sexta-feira, 18 de janeiro de 2019



Jaime Cimenti
As gaivotas de Punta 


As gaivotas de Punta del Este não são quaisquer gaivotas. Sobrevoam a Miami da América do Sul. Ou será que Miami é a Punta del Este da Flórida? Para elas isso não importa, elas têm o prazer de estar lá sem preocupação com custos de hospedagem, IPTU, condomínio, trânsito, gasolina, restaurantes, ingressos para festas e outras amenidades.

As gaivotas de Punta curtem a beleza e o charme do local sem precisar de trajes, maneiras e perfumes finos. As gaivotas de Punta aproveitam a simplicidade, a natureza, o sol, a lua e o mar e não frequentam os salões de luxo dos hotéis e as festas tonitroantes do balneário.

As gaivotas de Punta lembram dos primeiros hotéis, com paredes de madeira e por onde entravam, pelas janelas abertas, de vez em quando, durante o dia, galinhas que botavam ovos em cima das camas dos hóspedes.

As gaivotas de Punta acham interessantíssimo e raro o fato de a cidade ter sido construída em conjunto por empresários e negociantes de origem italiana, judaica e árabe, com faturamento sem bandeira, tudo na santa paz e com o governo conseguindo cobrar impostos. As más línguas dizem que, quando as três nacionalidades se unem para empreender, quem corre o risco de perder é o governo.

Mas isto é maledicência das eternas línguas de trapo que sempre existiram e agora andam afiadas nas redes sociais. As gaivotas de Punta até dão uns rasantes e pousos na piscina do Conrad, nas sacadas e terraços dos apartamentos distintos, nos jardins das mansões de milionários de dinheiro velho ou nos palácios de verão daqueles com fulgurantes moedas de novos ricos, que seguem sendo a alegria emergente da sociedade, especialmente quando, democraticamente, proporcionam de graça espetáculos com fogos de artifício no réveillon.

Nada mais lindo que dinheiro novíssimo explodindo em forma de fogos para alegrar a comunidade e saudar o ano novo ou qualquer outro acontecimento. Mas as gaivotas não ficam por muito tempo nos locais top e, de noite, se recolhem para dormir na beira do mar, seu eterno habitat.

Em cada amanhecer reiniciam sua rotina de liberdade, amplos espaços e voos intermináveis. Não têm conhecimento, as gaivotas de Punta, da existência de algum Fernão Capelo Gaivota ou coisa parecida por lá. Gaivotas de Punta são anônimas, básicas e felizes - não precisam de acontecimentos outros.

As gaivotas de Punta são democráticas. Gostam de todos. As aves só não gostam de meliantes, especialmente os que aparecem no verão, para furtar e perturbar os moradores e visitantes. As gaivotas ficam tranquilas sabendo da lei que é rígida com quem não tem moradia ou trabalho em Punta e que vai para lá apenas para robar en la Gorlero.

Depois do verão, algumas gaivotas preferem ir para Montevidéu, pois em Punta só ficam uns 10 ou 15 mil habitantes fora da temporada e aí a coisa fica meio parada. Dizem que algumas gaivotas vêm de Buenos Aires e que retornam para lá no fim de fevereiro, junto com os queridos e humildes hermanos porteños. As gaivotas de Punta são ecumênicas e frequentam as partes fronteiras das três sinagogas de lá e os templos protestantes e católicos. 

A propósito...

As gaivotas são curiosas e acrobáticas, gostam de comer frutos do mar, mas catam alimentos naturais em aterros e outros locais onde os humanos deixam sobras. Quem quiser alimentar as gaivotas de Punta deve oferecer frutos do mar e cereais - jamais doces ou alimentos gordurosos processados, que elas, polidamente, vão recusar. É bonito ver os voos incríveis das gaivotas apanhando alimentos atirados no ar ou buscando comida nos barcos.

Gaivotas de Punta não estão preocupadas com as liquidações e não se estressam diante de alguns problemitas econômicos e políticos que até um país como o Uruguai tem. Gaviotas de Punta te saludam, tienem mucho gusto por tu presencia y te pidem solo um poquito de brótola. -

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2019/01/665287-memorias-biografia-e-ficcao.html)

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