terça-feira, 26 de março de 2019



26 DE MARÇO DE 2019

CARPINEJAR

Leve a si mesmo para passear

Somos capazes de levar o cachorro a passear três vezes por dia e deixamos de nos levar a passear.

Temos a mesma necessidade de um pouco de sol, de praça, de caminhada, de ideias livres, de andar pelo bairro, de ver a movimentação, de largar um pouquinho os limites da casa e do apartamento e ampliar as aspirações, de arejar as repetições do lar com o brilho da luz nas árvores.

Quando levamos o cachorro a passear, não pensamos em aproveitar junto, a coleira é em nós, limitando os nossos passos a uma função, a uma exclusiva satisfação das necessidades de nosso animalzinho.

Vamos por ele, não em nome de nossa alegria e distração. Jamais pensamos que nos fará bem tanto quanto a ele. Estamos contrariados, com a cara de quem não despertou, com as roupas sobrepostas de mendigo, uniforme aleatório de inverno, qualquer que seja a estação.

Ele corre, nós freamos. Ele age com curiosidade olfativa, nós permanecemos com a alma gripada, não sentindo cheiro nenhum do orvalho e das pinhas. Ele cria amigos, nós evitamos conversa. Ele desfila, nós nos envergonhamos dos reflexos nas vitrines. Ele late para os pássaros, nem sequer enxergamos as suas sombras em nossos cadarços.

Quantas descobertas abandonamos no caminho? Quantos olhares poéticos acabam desperdiçados? Quantos risos não são esboçados pela crença de que há um momento para ser feliz e um outro momento para ser responsável e nunca nos permitimos saborear a simultaneidade da alegria responsável?

Saímos loucos para voltar e nos livrar da obrigação. Queremos contentar o nosso cão enquanto existe um outro cão dentro de nosso coração preso o tempo inteiro, ganindo para a porta.

Não passeamos, com exceção dos finais de semana, só passamos as folhas do calendário, adestrados a não improvisar, a não quebrar a tradição de isolamento e da autoproteção.

Deveríamos descer algumas vezes de nossos tumultos para respirar a nossa individualidade por algumas quadras. Todas as saídas emocionais se encontram na rua, quando reprisamos as decisões para ver lá atrás onde erramos e podermos assim nos corrigir.

Infelizmente não partimos de manhãzinha para farejar os nossos sonhos. Somos cachorros abandonados pelos seus donos.

CARPINEJAR

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