes importantes nesse processo de aprendizado: a paciência e a constância.
Essa também é uma pauta que merece a atenção do poder público. A população brasileira está envelhecendo, a expectativa de vida no Brasil é de 79 anos para o público feminino e de 72 para o público masculino. Como inserir esses idosos no contexto digital? Pensar políticas públicas de inclusão para essa faixa etária é primordial, proporcionando cursos, capacitações e um acesso qualificado às tecnologias, bem como uma atenção maior aos crimes envolvendo idosos e meios digitais, com punição e fiscalização efetiva para tornar o ambiente mais seguro e atrativo aos anseios do idoso.
ROBERTA DE OLIVEIRA
30 DE JANEIRO DE 2023
INDÚSTRIA DO RS
Incertezas pela frente
No levantamento de 2022, a Fiergs explica que o avanço das exportações gaúchas se dá, principalmente, pela elevação dos preços dos produtos vendidos, que apresentaram variação acima da quantidade remetida. Para este ano, especialistas afirmam que o cenário para as exportações no país e no Estado não está claro, porque conta com uma série de condicionantes.
Desaceleração das economias de países desenvolvidos, impactos da inflação, da guerra na Ucrânia e alterações no preço dos combustíveis podem prejudicar as vendas para o mercado externo. Por outro lado, eventual retomada de fôlego por parte da China, um dos principais destinos dos produtos brasileiros, pode ajudar a amenizar esses problemas, segundo a professora Camila Flores Orth, da Unisinos:
- A China, com essas medidas de retirada do covid zero, a expectativa é de voltar a ter crescimento mais acelerado em 2023. Com isso, a gente pode ver um aumento de exportação para a China.
No âmbito do óleo e do farelo de soja, o superintendente de estudos de mercado e gestão da oferta da Conab, Allan Silveira, afirma que o ambiente para as vendas brasileiras deve seguir positivo diante da desregulação do mercado internacional de óleos vegetais.
Vice-presidente de Indústria CIC de Caxias do Sul, Ruben Antonio Bisi diz que o desempenho do setor automotivo, principalmente na linha dos veículos pesados, deve seguir aquecido, mas em ritmo de acomodação. Parte dos empresários do ramo adota cautela nos investimentos à espera das primeiras ações do novo governo, segundo Bisi. Alguns problemas na produção, como a falta de semicondutores, também seguem pesando, mesmo que em patamar menor na comparação com anos anteriores:
- Vai ter uma pequena redução, um pequeno ajuste em alguns segmentos, mas depois teremos retomada no segundo semestre. Não é uma perspectiva pessimista. É otimista com um pouco de cautela.
Alimentos e automóveis são destaque nas vendas externas
Os dois segmentos tiveram aumento conjunto de US$ 1,76 bilhão nas exportações em 2022 em relação ao ano anterior
Com fatores que vão da abertura de novos mercados e aumento de preços a retomada sobre demanda reprimida, os ramos de alimentação e automotivo foram destaque no avanço das exportações da indústria gaúcha no ano passado. Em 2022, o setor de alimentos registrou US$ 5,86 bilhões em exportações - US$ 1,32 bilhão a mais e avanço de 29,1% ante 2021. Já as vendas externas de veículos automotores, reboques e carrocerias cresceu US$ 439 milhões, alta de 65,3% em relação ao ano anterior.
Esses dois segmentos estão entre os grupos com participação importante no aumento de quase 22% nas exportações da indústria de transformação em 2022. Os dados são da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs). Além de impactar a produção, esse movimento reflete no emprego em algumas áreas, segundo especialistas. Para este ano, o cenário das vendas para o Exterior depende das políticas do novo governo e do apetite das economias ao redor do mundo.
A participação dos alimentos nas exportações não é algo inédito, mas o segmento teve salto expressivo no ano passado. O óleo de soja em bruto é um dos destaques, com US$ 776 milhões em vendas, acréscimo de US$ 354 milhões. Farelo de soja, com mais US$ 310 milhões em exportações ante 2021, também ocupou parcela significativa.
Superintendente de estudos de mercado e gestão da oferta da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Allan Silveira afirma que esse movimento é explicado por mudanças provocadas na oferta de óleos vegetais no mundo:
- Foi um ano (2022 )com pouca disponibilidade de óleo e farelo de soja da Argentina. E com a menor disponibilidade de óleo de girassol na Europa, menor quantidade de óleo e farelo de soja por parte da Argentina, que é o maior exportador, houve abertura de mercados para o Brasil.
A professora Camila Flores Orth, do curso de Ciências Econômicas da Unisinos, reforça o peso da guerra na Ucrânia no impulso da exportação do óleo de soja do Estado. Com a Ucrânia não conseguindo escoar a produção diante do conflito, o Brasil teve vantagem em cenário de demanda aquecida:
- Perdeu-se esse grande produtor e exportador de óleo vegetal e, com isso, o preço mundial, dentro da dinâmica de oferta e demanda, acabou aumentando. A gente se beneficiou de alguma forma, porque, mesmo não exportando tanto o óleo de girassol, o óleo de soja acaba sendo um bom substituto.
Retomada
Já o grupo de fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias registrou US$ 1,1 bilhão nas vendas externas em 2022. Esse avanço de 65,3% ante o resultado de 2021 ocorre na esteira de bons resultados nos produtos automóveis, chassis e carrocerias para veículos automóveis e autopeças, segundo a Fiergs.
O vice-presidente de Indústria da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul, Ruben Antonio Bisi, afirma que esse salto está muito ligado à retomada do segmento após o choque causado pela pandemia na produção e à expansão para novos mercados. Nesse sentido, ele destaca alguns movimentos observados na Serra, um dos principais polos da indústria metalmecânica gaúcha:
- Tem a nossa inserção em novos mercados, como a Randon, que está começando a entrar nos EUA, e a Marcopolo e o setor automotivo de carrocerias, que estão entrando fortemente na África. Teve bons pedidos do Chile, da Colômbia e, inclusive, da Argentina.
Bisi destaca que o aumento nas vendas externas e a recuperação de mercados ajuda nos investimentos e nas contratações. De janeiro a novembro de 2022, o segmento de fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias abriu 4,5 mil vagas no RS - quase o dobro do montante em 2021 (2,2 mil), segundo o Segundo dados do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados.
Com tradição e polo na região do Vale do Rio Pardo, o ramo de tabaco também teve dados expressivos - avanço de US$ 947 milhões e alta de 78,3% em relação a 2021.
ANDERSON AIRES
domingo, 29 de janeiro de 2023
O destino, às vezes, mexe as peças do tabuleiro só para nos
pegar de surpresa
A renúncia de viver aquilo que tem potencial para nos desacomodar costuma ser uma garantia de futuro tranquilo. Há momentos que exigem um confrontamento com as escolhas que fizemos. Você chega na cidade em que nasceu, se hospeda na casa da sua irmã e vai até o supermercado comprar alguns ingredientes para o jantar. Aproveita para comprar sorvete, que sua irmã incluiu na lista, e fica feliz de poder fazer essa gentileza a ela, uma retribuição pela acolhida.
No corredor do super, encontra um ex-namorado, seu primeiro
grande amor, com quem teve um relacionamento 20 anos atrás e cujo desenlace
deixou alguns fios soltos. Depois de uma vacilante troca de palavras, ele te
convida para um café. Seu marido e filhos estão lá na cidade onde você mora, a
quilômetros de distância. Ora, é só um café.
Esse é o início do filme Blue Jay, disponível na Netflix.
Quando a personagem aceitou o convite, a primeira coisa que pensei foi: o
sorvete vai derreter. A segunda foi: por que raios fui lembrar do sorvete? Estamos
livres da ilusão infantil de que se pode parar o tempo. Estamos livres da
ilusão infantil de que se pode parar o tempo
Errar a grafia de um nome soa como desprezo. Errar a grafia
de um nome soa como desprezo. Porque, apesar de já ter feito progressos, ainda
tenho muito a evoluir no quesito “vou pensar em mim e que o mundo se exploda”,
também conhecido, afetuosamente, por “f*da-se”. É uma questão cultural que
herdei de casa. As amigas da minha mãe sempre contavam, entre gargalhadas, a
longínqua ocasião em que elas propuseram um programa de última hora, sem chance
de planejamento, e minha mãe respondeu: “mas hoje é o dia em que troco os
lençóis”.
Esse foi o cenário da minha infância. Sair da rotina,
repentinamente, atendendo ao apelo excitante da vida, era algo que perturbava.
Desconsiderando o exagerado exemplo dos lençóis, acho que perturba muitas
outras pessoas também. Ainda mais quando o apelo está relacionado a amor e
sexo.
Cada hora continua tendo os mesmos 60 minutos que tinha no
século 17, mas a impressão é que a vida tem passado feito um rato na sala, como
dizia o saudoso Domingos Oliveira. Um dia somos adolescentes, no outro estamos
debatendo a menopausa. Nem todo mundo encontra ex-namorados dentro de
supermercados, mas a cena serve como metáfora: há momentos que exigem um
confrontamento com as escolhas que fizemos, que nos colocam cara a cara com
aquilo que preferíamos não saber, não remexer.
É típico do destino: às vezes ele mexe as peças do tabuleiro
só para nos pegar de surpresa, a fim de testar nossa coragem, curiosidade e
abertura para saltos sem rede, o velho e conhecido “ver qual é”. Quantas vezes
você evitou se jogar? Apego à rotina também?
A renúncia de viver aquilo que tem potencial para nos
desacomodar costuma ser um bom plano de previdência, uma garantia de futuro
tranquilo, mas não demorará até que o olhar opaco denuncie a covardia. Você
concorda que os relógios entraram em desacordo com o tempo e aceleraram os
ponteiros? Você mal acordou e já é quase noite? Então deixe para trocar os
lençóis amanhã e danem-se os sorvetes.
sábado, 28 de janeiro de 2023
28 DE JANEIRO DE 2023
PÓS-CREDITOS
A EXCELÊNCIA DO EXCESSO
Babilônia (Babylon, 2022), em cartaz nos cinemas de Porto Alegre, é um filme sobre excessos e um filme excessivo. Essa combinação mostrou-se repulsiva à maioria dos críticos e também ao público - apesar de trazer os nomes de Margot Robbie e Brad Pitt à frente do elenco, o título sobre a Hollywood das décadas de 1920 e 1930 escrito e dirigido por Damien Chazelle foi um fracasso comercial nos Estados Unidos: nas bilheterias, arrecadou menos de US$ 15 milhões, quantia que não paga nem 20% do orçamento.
Na temporada de premiações, faz um pouco mais de sucesso. No Globo de Ouro, ganhou em música original, composta por Justin Hurwitz, e disputou as categorias de melhor comédia ou musical (embora não seja nem uma coisa nem outra), atriz, ator (Diego Calva) e ator coadjuvante; no Critics? Choice, venceu em design de produção, assinado por Florence Martin e Anthony Carlino, e concorreu a outros oito troféus; compete como melhor elenco no SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA, e recebeu três indicações ao Bafta, da Academia Britânica: design de produção, figurino (Mary Zophres) e trilha sonora. São as mesmas categorias no Oscar, que não deu a onipresença merecida por Babilônia e nitidamente desejada por Chazelle.
Alçado à condição de jovem prodígio quando lançou, com 29 anos, Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014), pelo qual conquistou o Oscar de roteiro adaptado, o cineasta estadunidense já havia celebrado Hollywood em La La Land: Cantando Estações (2016). O musical estrelado por Ryan Gosling e Emma Stone igualou o recorde de indicações à estatueta dourada estabelecido por A Malvada (1950) e Titanic (1997). Das 14, venceu seis, incluindo melhor direção - Chazelle é o mais jovem ganhador da categoria (tinha 32 anos e 38 dias na data da premiação).
O espectador de Babilônia pode reconhecer características de La La Land, de Whiplash e também de O Primeiro Homem (2018), sobre o astronauta Neil Armstrong. Novamente, Chazelle conta uma história sobre dois jovens que perseguem o sucesso em Los Angeles - outra vez, temos uma aspirante a atriz, Nellie LaRoy, papel da australiana Margot Robbie, indicada ao Oscar de atriz por Eu, Tonya (2017) e ao de coadjuvante por O Escândalo (2019), e se não um pianista, temos um cara que carrega o piano, o faz-tudo Manny, interpretado pelo mexicano Diego Calva. Novamente, sonhos podem se tornar perigosas obsessões. Novamente, o cineasta busca sincronizar som e imagem, em uma simbiose alucinante orquestrada em parceria com seus colaboradores habituais: o editor Tom Cross e o compositor Hurwitz - autor de um tema absolutamente empolgante e totalmente contagiante, que parte da instrumentação de uma banda de jazz dos anos 1920 mas acrescenta toques de rock e música eletrônica.
O público também deve identificar semelhanças com o clássico Cantando na Chuva (1952) e o oscarizado O Artista (2011), afinal, esses três filmes abordam a complicada transição do cinema mudo para o cinema sonoro em Hollywood. A trama de Babilônia vai de 1926 a 1936, com um epílogo justamente em 1952. Para contextualizar a época, desenvolver os dramas dos personagens e reconstituir o impacto das transformações tecnológicas, Damien Chazelle adotou uma duração que uns encaram como exagerada - são três horas e nove minutos -, mas bem normal na comparação com outros filmes de destaque nas premiações e nas bilheterias: Avatar: O Caminho da Água tem 192 minutos; RRR, 187; Batman, 176; Pantera Negra: Wakanda para Sempre, 161; Elvis, 159; Tár, 158; Os Fabelmans, 151; Triângulo da Tristeza, 147; Nada de Novo no Front, 143; Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, 139; Top Gun: Maverick, 131.
Elefante
De qualquer forma, exagero é a palavra adequada tanto para definir Babilônia quanto a Hollywood daqueles tempos. Logo na primeira cena, o filme avisa sobre o que vem pela frente. No meio do deserto californiano, enquanto três homens tentam transportar um elefante em uma carreta, um deles acaba levando um banho de fezes do animal. Não haverá pudor em mostrar a orgia regada a álcool, cocaína e urina realizada na mansão do produtor cinematográfico Don Wallach, dono do fictício estúdio Kinoscope, festa em que o tal elefante é aguardado para ser uma surpresa literalmente de peso. Não haverá pudor nem limite: dezenas, talvez centenas de atores e figurantes participaram dos 10 dias de filmagens da festança. Chazelle demonstra ter absoluto controle sobre o caos, ora apostando em intrincados planos-sequência comandados pelo diretor de fotografia sueco Linus Sandgreen, para ilustrar a suntuosidade do ambiente, ora investindo em inúmeros cortes para traduzir a atmosfera febril.
Se as festas eram extravagantes, o trabalho era turbulento e arriscado. Antes de O Cantor de Jazz (1927), como o som ainda não importava, vários filmes podiam ser rodados ao mesmo tempo ocupando diferentes espaços do mesmo set: um faroeste aqui, um épico de capa e espada ali, um drama contemporâneo acolá. Outra vez, Chazelle consegue colocar o espectador dentro de um cenário confuso e nervoso sem jamais perder o foco, o objetivo.
O que não é exagerado em Babilônia é o número de personagens. Os principais são apenas três. Nellie e Manny compartilham a mesma ambição: querem estar em um set de filmagem - "o lugar mais mágico do mundo", como dirá alguém -, ela à frente das câmeras, ele, nos bastidores.
A suburbana Nellie atravessou o país (veio de New Jersey) a bordo de uma autoconfiança - "Ninguém se torna uma estrela. Ou é ou não é"- forjada por anos e anos de penúria e desprezo. De origem mexicana, Manny tem como trunfos um otimismo quase inabalável e sua capacidade de resolver as coisas. Por isso, acaba sendo empregado por Jack Conrad, um astro do cinema mudo inspirado em John Gilbert e Douglas Fairbanks, entre outros, e encarnado por Brad Pitt, vencedor do Oscar de coadjuvante por Era uma Vez em Hollywood (2019). Jack está sempre bebendo e trocando de esposa. Nos momentos de sobriedade, tece reflexões sobre o encantamento exercido pelas salas de cinema: "Filmes são mais importantes do que a vida. Filmes fazem você sentir. Filmes mostram que você não está sozinho!".
Ao redor desses três personagens, gravitam três coadjuvantes importantes. Lady Fay Zhu (Li Jun Li) é uma cantora andrógina. Sidney Palmer (Jovan Adepo) é um trompetista negro. Elinor St. John (Jean Smart, multipremiada pela série Hacks) é uma jornalista de fofocas. Somadas às histórias de ascensão e queda de Nellie, Manny e Jack, suas trajetórias ajudam a exemplificar a volatilidade de Hollywood e como o talento e o estrelato não protegem do moralismo e do racismo.
Pois é: apesar de se passar quase um século atrás, Babilônia não deixa de refletir sobre a Hollywood de hoje, igualmente pressionada a lidar com uma transformação de teores tecnológicos e mercadológicos - o avanço das plataformas de streaming, impulsionado durante os anos da pandemia de covid-19. E a descida ao inferno conduzida pelo assombroso personagem interpretado por Tobey Maguire parece apontar para o que seria o futuro, portanto, o presente da indústria cinematográfica: os tipos grotescos, a pirotecnia e a depravação daquele submundo de Los Angeles podem ser um espelho da hegemonia dos super-heróis, dos efeitos visuais e do apelo sexual das celebridades atuais.
Mas o desencanto convive com a esperança no filme. Por mais que haja tensão e tragédia, por mais que nos mostre como a glória e a destruição podem andar lado a lado, Damien Chazelle não deixa de declarar seu amor pelo ofício e de homenagear seus antecessores (fica o desafio: tente identificar todas as obras referenciadas no frenético e poético clipe de encerramento). Babilônia nos lembra do poder que o cinema tem de imortalizar os mortais - e algumas cenas hão de se tornar perenes na memória do espectador, vide a vibrante e emocionante sequência da estreia de Nellie LaRoy em um estúdio. É como a jornalista Elinor diz a certa altura para um certo ator: "O seu tempo acabou, mas você deve ser grato. Você passará a eternidade com anjos e fantasmas".
28 DE JANEIRO DE 2023
FÍNDI DO CLUBE DO ASSINANTE
Novo roteiro de enoturismo na Campanha Gaúcha
Conhecido polo vitivinícola do Rio Grande do Sul, a Campanha Gaúcha conta com um novo roteiro de enoturismo. Lançado pela Miolo em setembro do ano passado, o passeio pela Vinícola Almadén, em Santana do Livramento, leva os visitantes a um passeio pelo vinhedo e pela estrutura recém reformada, que inclui museu, deque panorâmico, passarelas e um free shop de vinhos. Ao fim da visita, é oferecida uma degustação.
Dos 1,2 mil hectares da vinícola, fundada em 1973 pela Almadén da Califórnia, 450 têm vinhedos próprios em espaldeira com 25 castas, que dão origem a diversos vinhos (tintos, brancos e rosés). No total, a marca Almadén conta com 18 rótulos.
Da recepção o turista é encaminhado para o Museu Semente, que reúne, em cem metros quadrados, um acervo de fotos e objetos sobre a trajetória da marca.
Levado à área externa, o visitante caminha por um deque sobre os vinhedos. Uma passarela leva até a cantina, e, depois, o roteiro termina nas salas de degustação. No local, são oferecidos quatro produtos, selecionados de acordo com a estação.
No final, o já mencionado free shop de vinhos vende 120 rótulos da Miolo. Por ficarem isentas de impostos, as bebidas custam até 30% menos.
Passeio
A visitação custa R$ 30, incluindo uma taça personalizada, e ocorre diariamente, às 9h30min, 11h, 12h30min, 14h e 15h30min. As reservas podem ser feitas pelos telefones (55) 99687-2978 e (55) 99708-2461 ou pelo e-mail visitaalmaden@miolo.com.br.
Sócios do Clube do Assinante têm um benefício a mais: ganham R$ 10 de desconto no passeio.
28 DE JANEIRO DE 2023
LEANDRO KARNAL
Vejo pessoas tomadas de fúria. Observo outros humanos atacados de ciúmes doentios ou inveja corrosiva. A luxúria consome meus conhecidos e induz cada um deles a atos torpes. Por todo lado, o humano, demasiado humano domina. Egoístas sempre, altruístas de quando em vez. E eu? Sinto-me igual (ou pior) a todos os que perambulam neste umbral chamado vida.
Ressalto: minha estrutura iguala-me a toda a mesquinhez do mundo. Minha vaidade é tão imensa que tenho vergonha de demonstrar a fraqueza em público. Como funciona? Alguém me diz algo desagradável na rua. Fico perturbado, sempre, mas... teria muita vergonha de reagir com raiva desmedida, demonstrando que o agressor acertou o alvo; eu acuso o golpe, sentindo afluir o sangue da "vendetta". Prefiro fingir indiferença disfarçada por certo estoicismo de "minha paz me pertence". Olhando de longe, pareço sábio; de perto, sou uma besta-fera amordaçada.
Tenho ciúmes vários, mas nada digo. Parece que seria uma humilhação pedir que evite encontrar alguém. É algo similar a "como o meu concorrente pode ser melhor do que eu, prefiro que você não o encontre". Passar atestado de fraqueza, de medo e berrar ao mundo que não sou bom o suficiente? Minha máscara é a superioridade ocultando meu medo trêmulo: "Pode ir, amor... você quem sabe".
Em meu favor, o fino verniz consegue ter efeito denso. Tive um colega invejoso que me atacava na universidade. Num dia, em meio a uma chuva de críticas gratuitas em almoço coletivo, respondi com calma, trocando o nome dele por um similar. Vi como ficou perturbado. O ódio é um pedido de atenção, entretanto fingi, com sucesso, que ignorava a ação e o ser atrás de tal ação. Foi devastador, e ele perdeu o controle. Eu pisquei por último no fogo-fátuo das vaidades acadêmicas.
Sou vaidoso a ponto de controlar minha raiva. Meu orgulho é tão grande que gosto de emular a sabedoria. Insisto pouco se alguém não quer sair comigo. Disfarço e domestico, parcialmente, minha ira.
Uma pessoa sábia não pode ser atingida por ataques. Sua tranquilidade é profunda; sua paz é um lago sereno ao redor da consciência. O equilibrado de verdade é um monumento de granito que fica indiferente às ondas que se abatem. Não sou assim.
O segundo tipo é o ser impulsivo que enfrenta tudo e todos. Cada palavra seca é respondida com agressão verbal ou física. O raivoso imaturo deixa ao mundo a decisão sobre ter ou não equilíbrio. Basta um gesto e... lá vem a pororoca reativa. Essas pessoas são folhas frágeis que oscilam de acordo com o desejo do vento externo, carregadas para lá e para cá. Barulhentos, porém vítreos; brigões, todavia dependentes. Causam mais incômodo e pena do que medo. Também não sou assim.
Sou um mestiço estranho entre os dois tipos anteriores. Nunca fui o perfeito equilibrado em um mar de dificuldades. Melhorei, porém estou longe do modelo do filósofo Epicteto. Da mesma forma, não encarno o segundo modelo. O impulso não é soberano sobre meu mundo. Minha raiva existe e é controlada, como disse, pela vaidade. O zelo pela minha imagem me domina mais do que ter feito psicanálise ou ter lido tanta filosofia. Não me sinto guiado pela virtude. Meu freio está na fragilidade do meu ego, que finge, pretende, encena e age com serenidade, na maioria das vezes.
De alguma forma, existe uma secreta admiração pela sinceridade transparente de alguém que muda física e psiquicamente, porque outra pessoa deu uma buzinada indevida. É como se essa pessoa não tivesse vergonha de ser visceral e gritasse ao mundo: emita um som, e o meu mundo desmorona como Jericó diante das trombetas dos hebreus. Um perturbado é uma espécie de criança que fica emburrada diante da atenção dada ao irmão na festa de aniversário.
Como os pequenos, alguns adultos parecem achar que mostrar carência e fraqueza em público é... legal. Eu morro de vergonha de berrar para todos que sou uma carne viva, sem pele, e um vento frio pode me fazer sentir dor. Há uma parte minha que admira a sinceridade na fraqueza de quem tem acesso de ciúme, em público, sem culpa de reconhecer que não se considera com atrativos suficientes para enfrentar a concorrência.
Volto ao tema: sou igual (ou pior) a todos os motoristas do mundo, a todos os maridos ou a qualquer outro profissional inseguro. Sou raivoso e cheio de complexos. Tenho medo e acho sempre que me abandonarão. Porém, no naufrágio do Titanic da espécie humana, eu me agarro à boia da minha vaidade, minha companheira fiel, vasta e segura. Fico à deriva sim, temo a água fria, a morte e... não grito para não atestar que sou feito do mesmo lodo de todos os fracos e pusilânimes.
Reconhecer-se igual a todos é quase humildade. Saber-se pior é próprio da consciência dos santos. Minha vaidade é tão enorme que, freando minhas raivas e acessos, ainda me fornece uma narrativa de superioridade: "Viu? Não sou como esses que se descontrolam". Assim, afundo, no mar gelado e patético da humanidade, como todo náufrago, mas... sem gritar. Diferente dos ruidosos, sou um imbecil silencioso e altaneiro. Afundo com total dignidade e estudada cenografia. Tenho esperança de, num dia, ficar sábio. O tempo está diminuindo...